CAPITULO 3
V.1 – Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos
de receber maior juízo.
V.2 - Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar,
é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo.
V.3 - Ora, se pomos freio na boca dos cavalos, para nos obedecerem, também lhes
dirigimos o corpo inteiro.
V.4 - Observai, igualmente, os navios que, sendo tão grandes e batidos de rijos
ventos, por um pequeníssimo leme são dirigidos para onde queira o impulso
do timoneiro.
V.5a - Assim, também a língua, pequeno órgão, se gaba de grandes coisas.
Antes de fazer uma análise mais detalhada desta passagem, vamos procurar entender como ela está relacionada com o desenvolvimento que Tiago vem dando ao pensamento, isto é, como este assunto está relacionado com os assuntos anteriores.
Este trecho é o desenvolvimento do tema que já foi apresentado no capitulo primeiro, desde o V.19 até o V.26. Este parágrafo, que se estende até o V.12 constitui o estudo mais amplo, mais franco e mais objetivo sobre o uso da língua, em toda a Escritura. Aplica-se tanto à responsabilidade daqueles que se utilizam da arte de falar no discurso público, como à responsabilidade daqueles que usam a linguem para as conversas mais comuns da vida diária.
A ligação deste assunto com o assunto tratado a partir de 2:14, o problema da fé e obras mortas, reside no fato de que o trabalho de qualquer cristão não se limita a esforço físico ou a ações fracamente visíveis. A realidade é que grande parte dos trabalhos cristão é acompanhada de palavras, além do que, o ato de ensinar por palavras constitui-se num grande e incontestável trabalho. Assim, podemos entender por que este trecho da bíblia exorta a respeito da grandeza da medida da fé em que deve estar apoiada a obra daquele que se utiliza da palavra.
O primeiro versículo é a chave desta passagem. É ele que faz desencadear a série de argumentações que se seguem até o V.12. De fato, o assunto não é de pouca importância, e está fundamentado nos ensinos de Jesus em Mateus 12:33ss, especialmente no V.37. Trata-se da possibilidade de justificação (ou salvação).
Não é difícil entender por que a Bíblia se ocupa especialmente do trabalho do professor nesta Epistola de fundo tão prático, que trata da aplicação direta da verdade, do conhecimento cristão, na vida da igreja. É que o professor, na sua tarefa constante dentro da comunidade cristã, está de posse da responsabilidade de formar o caráter cristão tanto das crianças e jovens, como dos adultos que foram agraciados pelo novo nascimento.
Tiago coloca-se a si mesmo entre os professores, portanto, sujeito às mesmas advertências. Honra seja feita, esta carta inspirada faz transparecer nas suas páginas a dedicação com que o escritor deve ter-se entregado ao ministério, para desincumbir-se dessa tarefa.
O trabalho do professor foi considerado de grande importância desde os tempos mais primitivos da igreja. A carta aos Efésios, no capitulo 4:11-12, coloca a função do professor como resultado de um dom de Cristo para o aperfeiçoamento dos santos e edificação do seu corpo. Na igreja de Antioquia, encontramos os mestres ao lado dos profetas (Atos 13:1). A carta aos Coríntios apresenta a ocupação do mestre, como de importância relevante na congregação local (I coríntios 12:28). Isto se compreende facilmente se lembrarmos que apóstolos e profetas tinham trabalho missionário em outras localidades rotineiramente.
A responsabilidade do professor pode ser notada de pois pontos de vista principais:
1 – No fato de transmitir aos outros suas convicções. Por isso, seus ensinos devem estar solidamente fundamentados na Palavra de Cristo, que recebemos por meio dos seus apóstolos e profetas, enfim, os ensinos que se encontram no Novo Testamento. Daí, a necessidade dele conhecer a verdade e dedicar-se a ensiná-la unicamente, afim de não vir a tornar-se um falso mestre, como ocorreu com muitos, mesmo ao lado dos apóstolos (leia atentamente Atos 15:1,24; Romanos 2:17-29; I Timóteo 1:6-7; II Timóteo 4:3). Opinião pessoal ou de grupo não tem lugar ante a autoridade divina.
