segunda-feira, 23 de março de 2015

CAPITULO 2

CAPITULO 2

V.1 – Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da
        glória, em acepção de pessoas.
V.2 – Se, portanto, entrar na vossa sinagoga algum homem com anéis de ouro nos
        dedos, em trajos de luxo, e entrar também algum pobre andrajoso,
V.3 – e tratardes com deferência o que tem os trajos de luxo e lhe disserdes: Tu,
        assenta-te aqui em lugar de honra; e disserdes ao pobre: Tu, fica ali em pé
        ou assenta-te aqui abaixo do estrado dos meus pés,
V.4 – não fizestes distinção entre vós mesmos e não vos tornastes juízes tomados
        de perversos pensamentos?
V.5 – Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são
        pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos
        que o amam?
V.6 – Entretanto, vós outros menosprezastes o pobre. Não são os ricos que vos
        oprimem e não são eles que vos arrastam para tribunais?
V.7 – Não são eles os que blasfemam o bom nome que sobre vós foi invocado?

No final do primeiro capitulo Tiago nos exorta a considerar com atenção o Evangelho, que ele chama de Lei Perfeita, Lei da Liberdade. Em seguida ele ensina a maneira correta de agradar a Deus, por meio de uma vida virtuosa e útil. Agora, nestes versículos, vamos encontrar a descrição da atitude oposta, uma atitude negativa, que não pode ser adotada pelo cristão, porque ela constitui uma verdadeira perversão do espírito de justiça, de piedade e de adoração a Deus. Trata-se da acepção de pessoas. Esta atitude consiste de tratar alguém com especial deferência ou com lisonjas de modo servil porque esse alguém é considerado pessoa importante, influente, famosa ou poderosa. Agir dessa maneira é ser imparcial ou injusto. A Bíblia sempre condenou tal atitude. Com efeito, desde o início, quando a Lei de Deus foi dada à nação de Israel, os juízes foram intimados a não fazer juízo pela aparência (Deuteronômio 1:17, cf. I Reis 3:9-10).
Nos dias do ministério de Jesus, os judeus reconheceram que ele não fazia distinção de pessoas, isto é, Ele não as julgava pela aparência exterior (Mateus 22:16; Marcos 12:14; Lucas 20:21).
A expressão “acepção de pessoas” é a tradução de uma palavra grega que traz a ideia de “favorecer a alguém por causa do seu aspecto exterior”. Esta ideia já provém do Velho Testamento.
Que relação tem a nossa fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da Glória, com o fato de não podermos fazer acepção de pessoas? Há muita relação:
1 – Jesus nunca fez acepção de pessoas, durante toda a Sua vida. Ele nunca impediu que se achegassem a Ele os pecadores, os publicanos e outras pessoas de condições sociais as mais desprezadas (Mateus 9:10-13).
2 – Ele deixou a glória celeste e Sua condição divina, para tornar-se homem, pobre, e humilde, a ponto de morrer na cruz (Filipenses 2:5-8).
3 – Ele relacionou a Sua morte na cruz, com a glorificação (João 17:1). Paulo mostrou ter compreendido esse fato em Gálatas 6:14. João e Tiago ainda não haviam compreendido isso, quando pediram a Jesus que lhes concedesse assentarem com Ele na Sua glória (Marcos 10:37-40; 15:27).
4 – A morte de Jesus foi a favor de todos os homens, sem distinção (João 3:16).

