segunda-feira, 23 de março de 2015

ANÁLISE DO TEXTO CAPÍTULO 1 DA CARTA DE TIAGO

ANÁLISE DO TEXTO CAPÍTULO 1



V.1 – Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que se
         encontram na Dispersão, saudações.

No estudo introdutório já vimos muitas cousas a respeito do autor da carta e dos destinatários. Por isso vamos acrescentar apenas mais algumas ideias que podemos descobrir no próprio texto, quando analisamos este versículo.
“Servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” é a expressão que o autor usa para identificar-se aos destinatários. “Servo” é a tradução da palavra “doulos” do Grego, que significa mais exatamente, escravo. Com exceção de Judas, Tiago é o único escritor do novo testamento que usa simplesmente esta palavra, para descrê-se a si próprio. Paulo, por exemplo, emprega uma expressão combinada “servo e apóstolo” em Romanos 1:1 e Filipenses 1:1 (comparar com Marcos 9:35; 10:44,45).
Apresentar-se como “escravo” tem várias implicações:
a) Obediência: visto que o escravo é propriedade integral do seu senhor (inclusive a própria vida) ele reconhece não ter direitos pessoais e não ter outra alternativa a escolher, que não seja executar a ordem do seu senhor (Lucas 6:46).
b) Humildade: o escravo aceita a condição de inteira submissão ao seu senhor. Isto significa uma adesão voluntária de si mesmo a Ele.
c) Fidelidade: no cumprimento do seu dever, o escravo não pensa em procurar vantagens pessoais, mas cuida unicamente dos interesses e negócios do seu senhor. Os seus próprios interesses ficam para trás a fim de servir única, exclusiva e fielmente ao seu senhor.
Esta descrição das circunstancias de ser escravo é bastante significativa, quando pensamos que um homem como Tiago, que gozava de elevado prestígio entre os judeus, coloca-se como exemplo de submissão incondicional ao Senhor Jesus Cristo, diante dos seus compatriotas que, ao que se depreende do teor da carta, vinham negligenciando a obediência ao Evangelho na sua vida diária. Ele demonstra reconhecer em Cristo, a mesma autoridade de Deus. Mas Tiago também não reclama esta condição de escravo para si mesmo, sem o merecido orgulho. Os grandes heróis da fé no Velho Testamento são chamados “servos de Deus” ou “escravos de Deus” (Números 14:24; Deuteronômio 9:27; Josué 2:8; I Reis 8:53; Jó 1:8; Isaias 20:3; Jeremias 7:25; Daniel 9:1; Amós 3:7; Zacarias 1:6; Malaquias 4:4). Este fato era do conhecimento de todo judeu religioso que tinha contato com o Velho Testamento. Agora, Tiago mostra a sua condição presente: “escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”. Esta deve ser também a aspiração de todo cristão verdadeiro. Ser escravo de Deus e do Senhor Jesus Cristo é melhor do que ser patrão de todos os homens.
Quanto às “doze tribos que se encontram na Dispersão”, vamos lembrar primeiramente que esta é uma forma de Tiago dirigir-se a todos os judeus a que a carta se destinava. O vocábulo “Dispersão” é tradução da palavra grega “Diáspora”. Este termo era tão conhecido a ponto de ser usado na linguagem técnica, para significar os judeus que viviam fora de Israel. A palavra “Dispersão”, aparece em nossos Bíblias com letra maiúscula e a palavra “Diáspora”, pode ser encontrada em nossos dicionários embora, às vezes, com sentido não exatamente equivalente ao da carta de Tiago.
A Dispersão foi um grande fator positivo na difusão do cristianismo. Vivendo em toda parte do mundo daquela época, os judeus organizavam-se em colônias e criavam as suas sinagogas, em que se dedicavam ao estudo do Velho Testamento e de onde também partia o trabalho da formação de prosélitos entre os gentios da terra. Como se pode ver no estudo dos escritos de Paulo e do livro de Atos, essas sinagogas serviram como ponto de partida para a pregação do Evangelho pelos apóstolos e pelos pregadores cristão no mundo gentio.
Sabemos, do estudo da Bíblia, que houve várias ocasiões em que os israelitas foram dispersos. Em primeiro lugar, as dez tribos do Norte foram erradicadas da Samaria e levadas para a Assíria em cativeiro, de onde nunca mais voltaram (ano 722 A.C.), conferir Oséias 10:14-15; Isaias 20:5-6; II Reis 17:6,23; I Crônicas 5:26. Anteriormente, no reinado de Acabe (874-852 A.C.), muitos israelitas foram para Damasco onde se estabeleceram como comerciantes, montando lá seus bazares (II Reis 20:34).
Em segundo lugar, foram levadas as outras duas tribos do Sul, em 580 A.C. para o cativeiro da Babilônia por Nabucodonosor. Foi lá que se formou a colônia mais importante da Dispersão. Ali deu-se grande desenvolvimento social, cultural, econômico e religiosos dos judeus, a ponto de governarem a província da Mesopotâmia (Barkley – carta de Tiago). Lá foi produzido o famoso Talmud da Babilônia, um comentário da Lei judaica, em sessenta volumes.
A dispersão do Egito, que vinha desde a época de Jeremias, produziu a Septuaginta, tradução do Velho Testamento Hebraico para o Grego. Quando Pompeu tomou Jerusalém em 63 A.C., ele levou consigo muitos judeus cativos para Roma que, mais tarde, foram libertados e passaram a constituir uma colônia na capital do império.
Resumindo, havia judeus principalmente na Dispersão da Babilônia, Síria, Egito e Roma. Veja I Pedro 1:1, para completar este quadro.