2 – No fato de ter necessidade de viver de acordo com a verdade do Evangelho. O bom exemplo é a melhor maneira de ensinar. Falar da verdade a outra pessoa, apenas para que ela fique sabendo como é, carece de lógica, e torna-se causa de condenação, se o ensino não for acompanhado do procedimento correspondente. Isto é valido tanto para o que ensina como para o que aprende. Como diz o refrão: “Ensinar a fazer é melhor do que ensinar a aprender (I João 2:4-6; I Tessalonicenses 2:9-12; Mateus 23:1-3).
O professor deve resguardar-se de certos riscos que pode correr, devido ao exercício do seu ministério, por exemplo, tornar-se orgulhoso. As atenções que lhe são voltadas e a confiança que adquire dos alunos não devem impressioná-lo. Antes, o professor deve procurar o meio certo de comportar-se diante deles e o meio adequado de apresentar o ensino, de modo que a atenção e a confiança dos seus alunos sejam dirigidas, não para ele, mas para a palavra de Deus. Também ele deve resguardar-se do perigo de vir a ser um juiz ou critico dos outros, sob pena de incorrer em maior condenação, caso ele mesmo não seja capaz de agir conforme professa (Mateus 7:1-5).
A despeito de todas essas advertências, devemos entender que este versículo não tem a intenção de desencorajar ninguém a exercer o magistério. Antes, ao apontar os perigos e responsabilidades dessa grande vocação, a Bíblia esta, verdadeiramente, enaltecendo a sua dignidade. Além disso, qualquer discípulo de Cristo tem de viver de conformidade com estes ensinos, não sendo eles aplicáveis apenas aos professores.
Para concluir este trecho, queremos lembrar ainda que estas advertências de Tiago foram dirigidas inicialmente a cristãos que, tomando a decisão pessoal de ingressar no magistério, assumiram também a responsabilidade pessoal de se conduzirem condignamente com esse trabalho. Isto, porque o lugar ocupado por um mestre era muito cobiçado na Igreja Primitiva, devido ao prestígio e à honra que se lhe atribuía. De fato, essa função correspondia à do Rabi no judaísmo. E nesta religião, mais devido à tradição do povo judeu, as deferências e privilégios concedidos aos mestres eram tantos, que podiam corromper o caráter mais bem formado, tornando-o vaidoso, orgulhoso e soberbo (Mateus 23: 1-12).
Um renomado teólogo, referindo-se a esse assunto escreve: “A eloquência religiosa, o desejo de ensinar, a paixão por discussões causísticas foram em todos os tempos o traço característico da devoção farisaica. O terceiro capítulo desta Epístola é inteiramente devotado a atacar este erro”.
Outras referências sobre o uso da língua encontram-se em Salmo 152:2; 141:3; Provérbios 10:18-21; 12:18; 13:3; 14:23; 17:27; 21:23; 26:20-22; Eclesiastes 5:2-3; Mateus 12:33-37; 26:73; Lucas 4:22; Efésios 4:15, 29-31; Colossenses 4:6; I Timóteo 5:13; Tito 2:8.
O V.2 resume duas grandes verdades:
1 – A Bíblia mostra em várias passagens a falibilidade do homem, o que torna o pecado uma cousa tão comum no mundo incrédulo (Romanos 3:10,23). Mesmo entre os filhos de Deus, não há a excelência de vida sem pecado (I João 1:8; Eclesiastes 7:20). Nenhum povo sobre a face da Terra podia ser mais consciente deste fato do que o povo judeu que recebera a Lei de Moisés, com seus 2.386 mandamentos a desafiá-los no dia a dia.
2 – A segunda verdade é que, saber dominar a língua é uma demonstração de maturidade espiritual. A palavra “perfeito” que aqui encontramos é a mesma que em várias outras passagens tem o sentido de desenvolvido, aperfeiçoado ou maduro. Não significa a perfeição completa em todos os sentidos, mas um estágio avançado naquela direção. O nosso modo de falar é responsável por grande parte dos nossos erros e nos traz muitas responsabilidades. Jesus ensina-nos que devemos ter o máximo de cuidado com o que falamos (Mateus 12:31-37). Provérbios 15:1-4 falam das reações provocadas pelo modo de falar.