Portanto, se Jesus, o Senhor da Glória que é objeto da nossa fé não faz acepção de pessoas, nós também, que somos membros do seu corpo, não podemos fazê-lo.
Enquanto o V.1 sugere que entre os leitores da carta havia o problema de acepção de pessoas de um modo geral, os Vs.2 e 3 dão um exemplo bem particular desse problema. Aqui é descrita a figura de um homem rico, trazendo anéis nos dedos e vestindo roupas finas, muito luxuosas. Nele podemos ver o tipo de um homem daquela época, que desejava dar a impressão de ser rico. Sêneca escreve: “nós enfeitamos os dedos com anéis e colocamos pedras em todas as juntas...” Também é descrita a figura de um homem maltrapilho. Mesmo que nenhum seja cristão, na igreja ambos devem ser igualmente bem recebidos. Ao rico não deve ser oferecido um lugar de honra, e nem ao pobre um lugar humilde. Na reunião de cristãos, onde Deus vê todos com imparcialidade todos os outros devem ver cada um, da mesma maneira.
Compreendamos portanto que, na presença de um Senhor glorioso e Santo, nem a riqueza nem a pobreza podem alterar o valor de uma alma.
Do V.4 podemos tirar duas lições importantes quanto ao procedimento errado que foi exemplificado nos Vs. 2 e 3:
1 – Com efeito, a primeira parte, perguntando “não fizestes distinção entre vós mesmos?” ensina que quem faz acepção de pessoas age hipocritamente porque, ao invés de ser fiel a Deus, está servindo também à riqueza, quando distingue o rico do pobre. Esta atitude é própria dos homens de ânimo dobre.
2 – A segunda parte que pergunta: “e não vos tornastes juízes de perversos pensamentos?” ensina que tais homens estão defendendo uma causa injusta para a qual estão munidos de pensamentos perversos.
Nos Vs. 5 e 6 Tiago inicia uma advertência com uma expressão de carinho, como que dando a entender a importância daquilo que ele vai dizer. A advertência é esta: distinção entre pobres e ricos é uma cousa sem sentido, completamente às avessas. É própria de pessoas menos avisadas, de pessoas descuidadas que não dão atenção à palavra de Deus. Vejamos então qual é a ordem correta das cousas, do ponto de vista divino:
1º - “... os que para o mundo são pobres...”, isto é, aqueles que o mundo considera pobres, são exatamente os que Deus escolheu para serem ricos em fé e dons espirituais, ricos em bens que Deus considera verdadeiros. É oportuno observar o que Jesus ensina na parábola do homem avarento em Lucas 12:16-20 e, especialmente, a conclusão no V.21: de nada vale entesourar para si mesmo, o importante é ser rico para Deus. Será que Deus excluiu os ricos da possibilidade dessa escolha? Absolutamente não. Mas é um fato comprovado no decorrer dos tempos, que os pobres têm atendido em primeiro lugar, isto é, em muito maior quantidade, à chamada da palavra de Deus (I Coríntios 1:26-29; Lucas 1:52). Embora Tiago faça esta defesa do pobre na sua Epístola, devemos lembrar que Jesus é o inspirador destes ensinos:
a) - Ao entrar pela primeira vez na sinagoga de Nazaré, a Sua mensagem foi: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres...” (Lucas 4:18).
b) - Quando João mandou perguntar a Jesus se, de fato, era Ele o Cristo que havia de vir, Ele os fez retornar para dizerem a João que viram e ouviram o Evangelho sendo pregado aos pobres (Mateus 11:5).
c) - No sermão da montanha Jesus começa com uma bem-aventurança aos humildes de espírito (Mateus 5:3; Lucas 6:20).