V.1 – Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que se
          encontram na Dispersão, saudações.

No cabeçalho da sua carta Tiago usa a expressão “chairen” para saudar os irmãos, expressão que transmite a ideia de “alegre e graciosa saudação”. Este era o cumprimento mais comum usado entre os gregos. Paulo usa a expressão “charis” e “eirene” que significa “graça e paz”.

V.2 – Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações,
V.3 – sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança.
V.4 – Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em           nada deficientes.

Nesta passagem deparamos, ao mesmo tempo, com uma advertência e uma exortação que a Bíblia oferece. Advertência, no sentido de que, na vida cristã, iremos sempre encontrar situações difíceis de resolver. Tais situações não significam apenas aqueles momentos em que passamos por crises de várias espécies (financeira, família, saúde, emprego), mas também e especialmente por aqueles momentos quando somos solicitados a abandonar a fé e a pecar – são as provações. Exortação, no significado genuíno da palavra, ou seja, conforto, ânimo, consolação.  De fato, aqui aprendemos que a provação deve ser para nós, antes, motivo de alegria do que de desespero. A própria palavra alegria usada no V.2 é a mesma traduzida por “saudação” no V.1. O sentido é de saudação alegre ou jubilosa. O verdadeiro significado de provação não é difícil de compreender, pelo próprio sentido de “provar”. Significa testar, fazer passar por uma prova.
Não é sem compensação que o cristão passa por testes de provação. A finalidade é que ele se fortaleça, que se torne cada vez mais resistente, e possa vencer ao se deparar com a possibilidade de pecar. No V.13 lemos que não é Deus quem nos coloca nessa situação de prova. Mas Ele sabe fazer com que tais situações sejam proveitosas para nós. Aqui está o segredo: não pecar e não desistir da vida cristã, para que sejamos cada vez mais fortalecidos e possamos vencer, sempre que formos convidados ao fracasso (Ler I Pedro 4:12-19). Observar o verbo “provar” no V.12.
O V.3 revela o resultado positivo que alcançamos quando sabemos aproveitar os momentos de provação de toda espécie, seja perseguição, desprezo, martírio ou injuria (II Timóteo 3:12), até dos nossos próprios desejos de cobiça interior e das oportunidades, às vezes inesperadas, que nos são oferecidas do exterior. De fato, aproveitar corretamente essas situações significa patentear ou confirmar a nossa fé. O resultado disso será a perseverança (constância ou persistência). Assim, ultrapassando as provações sem pecar, temos a promessa da Palavra de Deus, que adquiriremos, cada vez mais, o desejo de progredir no sentido da perfeição e da integridade espiritual. Isto é o que lemos no V.4. Comparar com Efésios 6:13 e observar a armadura de Deus nos Vs. 14-18, na figura do soldado cristão.
No V.4 aprendemos também que a perseverança que era apenas um resultado ganho como recompensa de vencer a provação (V.3), passa, agora, a ser o verdadeiro elemento motor, aquilo que nos anima a avançar cada vez mais, para nos tornarmos perfeitos, isto é, maduros, experiente, aptos para o trabalho de Deus; íntegros, isto é, capacitados para vencer em todos os pontos envolvidos nessa luta, e em nada deficientes, isto é, sem nenhum ponto fraco, onde haja possibilidade de nossa falha.

V.5 – Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos
          dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida.
V.6 – Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando; pois o que dúvida é semelhante
           à onda do mar, impelida e agitada pelo vento.
V.7 – Não suponha esse homem que alcançará do Senhor alguma coisa;
V.8 – homem de ânimo dobre, inconstante em todos os seus caminhos.

O V.5 está intimamente relacionado com a passagem anterior. Deus é a fonte de sabedoria que nos ensina a maneira correta de enfrentar as adversidades da vida, para vence-las e para saber aplicar a experiência de maneira proveitosa, afim de que tenhamos perseverança. Em outras palavras, Deus é a única fonte da qual podemos receber sabedoria para ultrapassar a provação. Na nossa jornada, como forasteiros aqui, “a inteligência humana bem como a sabedoria do mundo não são, às vezes, somente inadequadas, mas também, definitivamente enganosas” (E. Ferguson – The Letter of James). Nestas circunstâncias, temos que recorrer a Deus porque tal sabedoria é uma dádiva Sua. Ele no-la concede de bom grado, sem exigir recompensa da nossa parte, e mesmo sem levar em consideração os nossos defeitos. Improperar, no V.5 significa criticar, afrontar, censurar com rudeza ou lançar enrosco.
A sabedoria aqui referida não é o simples conhecimento teórico de alguns fatos, o ato simples de tomar conhecimento de alguma cosa, mas a parte prática do conhecimento, isto é, a aplicação em nossa vida dos princípios aprendidos. Portanto, não se trata do conhecimento intelectual tão procurado pelos gregos. Tiago, como bom mestre da aplicação do cristianismo à vida diária – o que não causa estranheza se lembrarmos que ele cresceu ao lado de Cristo, e que era homem de severa formação religiosa judaica no sentido de obediência à Lei, estava apto a considera a sabedoria como algo a ser utilizado de maneira prática. Ropes define tal sabedoria como “a suprema e divina qualidade da alma, mediante a qual o homem conhece e pratica a justiça”. Comparar com Salomão, I Reis 3:7-10, e o caráter da sabedoria que ele pediu a Deus.
Os Vs. 6-8 instruem na maneira de pedir a Deus essa dádiva da sabedoria: devemos estar conscientes do desejo que Deus tem de no-la outorgar, como também do seu poder para isso. Mas não pode haver nós sombra de dúvida. Barkley expõe seu pensamento sobre esta questão nas seguintes palavras: “Se quisermos usar corretamente as experiências da vida para formar um caráter genuíno, temos que pedir sabedoria a Deus. E quando pedirmos teremos que lembrar a absoluta generosidade d’Ele, e ter a certeza de estarmos pedindo, na confiança de que receberemos aquilo que Deus sabe que é bom e justo que tenhamos”.