Quando Tiago emprega a palavra “tropeçar” (ptaío, no Grego), tanto na primeira parte como na segunda, deste versículo, queremos entender que ele esteja imaginando alguém que não tenha o propósito de fazer algo errado mas, mesmo assim, de uma hora para a outra, podo incorrer num lapso. A Bíblia exemplifica como Moisés falou irrefletidamente diante da rocha de Meribá no deserto (Salmo 106:32,33; Números 20:2-13) e também, como Paulo cometeu um deslize no falar, diante do Sinédrio (Atos 23:3-5). Assim, vemos que, dominar-se ao falar não é tão fácil. Por isso devemos redobrar os nossos cuidados para controlar a língua, a fim de que o nosso fervor e o nosso desejo de crescer espiritualmente não sejam tolhidos pelas nossas palavras. Resumindo, para não tropeçar no falar devemos, antes de tudo, ter conhecimento da verdade de Deus, submetermo-nos a essa verdade e transmiti-la correta e integralmente (João 8:32; I Pedro 4:11; Tito 2:1,7,8).
Nos Vs. 3-5, usando duas figuras interessantes, a do navio com seu pequeno leme e a do cavalo com o freio, Tiago faz uma analogia à língua, órgão tão pequeno, capaz de influenciar todo o restante das nossas ações. É inteiramente certo que, para falar corretamente a verdade, temos que educar a mente e controlá-la, na hora de externar o nosso pensamento. E, por outro lado, para falar sempre a verdade e não corrermos o risco de andar mentindo, temos que nos conduzir prudentemente em todos os nossos passos porque assim poderemos sempre dar completa e boa satisfação de tudo quanto fizermos. Enfim, o resumo está no uso desse pequeno órgão, a língua.
V.5b - Vede como uma fagulha põe em brasas tão grande selva!
V.6 - Ora, a língua é fogo; é mundo de iniquidade; a língua está situada entre os
membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não só põe em
chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela
mesma em chamas pelo inferno.
V.7 - Pois toda espécie de feras, de aves, de répteis e de seres marinhos se doma
e tem sido domada pelo gênero humano;
V.8 - a língua, porém, nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido,
carregado de veneno mortífero.
V.9 - Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os
homens, feitos à semelhança de Deus.
V.10 - De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é
conveniente que estas coisas sejam assim.
V.11 - Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é
amargoso?
V.12 - Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos?
Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce.
O resultado das atividades erradas da língua é representado aqui pela figura do incêndio na floresta, causado por uma fagulha. Tanto a extensão como as consequências deste incêndio podem ser usadas para exemplificar os resultados negativos do modo descontrolado de falar. Incêndio nas terras da palestina, cheias de relva ressecada na época da estiagem, era acontecimento comum e o Velho Testamento traz muitas passagens alusivas aos danos causados. As passagens seguintes ilustram bem a extensão e as consequências do incêndio: Salmo 83:13-14; Isaías 9:18; Zacarias 12:6. Assim, vemos que esta figura utilizada por Tiago era bem significativa para os leitores da carta.
Continuando a enumerar os feitos da língua e a caracterizá-la por meio de figuras, o V.6 apresenta a ideia de que o mau uso da palavra corresponde ao mundo contrário à verdade, ao mundo de iniquidade que é antagônico a Deus. As figuras do V.6 são de difícil interpretação, mas podemos ter uma visão mais ou menos lógica do contexto, se acompanharmos o desenvolvimento da ideia, do seguinte modo:
1 – “A língua está situada entre os membros do nosso corpo e contamina o corpo inteiro”, isto é, ela é capaz de produzir efeitos maléficos sobre nós mesmos, em todas as nossas atividades.
2 – “... põe em chama toda a carreira da existência humana”, isto é, os efeitos maléficos do mau uso da língua fazem-se sentir em todos os setores das atividades na sociedade humana. Ela inflama o curso da vida do homem, em geral.
3 – “... é posta ela mesma em chama pelo inferno”. O terrível mal de não conter as palavras é apresentado nesta frase, como de origem satânica. Mesmo sendo produto na nossa cobiça interior, ele é alimentado pelo fogo do inferno. Isto é afirmado aqui pelo Espírito de Deus, que inspira a carta de Tiago. Da fato, se nos lembrarmos da extensão da influência das palavras más e das más consequências que elas acarretam em qualquer ambiente, teremos que reconhecer a grande verdade contida nesta afirmação.
Estas três ideias mostram que, de fato, a língua é fogo e mundo de iniquidade. A língua, descrita como instrumento de fogo é apresentada em Provérbios 16:27. A palavra “inferno”, na forma em que aqui é usada (geenna, no Grego), significa o lugar de punição eterna, e só aparece nos três primeiros Evangelhos, pronunciada por Jesus.