2º - Continuando a meditar sobre a ordem das cousas do ponto de vista divino, notamos na segunda parte do V.5 que Deus escolheu “os que para o mundo são pobres...para serem herdeiros do reino que Ele prometeu aos que o amam”. Observemos em 1:9 que a Bíblia exalta os que são humildes durante esta vida. Agora, encontramos nela a promessa do reino futuro também para os pobres. O final do V.5 é especialmente oportuno para lembrar que os pobres não vão receber o reino por serem simplesmente pobres, mas porque os humildes de espírito são os que amam a Deus. A Ele agradou entregar-lhes o seu reino (Lucas 12:32). A iniciativa é da parte de Deus. Não se trata, portanto, de mérito de ser pobre.
O V.6 começa com a conjunção “entretanto”, que estabelece um contraste entre o modo de agir de Deus, descrito no V.5, e o modo de agir dos leitores da carta, descrito na primeira parte do V.6. Entendemos que alguns estavam desprezando aqueles que Deus deseja exaltar, aqueles que Deus deseja salvar. A segunda parte do V.6 mostra ainda um contrassenso: Como é que eles estavam distinguindo com honras especiais, exatamente aqueles que eram os opressores dos humildes? A estas alturas, convém lembrar que, no primeiro século, havia muitos problemas sociais, e a igreja primitiva ressentiu-se deles sob vários aspectos: em primeiro lugar, os ricos dispunham de direitos que nós, hoje, mal podemos compreender. Por exemplo, eles podiam levar ao tribunal um devedor seu que encontrasse na rua, arrastando-o pelo colarinho como que sufocando-o. os pobres eram muito pobres e muito numerosos e, por isso, era comum os ricos lhes emprestarem dinheiro. Muitas vezes eles não podiam restituir o empréstimo, porque mal tinham o que comer. Os ricos por seu lado, costumavam ser de coração duro, e exigiam o pagamento, sem nenhuma consideração. Este problema é mencionado quando Jesus, na parábola do credor incompassivo, apresenta um homem arrastando o seu devedor para o tribunal (Mateus 18:28-30). Pessoas assim certamente existiam na igreja naquela época. Em segundo lugar, devemos lembrar que a igreja, desde o seu nascimento, foi oprimida pelas poderosos. No livro de Atos observamos várias prisões e perseguições dos Apóstolos (Atos 4:1-3; 13:50; 16:19; 19:23-41), bem como a perseguição de cristãos em geral, que encontramos aludidas em várias epistolas, em Atos e no Apocalipse. Estas eram, portanto, algumas das dificuldades existentes na igreja, quando Tiago escrevia a sua epístola.
É fora de dúvida que o V.7 refere-se ao nome de Cristo que era e ainda é invocado sobre o cristão na hora do batismo, quando o discípulo passa a levar o nome do mestre.
Agora vejamos a razão mais lógica das censuras contra a exaltação dos poderosos que blasfemavam o próprio nome de Cristo. Eis alguns dos motivos que os levavam a agir assim:
1 – Quando um escravo se tornava cristão, já não mais prestava honras ao seu dono por causa do seu status; ele adquiria também liberdade espiritual (I Coríntios 7:22); ele passava a proceder com honestidade em todos os seus trabalhos, mesmo quando o seu dono exigia algo desonesto; ele passava a adorar a Deus e ia congregar com o Seu povo no primeiro dia da semana. Tudo isso contrariava os patrões de um modo geral.
2 – Além disso a pregação do evangelho sempre contrariou os interesses do mundo. Assim, os ourives de Éfeso revoltaram-se contra Paulo (Atos 19:23). Em Tessalônica Paulo e os seus companheiros foram recebidos como aqueles que transtornavam o mundo (Atos 17:6).
Por razões como estas, o nome de Cristo era blasfemado.