 V.9 – O irmão, porém, de condição humilde glorie-se na sua dignidade,
V.10 – e o rico, na sua insignificância, porque ele passará como a flor da erva.
V.11 – Porque o sol se levanta com seu ardente calor, e a erva seca, e a sua flor
          cai, e desaparece a formosura do seu aspecto; assim também se murchará o
          rico em seus caminhos.

Nesta passagem encontramos um aspecto da aplicação pratica da sabedoria, que aprendemos nas passagens anteriores. O Evangelho é o nivelador dos homens diante de Deus. Na fraternidade e comunhão cristãs não há lugar para diferença de classe econômica ou social. Aqueles que tentam servir a Deus e às riquezas têm um traço característico: eles fazem distinção entre um homem humilde e um homem poderoso. O cristão, seja qual for a sua condição, deve usar a sabedoria de Deus para considerar-se a si mesmo e os outros membros da igreja no V.9 aprendemos que o irmão de condição humilde deve saber que ele tem dignidade diante de Deus. No V.10 aprendemos que o irmão rico deve saber que a riqueza em si não tem significado diante de Deus, e que o cristianismo lhe ensina um novo sentido de humildade. A palavra “insignificância” do V.10, e a expressão humilde do V.9 são a mesma no grego. Assim, pela sabedoria de Deus, tanto ricos como pobres podem conviver fraternalmente na igreja, com uma nova maneira de pensar tanto de si, como dos outros, em face das condições de cada um. No V.11 encontramos uma advertência para que não nos gloriemos nas riquezas. Os ricos não devem confiar no seu próprio poder. Antes, reconheçam a sua fraqueza, e confiem no poder de Deus. Só Ele pode conceder bens que não se extinguem. Comparar V.11 com Marcos 4:18-19. Em resumo, temos neste trecho, uma aplicação da sabedoria do Evangelho à vida social, a fim de que cada um se glorie na sua humildade, isto é, na sua submissão a Deus. Nos próximos capítulos Tiago volta a falar a respeito da riqueza, e também do tratamento aos ricos e pobres. Então teremos um quadro mais completo de ensinos sobre o assunto.
Como relacionar este parágrafo com o problema da provação? É que Tiago escreve para uma sociedade em que havia grandes diferenças sociais. Então ele adverte os pobres a não se deixarem tomar do desejo de ficar ricos, sabendo que eles têm sua dignidade assegurada em Cristo. Os ricos não devem deixar-se iludir pela sua posição na sociedade terrena, sabendo que a riqueza nada lhes pode assegurar. Antes, devem confiar em Deus e ser humildes diante d’Ele (I Timóteo 6:7-10).


V.12 - Bem-aventurado o homem que suporta, com perseverança, a provação;
          porque, depois de ter sido aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o
          Senhor prometeu aos que o amam.

Com relação a este versículo, queremos notar apenas a expressão “coroa da vida” usada em Tiago, antes dos escritos de Pedro, Paulo e do Apocalipse. Era uma ideia já conhecida do Velho Testamento (Salmo 21:3; Provérbios 4:9; Zacarias 6:11-14). Como judeu, certamente Tiago não está pensando nas coroas de louro oferecidas pelos gregos aos vencedores das provas esportivas. De qualquer maneira, ele está se referindo à recompensa da vida eterna que o Senhor prometeu aos que O amam.

V.13 - Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não
           pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta.
V.14 - Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando está o
           atrai e seduz.
V15 - Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado,
           uma vez consumado, gera a morte.

Antes de entrar no estudo destes versículos vamos meditar um pouco a respeito da luta que se trava no íntimo de cada um de nós, diante de certas circunstâncias. É a luta entre o bem e o mal, expressa por meio de várias figuras: Paulo fala do conflito entre o homem interior e o homem exterior; ele fala também da luta entre o velho homem e o novo homem, além da luta do espírito que milita contra a carne e vice-versa. Esta dissenção no interior do homem já era conhecida há longo tempo pelos judeus. Muitos tentaram explicar qual era a origem dessas tendências, a tendência para o mal e a tendência para o bem. Nunca porém, se chegou a um resultado satisfatório. Alguns diziam que a tendência para o mal foi colocada no homem por Satanás, outros por anjos decaídos e outros afirmavam que o homem a colocou em si mesmo. Alguns rabinos chegaram a afirmar que a tendência para o mal foi colocada no homem pelo próprio Deus, ao lado da tendência para o bem.
 Se isto fosse verdade chegaríamos a conclusões absurdas, como por exemplo, que Deus seria responsável pelo pecado. De qualquer modo, vemos que a culpa do pecado tendia, quase sempre a ser jogada sobre outros, sem que o homem assumisse a responsabilidade. Muitos judeus afirmavam ainda, naquela época de Tiago, que tentações vinham de Deus. Este era o modo de pensar da tradição rabínica, que influenciava o pensamento do povo em geral, mas a Bíblia mostrava já no Velho Testamento que o desejo do mal está no próprio homem (Genesis 4:7; Eclesiastes 7:29; Provérbios 10:10; 14:01; 19:03).
No V.13 vemos como a Bíblia ensina que Deus não é o criador das situações que nos põem à prova. O versículo explica também, por quê Deus não tenta a ninguém. É porque isto não faz parte do seu caráter.
No V.14 aprendemos que há dentro de nós o desejo mau de pecar. Não obstante, esse desejo pode ser reprimido com as forças que Deus põe à nossa disposição (I Coríntios 10:13). Alimentar o desejo de pecar é o mesmo que deixar-se atrair e seduzir pela própria cobiça. Reprimir o desejo de pecar é evitar que os nossos pensamentos divaguem por campos indesejáveis, é desviar nossos olhos de cenas impróprias, é evitar que nossos passos nos levem a lugares proibidos etc. Podemos ocupar-nos das coisas boas, de tal modo que os nossos corpos e as nossas mentes estejam sempre a serviço de Cristo.
O V.15 ensina que o desejo não reprimido, pelo contrário, alimentado, leva à consumação do ato de pecar. Finalmente, a consequência do pecado consumado é a morte. Percebemos, no final deste trecho, o contraste com o início do mesmo, quando comparamos a ideia da “morte espiritual” com a “coroa da vida” eterna. Embora não seja mencionado o nome de Satanás nessa passagem, sabemos que ele está por de trás desse processo, fomentando a cobiça e promovendo a sedução. Percebemos ainda que a origem do pecado está no desejo de satisfazer-se a si mesmo, deixando de lado a vontade de Deus.