Pelo aspecto geral dos Vs. 7 e 8, imaginamos que Tiago provavelmente se refere ao poder do homem de dominar a criação de Deus, conforme o relato de Genesis 1:28 (domar e dominar têm o mesmo sentido). Entretanto, no que respeita ao domínio da língua, isso não acontece. “Veneno” é usado figuradamente no mesmo sentido em que se usa “venenosa” para referir-se a uma pessoa que fala demais.
A contradição no falar é exemplificada por uma série de metáforas que se seguem, do V.9 ao V.12. Elas mostram a necessidade de ser criterioso para tomar a posição correta no uso da linguagem. Maldição refere-se ao modo descontrolado de falar, por exemplo, no caso de uma explosão nervosa contra outra pessoa. Comparando o que Tiago diz no V.11, com o que Jesus ensinou em Lucas 6:45 “porque a boca fala do que está cheio o coração”, podemos entender que o nosso coração é a fonte de onde procedem as nossas palavras. Assim, para corrigir o modo de falar, é necessário corrigir, antes, o coração. E o remédio para isto encontramos no verso 21 do primeiro capítulo desta carta.
Ao concluir este estudo sobre a responsabilidade no falar, queremos lembrar o seguinte fato: Escrevendo sobre a língua, Tiago está atacando na verdade, uma falsa qualidade de religião, e não o mero vício da língua. Ele está discutindo uma tendência intimamente relacionada com aquela que ele combateu no final do capítulo 1, uma religiosidade sem amor, a combinação de devoção fingida a Deus com indiferentismo e, mesmo ódio aos homens. A leitura de 1:26 é especialmente recomendável nesta altura do estudo, para melhor compreensão desta questão.
V.13 - Quem entre vós é sábio e inteligente? Mostre em mansidão de sabedoria,
mediante condigno proceder, as suas obras.
V.14 - Se, pelo contrário, tendes em vosso coração inveja amargurada e
sentimento faccioso, nem vos glorieis disso, nem mintais contra a verdade.
V.15 - Esta não é a sabedoria que desce lá do alto; antes, é terrena, animal e
demoníaca.
V.16 - Pois, onde há inveja e sentimento faccioso, aí há confusão e toda espécie
de coisas ruins.
V.17 - A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura; depois, pacífica,
indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem
fingimento.
V.18 - Ora, é em paz que se semeia o fruto da justiça, para os que promovem a paz.
Neste parágrafo, a carta de Tiago volta novamente ao assunto da sabedoria, que já havia sido tocado em 1:5 e 3:1. Agora aprendemos que a sabedoria não se resume apenas no conhecimento intelectual. Antes, ela deve ser comprovada diretamente por proceder condigno. Para realçar a verdadeira sabedoria que produz o bom procedimento, a Bíblia nos mostra paralelamente nos Vs. 14 a 16 o tipo de sabedoria do mundo, animal e demoníaca que, portanto, não pode existir na Igreja, onde cabe apenas a sabedoria que vem do alto. Os resultados de ambas são também comparados nos Vs. 16 e 17.
Quando estudamos o V.1 observamos a recomendação de Tiago, para que muitos leitores não se tornassem mestres. Agora, o V.13 diz que quem entre eles fosse sábio, mostrasse em mansidão de sabedoria, mediante condigno proceder, a suas obras. O que estava acontecendo? Parece que não havia um procedimento condigno (devido ou correspondente à responsabilidade) especialmente por parte daqueles que estavam candidatando-se ao ensino.
A Bíblia mostra em Atos 14:23, que na Igreja Primitiva havia o costume de fazer eleição, embora ela não dê informações da maneira como a eleição era feita. Mas nós sabemos por outras fontes de informação da História que entre os gregos a eleição, esse processo público da livre escolha de representantes, exercia grande fascinação sobre o espírito popular. Este era o principal aspecto que conhecemos da chamada “democracia grega”. A igreja, que começava a crescer no mundo daquela época, fortemente influenciada pela cultura helenística, não podia deixar de ser agredida por essa mentalidade, porque grande parte dos membros era de origem grega e, os restantes, quase todos, com fortes traços da cultura grega.