V.8 - Se vós, contudo, observais a lei régia segundo a Escritura: Amarás o teu
        próximo como a ti mesmo, fazeis bem;
V.9 - se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo arguídos
        pela lei como transgressores.
V.10 - Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna
          culpado de todos.
V.11 - Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás também ordenou: Não
          matarás. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei.

Continuando a expor a verdade do Evangelho para seus leitores, a carta de Tiago apresenta mais uma argumentação bem fundamentada nos princípios em que eles eram instruídos, isto é, na Lei, no Velho Testamento, chamada aqui Escritura. Lembremos que o Novo Testamento ainda não está escrito. Talvez estivesse começando com esta carta de Tiago.
A mensagem fundamental deste trecho é a seguinte: “fazer acepção de pessoas é pecar contra o amor ao próximo”. O V.8 ensina que a simples, mas verdadeira observação da própria Lei Regia, “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, levaria a uma atitude acertada em relação ao problema do relacionamento na igreja. O V.9 conclui de modo claro que ao fazer acepção de pessoas, eles estavam transgredindo a própria Lei tão bem conhecida deles. Com respeito à Lei Regia, é bom notar que Deus já a havia dado aos judeus em Levítico 19:18. Eles, porém, tinham a tendência de considerar como próximo, apenas os seus compatriotas judeus. Mas não foi assim que Jesus interpretou esse conceito na parábola do bom samaritano (Lucas 10:29-37). O próximo é qualquer um a quem não devemos recusar auxilio na hora em que for necessário. Jesus fala da importância do amor ao próximo nesse contexto, relacionando-o com a vida eterna (Lucas 10:25-28). Em Marcos 12:32-34, respondendo a um escriba que parece ter compreendido satisfatoriamente a questão, Jesus declarou: “Não estas longe do reino de Deus”.
Observação:
O amor ao próximo está muito ligado ao conceito de “misericórdia”. O significado de misericórdia, por sua vez, não pode ser definido por uma só palavra, porque são muitas as palavras do Hebraico e do Grego traduzidas por misericórdia, e aquelas mesmas palavras têm também o sentido de bondade, benignidade, lealdade, amor constante, fervor, graça imerecida etc. Entretanto há uma relação muito estreita entre a misericórdia e o caso que estamos estudando, da acepção de pessoas. Parece muito provável que Tiago tenha inserido esta lição sobre amor ao próximo no contexto da acepção de pessoas, baseando-se, não só nos ensinos de Jesus, mas também na própria maneira de viver do Mestre. Isto fica evidente quando lemos Mateus 9:10-13. A misericórdia elimina qualquer ideia de acepção de pessoas.
O restante da argumentação feita àqueles leitores em termos da Lei traz para nós uma grande lição: É que não podemos criar pessoalmente um sistema de fé no qual introduzimos aqueles preceitos que nós mesmos escolhemos, embora eles sejam retirados da lei de Deus, ou seja, do Evangelho. Em outras palavras, ninguém está autorizado a criar e a ensinar um Evangelho próprio, formado de uma parte apenas daquilo que Jesus ensinou. E quantas pessoas e seitas há no mundo hoje, que fazem isso. Dentro de nosso próprio meio pode haver pessoas que, em determinados pontos, querem ter o seu próprio modo de pensar e agir, em contradição com a verdade revelada na Bíblia. Este procedimento significa desobediência total. Deus quer homens inteiramente dedicados a Ele, e não em parte.

V.12 - Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão de ser
          julgados pela lei da liberdade.
V.13 - Porque o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de
          misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo.

Este parágrafo é encerrado de maneira muito concisa, com o V.13 que está dividido em duas afirmações bem características dos ensinos de Jesus:

1 – Na parábola do credor incompassivo, Jesus mostra a necessidade de usar a misericórdia, para não ser castigado (Mateus 18:33-35). Em Mateus 7:1 Jesus adverte a não julgar para não ser julgado. Em Mateus 6:15 Ele afirma que quem não perdoar aos homens as suas ofensas, também não será perdoado por Deus. Em Mateus 25:34-40 Jesus ensina que o juízo final será feito à base do uso da misericórdia.
2 – Por outro lado, no Sermão da Montanha, Jesus proclama bem aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia (Mateus 5:7).
Assim, a Lei da Liberdade tem dois princípios: o juízo e a misericórdia. O pecado exige juízo, condenação. A misericórdia triunfa sobre o juízo. Mas, quem decide, é você.

V.14 - Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver
          obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo?
V.15 - Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do
          alimento cotidiano,
V.16 - e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos,
          sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?
V.17 - Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta.