V.16 – Não vos enganeis, meus amados irmãos.
V.17 – Toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das
            luzes, em quem não pode existir variação ou sombra de mudança.
V.18 – Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que
            fôssemos como que primícias das suas criaturas.

Bem ao contrário do que alguns ou muitos pensam, como sugere o V.13, o que podemos esperar de Deus são as “boas dádivas e os dons perfeitos”. Deus é, portanto a fonte suprema de todo o bem. Tiago afirma isto com carinho e ternura, utilizando a expressão “amados”, que aparece três vezes em toda a carta ao lado da palavra “irmãos”, usada sozinha outras doze vezes. Dádiva e dom têm ambos, o mesmo sentido de algo oferecido como presente. A expressão “toda boa... dom perfeito” parece poética, ou uma frase bem conhecida deles.
No V.17, ao descrever as características de Deus, são usadas duas expressões técnicas da astronomia: “variação” (parallagë – no Grego) e “sombra de mudança” (tropës – no Grego). Deus criou todas as cousas no céu e na Terra, com suas propriedades variáveis conforme a necessidade e ao propósito a que se destinam (o sol, a lua, as estrelas etc.). Mas, Ele mesmo é imutável e o Seu propósito para com o homem é inteiramente bom.
O V.18 revela que o Seu supremo desejo é que o homem seja gerado pela Sua Palavra, o Evangelho, para que ele se torne a cousa mais importante de toda a criação. Este pensamento faz-nos lembrar que toda a criação material de Deus, do universo todo e do próprio homem, não é para Ele tão importante quanto a criação do homem espiritual, feitura dele, por meio de Jesus Cristo (I Coríntios 15:45-49; Efésios 2:10).

V.19 – Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto
          para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.
V.20 – Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus.
V.21 – Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei,
          com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar
          a vossa alma.

Há uma conexão desta passagem com a anterior, mais diretamente com o V.18 porque os leitores sabiam que o novo nascimento pela Palavra devia conduzi-los a uma nova vida. Aqui estão algumas características dessa nova vida:
1 – Os renascidos devem obedecer a Deus, sendo “prontos para ouvir” Sua voz no Evangelho e Seus apelos com boa consciência.
2 – Devem ser “tardios para falar”, tanto no que respeita a dar apressadamente uma opinião arrogante sobre qualquer questão, como falar do Evangelho sem ter real conhecimento do assunto.
3 – Devem ser “tardios para irar-se”, porque a mente transtornada pela ira não pode receber a Palavra de Deus, pois, estará sempre distraída com pensamentos de ressentimento, raiva e vingança.
 O V.20 tem certa dificuldade de interpretação, mas há duas ideias possíveis e fáceis:
1 – O homem que tem ira não pode agir de acordo com a justiça de Deus.
2 – O homem que tem ira não pode servir de exemplo da justiça de Deus, para aqueles que o veem do lado exterior, segundo a justiça do mundo.
Em ambos os casos encontramos um obstáculo para a difusão do Evangelho.
No V.21 vamos encontrar uma figura interessante para descrever a atitude do homem renascido, regenerado pela Palavra da Verdade, diante de certas características antigas suas. Ele deve “despojar-se”, literalmente “despir-se”, tirar a roupa suja para ficar livre de manchas da imundícia de que estava impregnada, isto é, das “impurezas e acúmulo de maldade”.
Ao mesmo tempo ele deve dar livre entrada à Palavra de Deus. De fato não há maior obstáculo para o crescimento espiritual, do que os vestígios que são trazidos pelo cristão, da sua vida anterior. Por outro lado, a Palavra de Deus recebida com mansidão e serenidade, sem arroubos de emoção, mas com reflexão e meditação, é poderosa para limpar a alma e salvá-la.

V.22 – Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes,
            enganando-vos a vós mesmos.
V.23 – Porque, se alguém é ouvinte da palavra e não praticante, assemelha-se ao
            homem que contempla, num espelho, o seu rosto natural;
 V.24 – pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo se esquece de como
             era a sua aparência.