Mas não há nenhuma relação necessária entre o que é considerado bom para o povo que não obedece a Deus, e o que deve ser considerado bom para a igreja. E quando nós olhamos para passagens da Bíblia como esta de Tiago e algumas de Paulo, como I Coríntios 1:10-17 e Gálatas 4:16-20, de certa forma, começamos a perceber que o método de escolher candidatos provocava a formação de grupos em torno deles. Disso resultavam rivalidades e, onde há rivalidades, há ciúmes, há disputas, há partidarismo e há divisões.
É neste contexto que Tiago trata do problema do ensino na igreja. Era grande a paixão e o entusiasmo pela oportunidade de falar publicamente. “Todos queriam ensinar e recomendar-se ao público. Poucos queriam ser ensinados. Um número demasiadamente grande de candidatos ambicionava a posição oficial pública, para conservar-se perante os olhos do povo, como candidatos. Daí, o peso do seu conselho aos leitores, para que sejam prontos para ouvir, tardios para falar” (Sir W. Ramsay).
Então, podemos ver neste versículo, um forte desafio àqueles que, com arrogância, ambicionavam ocupar o lugar de mestres na igreja primitiva. O argumento deles, para exercer a função de professor, é que tinham sabedoria. Entretanto, tal sabedoria não estava sendo demostrada pelo modo de proceder. O V.1 mostra que faltava mansidão aos mestres. Essa mesma qualidade que, em 1:21, é exigida do ouvinte é aqui também exigida daqueles que se apresentam à frente para ensinar. A mansidão é tão essencial no ensino, que Jesus, o Mestre dos mestres a aponta como qualidade Sua própria, ao convidar os discípulos para aprenderem D’Ele (Mateus 11:29). Quando o V.13 ordena ao professor que mostre suas obras mediante condigno proceder, podemos entender a ligação de ideias desta passagem com 2:18.
Do V.14 podemos tirar uma advertência aos mestres, e especialmente aos candidatos aos magistério, na igreja. Há duas cousas que prejudicam de tal modo a carreira do professor, o aprendizado dos alunos e a própria igreja, que podem ser consideradas motivo suficiente para alguém não ingressar no magistério, ou corrigir-se imediatamente, e até mesmo abandoná-lo. São elas:
1 – A inveja amargurada (zëlos pikrós), isto é, rivalidade ciumenta e contenciosa (cf. Romanos 13:13; I Coríntios 3:3; Tiago 3:16).
2 – Sentimento faccioso (de divisão, formação de grupo e partido, no Grego, eritheía), cobiça de distinção, desejo de mostrar-se e de colocar, antes de tudo, os próprios interesses, num sentido partidário, que não dispensa métodos baixos para derrotar o adversário (cf. Filipenses 1:15-17; 2:3; II Coríntios 12:20; Gálatas 5:20).
Aquele que ensina, e tem tais sentimentos, está gloriando-se disso e está mentindo contra a verdade. Falando do ensino falso, relativo a tais mestres, certa revista evangélica descreve-o como:
1 – Fanático: sustenta sua posição violenta e desequilibrada, e não com convicção da razão.
2 – Cheio de ressentimento: considera os oponentes como inimigos que têm que ser aniquilados, e não como amigos que devem ser convencidos.
3 – egoísta e ambicioso: está interessado, mais em exibir-se a si mesmo, do que mostrar a verdade; interessa-se mais pelo triunfo da sua própria opinião, do que pelo triunfo da verdade.
4 – Arrogante: a sua atitude é orgulhar-se do seu próprio conhecimento, ao invés de humilhar-se pela sua ignorância. O verdadeiro erudito está mais consciente daquilo que não sabe, do que daquilo que sabe.
Portanto, o que ensina deve tomar cuidado de que o seu motivo seja verdadeiro e não falso.
A sabedoria daquele que tem inveja amargurada e sentimento faccioso é descrita agora, no V.15, de quatro maneiras diferentes e muito significativas:
1 – Não provém de Deus.
2 – Sua origem está nas cousas do mundo. Seus objetivos são mundanos e suas glórias, também.
3 – É animal (psychikë), isto é, não espiritual; produto do homem, que não discerne as cousas do espírito; instintiva, como se fosse expressão de animais irracionais (cf. I Coríntios 2:14-15).
4 – É demoníaca: sua origem não está em Deus, mas sim, no diabo. Ela não é própria dos filhos de Deus.