Desde o início do estudo desta Carta, vimos observando que a Epístola trata essencialmente da aplicação da Sabedoria Divina, isto é, dos princípios do Evangelho à vida do cristão. Quando chegamos a esta parte do capitulo 2, é que atingimos o ponto crucial de toda a mensagem. De fato, aqui se encontra o segredo da vida cristã, isto é, “Todo o procedimento do homem cristão deve estar em estreita dependência da sua fé”.
Este trecho é, às vezes, mal entendido. Para nós, ele não constitui nenhum problema, porque temos recebido suficiente orientação bíblica para interpretá-lo corretamente. Entretanto há razões para que façamos uma breve apreciação destes dois parágrafos em conjunto, antes de estudarmos suas partes mais detalhadamente. As razões são: histórica; necessidade eventual de defesa contra más interpretações (observe a harmonização de Tiago e Paulo).
A apreciação que vamos fazer consiste simplesmente em mostrar, por meio de passagens adequadas, que não há nenhuma discordância entre os dois escritores, no que se refere à justificação dita por meio de obras ou de fé. Alguns veem, nestes parágrafos, dificuldades apenas aparentes, mas nem mesmo isto existi. Vejamos a seguinte comparação do pensamento destes dois escritores inspirados:

1 – Para Tiago, a fé é tão fundamental quanto para Paulo. Ele começa e termina a sua mensagem, falando de “fé” e no meio, ainda expõe o seu verdadeiro caráter (1:3,6; 2:1,5; 2:14-26; 5:15). É Tiago quem diz: “rico em fé” (2:5).
2 – Para Paulo, as obras são tão fundamentais como para Tiago (Romanos 2:5-11; Efésios 2:10; II Tessalonicenses 2:17) e, especialmente nas Epístolas Pastorais. Ele reconhece que a fé em si somente, pode ser sem proveito (I coríntios 13:2). É Paulo quem diz: “ricos de obras” (I Timóteo 6:18).
3 – comparando os capítulos 3 e 4 de Romanos, com o presente trecho da carta de Tiago, observamos que neles, as palavras “fé”, “justificar” e “obras” são usadas de maneira diferente:
a) - Fé, no trecho de Paulo é uma viva e verdadeira crença em Deus. Tiago 2:14, 17, 26 falam de uma fé morte, uma crença não motivada pelo Espírito de Deus, porque não leva à realização de obas obras (cf. Efésios 2:10).  
b) - Justificar, em Paulo, significa absolver o pecador, quando ele crê no Deus santo e misericordioso. Em Tiago significa “comprovar” ou “demostrar que é justo” diante de Deus e dos homens (demonstrar a fé, por meio das realizações).
c) - As obras, em Paulo, são obras da Lei, vistas como motivo de merecimento para salvação. Em Tiago, são obras resultantes de obediência e do amor. As obras de que Paulo fala são aquelas que vêm antes da fé; as de que fala Tiago são aquelas produzidas pela fé.
d) - As palavras de Paulo em Romanos 2:13 e Gálatas 5:6 são exatamente o ensino de Tiago.