Quanta verdade há na inspiração do Espírito Santo! Quanta sabedoria mostra esta passagem. Muitas pessoas passam longos anos da vida frequentando assiduamente os trabalhos da igreja, suportando os sermões e as leituras bíblicas e, às vezes lendo e estudando em casa, pensando que essas obras o tornam cristão. Essas pessoas fazem-se de esquecidas, porque sabem que não basta ler e ouvir. Se não aplicarem em suas vidas o que aprendem, estão-se enganando a si mesmas. Elas sabem que não acolhem a Palavra que é poderosa para salvar, enquanto ficam apenas ouvindo. Elas sabem como devem ser, mas não são como devem. O contato com a palavra revela a essas pessoas que o seu estado é tão incerto como é indefinida a imagem do seu rosto, quando olham num espelho embaçado (os espelhos antigos eram de metal polido e a imagem era vista muito precariamente). Mas, passado aquele momento, não se lembram mais da Palavra.
V.25 – Mas aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e
          nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse
          será bem-aventurado no que realizar.

Aqui estamos diante de uma passagem que causava repulsa a Lutero, porque ele não gostava da palavra Lei. Também ele acusava Tiago de falar “tanto” das obras. A verdade é que os preceitos cristãos são preceitos éticos que precisam ser postos em prática na nossa vida a todo instante. É necessário fazer tudo o que o Mestre mandou.

O V.25 descreve maravilhosamente a Lei de Cristo de duas maneiras:
1 – Lei Perfeita:
a)   – porque está de acordo com a vontade de Deus e foi dada por Ele, através de seu Filho, para que fosse obedecida.
b)  – porque o princípio fundamental é o amor, o maior de todos os dons, amor do tipo que Deus tem pelos homens, de entregar o Seu próprio Filho por eles. Não há nisso nenhuma deficiência, e nada a ser corrigido.
c)   – porque faz com que qualquer indivíduo sem objetivos na vida, que passe a obedecê-la, encontre o seu propósito dentro da humanidade, propósito para o qual Deus o criou, e que ele poderá cumprir completamente pela obediência.
2 – Lei da Liberdade:
     Não há outra maneira de nos tornarmos livres, a não ser pela submissão à Lei de Deus, isto é, ao Evangelho de Cristo. Qualquer outro tipo de compromisso trará limitações. O compromisso com o pecado torna o homem escravo, sem esperanças. Mas a Verdade pode transportá-lo para o elevado plano celestial, onde ele encontrará paz completa (cf João 8:32).
O final do V.25 promete recompensa de Deus em todas as obras que realizarmos, desde que consideremos atentamente na Lei de Cristo.

V.26 – Se alguém supõe ser religioso, deixando de refrear a língua, antes,
          enganando o próprio coração, a sua religião é vã.
V.27 – A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar
          os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se
          incontaminado do mundo.

Estes versículos podem ser mais bem compreendidos, se considerarmos que a palavra original traduzida por “religião” (threskéia, no Grego) significa também “culto” ou o ritual que acompanhava a adoração, no seu caráter exterior. Assim, podemos entender que Tiago chama a atenção para o fato de que prestamos melhor culto a Deus, quando auxiliamos os pobres e procuramos as virtudes pessoais, do que quando queremos expressar a nossa religiosidade por meio de aparência exterior de adoração. Esta é uma aplicação prática dos princípios da ética cristã na vida do crente.
No Velho Testamento os profetas pregaram muitas vezes contra a adoração mecânica do povo, que negligenciava os aspectos da verdadeira devoção (Zacarias 7:6-10; Miquéias 6:6-8). Este é um bom ponto para a igreja meditar sempre, no desemprenho dos seus trabalhos. Muitas vezes devemos parar e perguntar a nós mesmos: “Estamos adorando verdadeiramente a Deus, ou estamos apenas querendo aparentar que o adoramos?”

CAPITULO 2

CAPITULO 2

V.1 – Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da
        glória, em acepção de pessoas.
V.2 – Se, portanto, entrar na vossa sinagoga algum homem com anéis de ouro nos
        dedos, em trajos de luxo, e entrar também algum pobre andrajoso,
V.3 – e tratardes com deferência o que tem os trajos de luxo e lhe disserdes: Tu,
        assenta-te aqui em lugar de honra; e disserdes ao pobre: Tu, fica ali em pé
        ou assenta-te aqui abaixo do estrado dos meus pés,
V.4 – não fizestes distinção entre vós mesmos e não vos tornastes juízes tomados
        de perversos pensamentos?
V.5 – Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que para o mundo são
        pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos
        que o amam?
V.6 – Entretanto, vós outros menosprezastes o pobre. Não são os ricos que vos
        oprimem e não são eles que vos arrastam para tribunais?
V.7 – Não são eles os que blasfemam o bom nome que sobre vós foi invocado?