No V.16 percebemos os efeitos da aplicação da sabedoria demoníaca. De fato, o que acompanha a inveja e o sentimento faccioso são as cousas mais contrárias à ordem e à harmonia de Deus. Ele não é Deus de confusão (cf. I Coríntios 14:33). Inveja e sentimento faccioso produzem: contenda, ao invés de paz; inimizade, ao invés de amizade; ódio, ao invés de amor; separação, ao invés de união.
Em contradição com o tipo de sabedoria apresentado nos Vs. 14-16 a Bíblia nos mostra, no V.17, as características da sabedoria que tem origem em Deus, a sabedoria lá do alto. Por sua beleza, esta descrição faz lembrar aquela da Primeira Carta aos Coríntios apresentada no Capítulo 13, a respeito do amor. Há sete ideias, nesta passagem, para caracterizar a sabedoria que vem lá de cima. Tal sabedoria é:
1 – Pura: sem mácula, sem mistura, sem qualquer falha, livre de qualquer influência daninha (cf. V.16). Como consequência de ser pura, ela tem mais seis características que serão enumeradas em seguida:
A – Pacífica: promove a paz, o relacionamento correto de homens para homens, e homens para Deus (veja o contraste com a outra sabedoria expressa no V.16; cf. Mateus 5:9).
B – Indulgente: amável, sabe fazer concessões, sabe perdoar, sabe temperar a justiça com a misericórdia.
C – Tratável: disposta a atender à persuasão; fácil de conciliar; disposta a escutar, a arrazoar e a atender; não é insensível a uma apelação “a sabedoria falsa havia de ser orgulhosa, imperiosa, dominadora; a verdadeira sabedoria manifesta-se em deferência voluntária dentro de limites legítimos” (Hort).
D – Plena de misericórdia e de bons frutos: comparar com Mateus 7:15,16, onde Jesus ensina que os falsos profetas, isto é, os que ensinam a falsa sabedoria, podem ser reconhecidos pelos seus frutos.
E – Imparcial: não vacila, não é duvidosa, conhece o seu rumo e sabe para onde vai, sem ter que desviar-se para parte alguma.
F – Sem fingimento: não é hipócrita, não é ostentação ou enfeite superficial, não se utiliza de subterfúgios para atingir um fim. A saberia cristã é honesta, nunca pretende mostrar o que não é, “nunca se aproveita de métodos ilícitos” para alcançar seus fins.
Compare estas características com as bem-aventuranças do Sermão da Montanha (Mateus 5:3-11) e com os Fruto do Espírito (Gálatas 5:22-23).
Este parágrafo, dos Vs. 13 a 18 encerra-se com uma recomendação aos mestres, para reforçar-lhes a compreensão do que foi dito anteriormente em todo este capítulo. O V.17 acabou de informar que a verdadeira sabedoria é cheia de bons frutos. Um deles é a justiça. São os que usam a justiça, os pacificadores, que podem ser bem sucedidos na sua obra (Mateus 5:9). Nunca, aqueles que promovem confusão e toda espécie de cousas ruins! Esta recomendação era também dirigida àqueles que, com suas violentas paixões por controvérsias e discussões públicas, costumavam perturbar o ânimo dos ouvintes nas igrejas primitivas.
No V.18 encontramos uma lição para toda a igreja. Em toda a carta de Tiago, o que aprendemos é como conseguir um bom modo de viver, pela aplicação da sabedoria e da justiça cristã no nosso procedimento. Em outras palavras, isto é a devoção demostrada por meio de nossas atitudes. Se desejarmos realmente conseguir esse tipo de vida, é necessário que mantenhamos o nosso ambiente de vida espiritual em paz, afim de que possa germinar e crescer o fruto da justiça. Em 1:20, vimos a afirmação de que “a ira do não produz a justiça de Deus”. Agora, este versículo ensina que é na paz que a justiça é semeada. Os que promovem a paz são chamados filhos de Deus em Mateus 5:9, o que significa que Deus é o autor da paz (cf. Isaías 32:17; Salmo 135:10).
Vistas estas cousas, devemos evitar, a todo custo, que falsos ensinamentos e falsos mestres tenham lugar na igreja, pois, falsas ideias e falsas opiniões não deixam crescer nada de bom, antes, destroem a paz, colocam os irmão, uns contra os outros, perturbam as relações pessoais, fazem nascer ódios, disputas e impedem o crescimento da justiça.