Além dessa harmonia que acabamos de observar entre os ensinos de Tiago e de Paulo devemos notar que o Novo Testamento dá muita ênfase ao procedimento do cristão. João Batista já falava desta importância na sua pregação (Mateus 3:8; Lucas 3:8), dizendo da necessidade de produzir frutos dignos do arrependimento, isto é, que a realidade do arrependimento só poderia ser posta em evidência pelo bom procedimento, isto é, pelas boas ações. Em Mateus 5:16, Jesus ensina que as boas obras do cristão devem ser de tal ordem que chamem a atenção dos homens para que eles glorifiquem a Deus por causa delas. Em Mateus 7:15-21, Jesus estabelece a diferença entre o homem mau e o homem bom, pelo julgamento das obras de cada um.
Resumindo, o que a Bíblia mostra por meio dos escritos de Tiago e Paulo são as duas faces de uma mesma moeda. São ensinos que se complementam, para mostrar que deve existir um perfeito equilíbrio da fé para com Deus e do relacionamento para com os homens. Enfim, a fé que temos em Deus só pode ser posta em evidencia diante dos outros homens, se tivermos um procedimento condizente, cheio de frutos, cheios de boas obras, cheio de realizações.
A segunda metade do parágrafo anterior, até o V.13, tratou da conduta cristã de um ponto de vista que relaciona o amor com a misericórdia. O que concluímos imediatamente daquele trecho é que o amor deve conduzir o cristão indubitavelmente à misericórdia. Quem não tem misericórdia não pode alegar que tem amor. Da mesma maneira, no presente parágrafo, vamos verificar que há idêntica relação entra a fé e o amor. Não é possível separar a fé do amor, sendo igualmente correto dizer: “Ninguém pode alegar que tem fé, se não tiver amor”.
O modo como estão construídas estas frases do V.14 são muito importantes para a sua interpretação. Notemos, inicialmente, que a Bíblia afirma o seguinte: “Se alguém disser que tem fé...”, não está falando de alguém que tem fé e não tem obras, mas de alguém que alega ter fé e não tem obras.
As duas perguntas levantadas no V.14 são feitas com o propósito de receber obrigatoriamente uma resposta negativa. Assim, à primeira delas: “...qual é o proveito?”, cabe a resposta: “nenhum”. Isto significa ser inútil essa fé que alguns dizem ter, se eles não têm obras. Em outras palavras, não adiante alguém dizer que tem fé, se não está produzindo, se não está realizando nada, como resultado dessa fé pretensa. A segunda pergunta, que contrasta este tipo de fé com a salvação, exige resposta negativa. Em Mateus 7:21, Jesus ensina: “Nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que estás nos seus (Mateus 25:45). Esta última pergunta indica assim o desfecho do assunto: A salvação está direta e positivamente relacionada com a fé que produz realização, ou seja, a fé que atua no sentido de produzir a obra cristã.
Nos Vs. 15 e 16 temos um exemplo muito concreto, embora não seja necessariamente real, de fé que não leva a nenhuma ação. É bom lembrar que este exemplo apelava diretamente para a consciência dos leitores da Carta. De fato, essa espécie de compaixão que leva a prestar auxílio ao necessitado, dar esmolas, mais especificamente, era para os judeus muito significativa. Eles chegavam mesmo a pensar que essa atitude lhes garantia perdão de pecados. Na ilustração presente, porém, Tiago quer mostrar que a fé pretextada não levou a nenhum resultado prático. Se algum dos irmão vê outro irmão que, na realidade está sofrendo necessidades as mais primarias para a vida, como seja a necessidade de roupa ou de alimento, não poderá dizer simplesmente “até logo, vá com Deus, coma bem e ponha roupa de frio”, sem contudo lhe prestar socorro. A pergunta “qual é o proveito disso?” tem dois aspectos: Primeiro, para o necessitado: o que adianta despedi-lo com aquelas recomendações, se ele mesmo não consegue resolver os seu problemas?  Segundo, para o que o despediu: o que adianta mandá-lo embora, sem ter feito alguma cosa pelo irmão? Pessoas que agem dessa maneira estão tentando aparentar uma fé que elas não têm.
Na ilustração que acabamos de estudar, vimos um exemplo de palavras mortas, que não são capazes de produzir qualquer efeito, para melhorar a condição das pessoas necessitadas. Antes elas são capazes de ter piorada a sua situação, pelo mau trato que isto representa. Do que resultaram essas palavras mortas? Será de uma fé operante, de uma fé viva que leva um irmão a fazer o que pode e até mais do que isso por outro irmão? Absolutamente não. Elas resultaram de uma fé morta, morta por si só, uma vez que não traz no seu arcabouço os elementos vitais que são a misericórdia, a compaixão e o amor ao próximo. Esse tipo de fé é morto até às raízes, pois não está plantado em Deus. Por isso, ela não pode reproduzir a compaixão que Deus nos mostrou por meio de Jesus Cristo. Quando a fé é desta qualidade, ela não pode ser chamada fé. Esta é a conclusão do V.17.