No final do primeiro capitulo Tiago nos exorta a considerar com atenção o Evangelho, que ele chama de Lei Perfeita, Lei da Liberdade. Em seguida ele ensina a maneira correta de agradar a Deus, por meio de uma vida virtuosa e útil. Agora, nestes versículos, vamos encontrar a descrição da atitude oposta, uma atitude negativa, que não pode ser adotada pelo cristão, porque ela constitui uma verdadeira perversão do espírito de justiça, de piedade e de adoração a Deus. Trata-se da acepção de pessoas. Esta atitude consiste de tratar alguém com especial deferência ou com lisonjas de modo servil porque esse alguém é considerado pessoa importante, influente, famosa ou poderosa. Agir dessa maneira é ser imparcial ou injusto. A Bíblia sempre condenou tal atitude. Com efeito, desde o início, quando a Lei de Deus foi dada à nação de Israel, os juízes foram intimados a não fazer juízo pela aparência (Deuteronômio 1:17, cf. I Reis 3:9-10).
Nos dias do ministério de Jesus, os judeus reconheceram que ele não fazia distinção de pessoas, isto é, Ele não as julgava pela aparência exterior (Mateus 22:16; Marcos 12:14; Lucas 20:21).
A expressão “acepção de pessoas” é a tradução de uma palavra grega que traz a ideia de “favorecer a alguém por causa do seu aspecto exterior”. Esta ideia já provém do Velho Testamento.
Que relação tem a nossa fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da Glória, com o fato de não podermos fazer acepção de pessoas? Há muita relação:
1 – Jesus nunca fez acepção de pessoas, durante toda a Sua vida. Ele nunca impediu que se achegassem a Ele os pecadores, os publicanos e outras pessoas de condições sociais as mais desprezadas (Mateus 9:10-13).
2 – Ele deixou a glória celeste e Sua condição divina, para tornar-se homem, pobre, e humilde, a ponto de morrer na cruz (Filipenses 2:5-8).
3 – Ele relacionou a Sua morte na cruz, com a glorificação (João 17:1). Paulo mostrou ter compreendido esse fato em Gálatas 6:14. João e Tiago ainda não haviam compreendido isso, quando pediram a Jesus que lhes concedesse assentarem com Ele na Sua glória (Marcos 10:37-40; 15:27).
4 – A morte de Jesus foi a favor de todos os homens, sem distinção (João 3:16).

Portanto, se Jesus, o Senhor da Glória que é objeto da nossa fé não faz acepção de pessoas, nós também, que somos membros do seu corpo, não podemos fazê-lo.
Enquanto o V.1 sugere que entre os leitores da carta havia o problema de acepção de pessoas de um modo geral, os Vs.2 e 3 dão um exemplo bem particular desse problema. Aqui é descrita a figura de um homem rico, trazendo anéis nos dedos e vestindo roupas finas, muito luxuosas. Nele podemos ver o tipo de um homem daquela época, que desejava dar a impressão de ser rico. Sêneca escreve: “nós enfeitamos os dedos com anéis e colocamos pedras em todas as juntas...” Também é descrita a figura de um homem maltrapilho. Mesmo que nenhum seja cristão, na igreja ambos devem ser igualmente bem recebidos. Ao rico não deve ser oferecido um lugar de honra, e nem ao pobre um lugar humilde. Na reunião de cristãos, onde Deus vê todos com imparcialidade todos os outros devem ver cada um, da mesma maneira.
Compreendamos portanto que, na presença de um Senhor glorioso e Santo, nem a riqueza nem a pobreza podem alterar o valor de uma alma.
Do V.4 podemos tirar duas lições importantes quanto ao procedimento errado que foi exemplificado nos Vs. 2 e 3:
1 – Com efeito, a primeira parte, perguntando “não fizestes distinção entre vós mesmos?” ensina que quem faz acepção de pessoas age hipocritamente porque, ao invés de ser fiel a Deus, está servindo também à riqueza, quando distingue o rico do pobre. Esta atitude é própria dos homens de ânimo dobre.
2 – A segunda parte que pergunta: “e não vos tornastes juízes de perversos pensamentos?” ensina que tais homens estão defendendo uma causa injusta para a qual estão munidos de pensamentos perversos.
Nos Vs. 5 e 6 Tiago inicia uma advertência com uma expressão de carinho, como que dando a entender a importância daquilo que ele vai dizer. A advertência é esta: distinção entre pobres e ricos é uma cousa sem sentido, completamente às avessas. É própria de pessoas menos avisadas, de pessoas descuidadas que não dão atenção à palavra de Deus. Vejamos então qual é a ordem correta das cousas, do ponto de vista divino:
1º - “... os que para o mundo são pobres...”, isto é, aqueles que o mundo considera pobres, são exatamente os que Deus escolheu para serem ricos em fé e dons espirituais, ricos em bens que Deus considera verdadeiros. É oportuno observar o que Jesus ensina na parábola do homem avarento em Lucas 12:16-20 e, especialmente, a conclusão no V.21: de nada vale entesourar para si mesmo, o importante é ser rico para Deus. Será que Deus excluiu os ricos da possibilidade dessa escolha? Absolutamente não. Mas é um fato comprovado no decorrer dos tempos, que os pobres têm atendido em primeiro lugar, isto é, em muito maior quantidade, à chamada da palavra de Deus (I Coríntios 1:26-29; Lucas 1:52). Embora Tiago faça esta defesa do pobre na sua Epístola, devemos lembrar que Jesus é o inspirador destes ensinos:
a) - Ao entrar pela primeira vez na sinagoga de Nazaré, a Sua mensagem foi: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar aos pobres...” (Lucas 4:18).
b) - Quando João mandou perguntar a Jesus se, de fato, era Ele o Cristo que havia de vir, Ele os fez retornar para dizerem a João que viram e ouviram o Evangelho sendo pregado aos pobres (Mateus 11:5).
c) - No sermão da montanha Jesus começa com uma bem-aventurança aos humildes de espírito (Mateus 5:3; Lucas 6:20).
2º - Continuando a meditar sobre a ordem das cousas do ponto de vista divino, notamos na segunda parte do V.5 que Deus escolheu “os que para o mundo são pobres...para serem herdeiros do reino que Ele prometeu aos que o amam”. Observemos em 1:9 que a Bíblia exalta os que são humildes durante esta vida. Agora, encontramos nela a promessa do reino futuro também para os pobres. O final do V.5 é especialmente oportuno para lembrar que os pobres não vão receber o reino por serem simplesmente pobres, mas porque os humildes de espírito são os que amam a Deus. A Ele agradou entregar-lhes o seu reino (Lucas 12:32). A iniciativa é da parte de Deus. Não se trata, portanto, de mérito de ser pobre.
O V.6 começa com a conjunção “entretanto”, que estabelece um contraste entre o modo de agir de Deus, descrito no V.5, e o modo de agir dos leitores da carta, descrito na primeira parte do V.6. Entendemos que alguns estavam desprezando aqueles que Deus deseja exaltar, aqueles que Deus deseja salvar. A segunda parte do V.6 mostra ainda um contrassenso: Como é que eles estavam distinguindo com honras especiais, exatamente aqueles que eram os opressores dos humildes? A estas alturas, convém lembrar que, no primeiro século, havia muitos problemas sociais, e a igreja primitiva ressentiu-se deles sob vários aspectos: em primeiro lugar, os ricos dispunham de direitos que nós, hoje, mal podemos compreender. Por exemplo, eles podiam levar ao tribunal um devedor seu que encontrasse na rua, arrastando-o pelo colarinho como que sufocando-o. os pobres eram muito pobres e muito numerosos e, por isso, era comum os ricos lhes emprestarem dinheiro. Muitas vezes eles não podiam restituir o empréstimo, porque mal tinham o que comer. Os ricos por seu lado, costumavam ser de coração duro, e exigiam o pagamento, sem nenhuma consideração. Este problema é mencionado quando Jesus, na parábola do credor incompassivo, apresenta um homem arrastando o seu devedor para o tribunal (Mateus 18:28-30). Pessoas assim certamente existiam na igreja naquela época. Em segundo lugar, devemos lembrar que a igreja, desde o seu nascimento, foi oprimida pelas poderosos. No livro de Atos observamos várias prisões e perseguições dos Apóstolos (Atos 4:1-3; 13:50; 16:19; 19:23-41), bem como a perseguição de cristãos em geral, que encontramos aludidas em várias epistolas, em Atos e no Apocalipse. Estas eram, portanto, algumas das dificuldades existentes na igreja, quando Tiago escrevia a sua epístola.
É fora de dúvida que o V.7 refere-se ao nome de Cristo que era e ainda é invocado sobre o cristão na hora do batismo, quando o discípulo passa a levar o nome do mestre.
Agora vejamos a razão mais lógica das censuras contra a exaltação dos poderosos que blasfemavam o próprio nome de Cristo. Eis alguns dos motivos que os levavam a agir assim:
1 – Quando um escravo se tornava cristão, já não mais prestava honras ao seu dono por causa do seu status; ele adquiria também liberdade espiritual (I Coríntios 7:22); ele passava a proceder com honestidade em todos os seus trabalhos, mesmo quando o seu dono exigia algo desonesto; ele passava a adorar a Deus e ia congregar com o Seu povo no primeiro dia da semana. Tudo isso contrariava os patrões de um modo geral.
2 – Além disso a pregação do evangelho sempre contrariou os interesses do mundo. Assim, os ourives de Éfeso revoltaram-se contra Paulo (Atos 19:23). Em Tessalônica Paulo e os seus companheiros foram recebidos como aqueles que transtornavam o mundo (Atos 17:6).
Por razões como estas, o nome de Cristo era blasfemado.