V.18 - Mas alguém dirá: Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me essa tua fé sem
          as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé.
V.19 - Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios creem e tremem.
V.20 - Queres, pois, ficar certo, ó homem insensato, de que a fé sem as obras é
          inoperante?
V.21 - Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu
          sobre o altar o próprio filho, Isaque?
V.22 - Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas
          obras que a fé se consumou,

V.23 - e se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe
          foi imputado para justiça; e: Foi chamado amigo de Deus.
V.24 - Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente.
V.25 - De igual modo, não foi também justificada por obras a meretriz Raabe,
          quando acolheu os emissários e os fez partir por outro caminho?
V.26 - Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem
          obras é morta.

Neste trecho, como sugere o V.18 Tiago passa a mostrar os resultados da fé. É claro que a fé só poderá ser evidenciada por meio das obras, dos trabalhos que por ela possam ser realizados. Em síntese, isto é o que foi introduzido desde o V.14 até o V.17. Agora porém, a tese é reforçada com os argumentos dos Vs.18 e 19, e acompanhada de exemplos bíblicos que a comprovam nos Vs.20 a 26.
O V.18 pode ser estudado de pontos de vista diferentes, conforme consideremos quem é este “alguém” que nele aparece. A maneira mais pratica é considerar que ele é um interlocutor que está na mesma posição de Tiago, o escritor da carta. Ele argumenta com uma outra pessoa que afirma ter fé somente. Por isso pede que essa pessoa lhe mostre a sua fé sem obras, enquanto ele apresenta as suas obras para lhe mostrar a sua fé. Isto significa que é por meio das realizações que a fé pode ser vista. Como se percebe no V.18, não existe a preocupação de separar a fé das obras, como pode parecer. Pelo contrário, o intuito é mostrar que a mesma pessoa deve ter os dois requisitos, tanto de fé, como das obras.
Muitos creem que a fé só é posta em evidência, quando pedimos algo a Deus, e ele atende. Alguns chegam mesmo a pensar em fé, como sendo a capacidade de colocar Deus a seu serviço pessoal. Mas aqui, aprendemos que a fé será posta em evidencia, pelo que fazemos.
O V.19 está bem relacionado com a questão da fé. Refere-se à doutrina da unicidade da Divindade. Crer na existência de um único Deus verdadeiro era o princípio fundamental para a fé dos judeus (Deuteronômio 6:4). A própria Bíblia está dizendo que é bom crer assim, mas explica logo que só isso não basta para levar a resultado positivo e, especialmente no que diz respeito à salvação. O caso dos demônios é dado como exemplo de seres que estão perdidos, apesar de conhecerem essa verdade a respeito de Deus. O tipo de obras que eles fazem é conhecido de todos nós.
A pergunta levantada no V.20 abre as portas para o que Tiago pretende fazer: provar por meio de exemplos bíblicos que a fé sem obras é inoperante. Inoperante significa incapaz de operar, que não é eficaz ou que não produz. Neste contexto significa ser inoperante no sentido da salvação (V.14). Em Mateus 12:36 o mesmo vocábulo (argë, no Grego), traduzido aqui por inoperante, é usado por Jesus, para referir-se às palavras frívolas, que não produzem nada, das quais os homens terão que dar conta no dia do juízo. Nesta passagem, a Bíblia chama de insensato todo homem destituído de compreensão espiritual, a ponto de não conseguir entender que a fé sem resultados práticos é fingida.
No trecho entre os Vs.21 e 23 são retratados dois períodos diferentes da vida de Abraão. O primeiro, quando ele não tinha filhos ainda, nem Ismael e nem Isaque. Ele já era velho, como também sua mulher. Mas Deus lhe prometeu, assim mesmo, uma descendência tão numerosa como as estrelas do céu. Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça. Este episódio é referido por Paulo em Romanos 4:3 e Gálatas 3:6. Entretanto, o ponto de destaque de Tiago não é exatamente este acontecimento do início da vida de obediência de Abraão, mas, sim, algo que sucedeu cerca de trinta anos mais tarde, quando Isaque já era um rapaz. Trata-se do sacrifício desse filho, o que ele se prontificou a fazer, em obediência à vontade de Deus, atitude que resultou da sua fé (Genesis 22).
Assim, percebemos que a fé que Abraão teve desde o início, quando Deus lhe imputou para justiça, era uma fé verdadeira. Ela foi demostrada numa prova real. Que seria da descendência de Abraão sem Isaque? No entanto, Abraão cria em Deus. Ele podia ainda agora, trinta anos depois, mostrar, provar, com que tipo de fé havia sido justificado. Portanto a fé operava juntamente com as suas obras. Isto não é o que se verifica naqueles que simplesmente afirmam ter fé, mas são incapazes de comprová-la por meio de suas realizações. A qualificação de Abraão como “nosso pai” é extensiva a nós também que não somos judeus, mas temos o mesmo tipo de fé que ele teve (Gálatas 3:16,29).
Mais um argumento que Tiago retira das Escrituras para patentear a justiça de Abraão é a afirmação bíblica de que ele foi chamado “amigo de Deus”            (II crônicas 20:7; Isaías 41:8). O significado desta expressão parece ser que Deus não esconderia de Abraão o que Ele pretendia fazer, isto é, o Seu propósito (Gênesis 18:17,19; cf. João 15:15). De fato, Abraão participou do Eterno Propósito de Deus para com a humanidade, e teve o prazer de ver o dia do Messias (João 8:56). Isto pode referir-se a Gênesis 12:3 ou a Gênesis 15:12ss.
A respeito da justificação de Abraão por causa da sua fé verdadeira, devemos esclarecer que foi Deus quem lhe imputou a fé para a justiça. Isto significa que Abraão não conseguiu por si mesmo a justificação através do que ele fez em decorrência da fé. Foi Deus quem tomou a iniciativa de justifica-lo, mediante esses fatos. “Imputar” significa considerar como sendo de alguém, alguma cousa que não lhe pertence.
O V.24 indica que esta história de Abraão relatada por Tiago mostra um fato bastante convincente para provar que a fé é uma reação prática à iniciativa divina; é uma resposta a um chamado do céu, e o chamado é sempre um apelo a obediência. Portanto, obediência, expressa em ação é o resultado imediato e inevitável da fé.
Devemos notar especialmente, neste versículo, que ele trata da justificação generalizada a qualquer pessoa, com um esclarecimento feito pela expressão “não por fé somente”. Assim, para nós cristãos, desde o momento em que somos justificados pela fé, a vida passa a seguir um novo padrão representado pelo binômio “fé – realização”, “fé – trabalho cristão” ou “fé – obras cristãs”.
O caso de Abraão é suficiente para concluir a argumentação de Tiago. Mas ele quer insistir ainda, no V.25, na veracidade do que está falando. Por isso ele apresenta o exemplo de uma mulher gentia, além disso, prostituta e, portanto, muito longe de ser pessoa justa nestas condições. No entanto ela creu em Deus (Josué 2:8-11) e não teve dúvidas em auxiliar os emissários de Josué. Mediante essa fé verdadeira e comprovada, ela recebeu justificação, sendo salva da destruição de Jericó, passando a viver e a fazer parte do povo de Deus (Josué 6:25). Raabe foi ancestral de Boás que se casou com Rute. Estes tiveram um filho chamado Obede, que foi avô de Davi. Raabe, tendo sido justificada, veio a tornar-se uma das ascendentes do Salvador (Mateus 1:5-6) e tronco da família Messiânica.
O V.26 é a conclusão lógica do raciocínio de todo este trecho que teve início com o V.14. O exemplo do corpo sem espírito induz a pensar de modo bem real e natural que uma fé incapaz de resultar em trabalho cristão nem merece ser chamada de fé, porque é morta (cf. V.17).