V.8 - Se vós, contudo, observais a lei régia segundo a Escritura: Amarás o teu
        próximo como a ti mesmo, fazeis bem;
V.9 - se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo arguídos
        pela lei como transgressores.
V.10 - Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna
          culpado de todos.
V.11 - Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás também ordenou: Não
          matarás. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei.

Continuando a expor a verdade do Evangelho para seus leitores, a carta de Tiago apresenta mais uma argumentação bem fundamentada nos princípios em que eles eram instruídos, isto é, na Lei, no Velho Testamento, chamada aqui Escritura. Lembremos que o Novo Testamento ainda não está escrito. Talvez estivesse começando com esta carta de Tiago.
A mensagem fundamental deste trecho é a seguinte: “fazer acepção de pessoas é pecar contra o amor ao próximo”. O V.8 ensina que a simples, mas verdadeira observação da própria Lei Regia, “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, levaria a uma atitude acertada em relação ao problema do relacionamento na igreja. O V.9 conclui de modo claro que ao fazer acepção de pessoas, eles estavam transgredindo a própria Lei tão bem conhecida deles. Com respeito à Lei Regia, é bom notar que Deus já a havia dado aos judeus em Levítico 19:18. Eles, porém, tinham a tendência de considerar como próximo, apenas os seus compatriotas judeus. Mas não foi assim que Jesus interpretou esse conceito na parábola do bom samaritano (Lucas 10:29-37). O próximo é qualquer um a quem não devemos recusar auxilio na hora em que for necessário. Jesus fala da importância do amor ao próximo nesse contexto, relacionando-o com a vida eterna (Lucas 10:25-28). Em Marcos 12:32-34, respondendo a um escriba que parece ter compreendido satisfatoriamente a questão, Jesus declarou: “Não estas longe do reino de Deus”.
Observação:
O amor ao próximo está muito ligado ao conceito de “misericórdia”. O significado de misericórdia, por sua vez, não pode ser definido por uma só palavra, porque são muitas as palavras do Hebraico e do Grego traduzidas por misericórdia, e aquelas mesmas palavras têm também o sentido de bondade, benignidade, lealdade, amor constante, fervor, graça imerecida etc. Entretanto há uma relação muito estreita entre a misericórdia e o caso que estamos estudando, da acepção de pessoas. Parece muito provável que Tiago tenha inserido esta lição sobre amor ao próximo no contexto da acepção de pessoas, baseando-se, não só nos ensinos de Jesus, mas também na própria maneira de viver do Mestre. Isto fica evidente quando lemos Mateus 9:10-13. A misericórdia elimina qualquer ideia de acepção de pessoas.
O restante da argumentação feita àqueles leitores em termos da Lei traz para nós uma grande lição: É que não podemos criar pessoalmente um sistema de fé no qual introduzimos aqueles preceitos que nós mesmos escolhemos, embora eles sejam retirados da lei de Deus, ou seja, do Evangelho. Em outras palavras, ninguém está autorizado a criar e a ensinar um Evangelho próprio, formado de uma parte apenas daquilo que Jesus ensinou. E quantas pessoas e seitas há no mundo hoje, que fazem isso. Dentro de nosso próprio meio pode haver pessoas que, em determinados pontos, querem ter o seu próprio modo de pensar e agir, em contradição com a verdade revelada na Bíblia. Este procedimento significa desobediência total. Deus quer homens inteiramente dedicados a Ele, e não em parte.

V.12 - Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão de ser
          julgados pela lei da liberdade.
V.13 - Porque o juízo é sem misericórdia para com aquele que não usou de
          misericórdia. A misericórdia triunfa sobre o juízo.

Este parágrafo é encerrado de maneira muito concisa, com o V.13 que está dividido em duas afirmações bem características dos ensinos de Jesus:

1 – Na parábola do credor incompassivo, Jesus mostra a necessidade de usar a misericórdia, para não ser castigado (Mateus 18:33-35). Em Mateus 7:1 Jesus adverte a não julgar para não ser julgado. Em Mateus 6:15 Ele afirma que quem não perdoar aos homens as suas ofensas, também não será perdoado por Deus. Em Mateus 25:34-40 Jesus ensina que o juízo final será feito à base do uso da misericórdia.
2 – Por outro lado, no Sermão da Montanha, Jesus proclama bem aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia (Mateus 5:7).
Assim, a Lei da Liberdade tem dois princípios: o juízo e a misericórdia. O pecado exige juízo, condenação. A misericórdia triunfa sobre o juízo. Mas, quem decide, é você.

V.14 - Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver
          obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo?
V.15 - Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do
          alimento cotidiano,
V.16 - e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos,
          sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso?
V.17 - Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta.

Desde o início do estudo desta Carta, vimos observando que a Epístola trata essencialmente da aplicação da Sabedoria Divina, isto é, dos princípios do Evangelho à vida do cristão. Quando chegamos a esta parte do capitulo 2, é que atingimos o ponto crucial de toda a mensagem. De fato, aqui se encontra o segredo da vida cristã, isto é, “Todo o procedimento do homem cristão deve estar em estreita dependência da sua fé”.
Este trecho é, às vezes, mal entendido. Para nós, ele não constitui nenhum problema, porque temos recebido suficiente orientação bíblica para interpretá-lo corretamente. Entretanto há razões para que façamos uma breve apreciação destes dois parágrafos em conjunto, antes de estudarmos suas partes mais detalhadamente. As razões são: histórica; necessidade eventual de defesa contra más interpretações (observe a harmonização de Tiago e Paulo).
A apreciação que vamos fazer consiste simplesmente em mostrar, por meio de passagens adequadas, que não há nenhuma discordância entre os dois escritores, no que se refere à justificação dita por meio de obras ou de fé. Alguns veem, nestes parágrafos, dificuldades apenas aparentes, mas nem mesmo isto existi. Vejamos a seguinte comparação do pensamento destes dois escritores inspirados:

1 – Para Tiago, a fé é tão fundamental quanto para Paulo. Ele começa e termina a sua mensagem, falando de “fé” e no meio, ainda expõe o seu verdadeiro caráter (1:3,6; 2:1,5; 2:14-26; 5:15). É Tiago quem diz: “rico em fé” (2:5).
2 – Para Paulo, as obras são tão fundamentais como para Tiago (Romanos 2:5-11; Efésios 2:10; II Tessalonicenses 2:17) e, especialmente nas Epístolas Pastorais. Ele reconhece que a fé em si somente, pode ser sem proveito (I coríntios 13:2). É Paulo quem diz: “ricos de obras” (I Timóteo 6:18).
3 – comparando os capítulos 3 e 4 de Romanos, com o presente trecho da carta de Tiago, observamos que neles, as palavras “fé”, “justificar” e “obras” são usadas de maneira diferente:
a) - Fé, no trecho de Paulo é uma viva e verdadeira crença em Deus. Tiago 2:14, 17, 26 falam de uma fé morte, uma crença não motivada pelo Espírito de Deus, porque não leva à realização de obas obras (cf. Efésios 2:10).  
b) - Justificar, em Paulo, significa absolver o pecador, quando ele crê no Deus santo e misericordioso. Em Tiago significa “comprovar” ou “demostrar que é justo” diante de Deus e dos homens (demonstrar a fé, por meio das realizações).
c) - As obras, em Paulo, são obras da Lei, vistas como motivo de merecimento para salvação. Em Tiago, são obras resultantes de obediência e do amor. As obras de que Paulo fala são aquelas que vêm antes da fé; as de que fala Tiago são aquelas produzidas pela fé.
d) - As palavras de Paulo em Romanos 2:13 e Gálatas 5:6 são exatamente o ensino de Tiago.

Além dessa harmonia que acabamos de observar entre os ensinos de Tiago e de Paulo devemos notar que o Novo Testamento dá muita ênfase ao procedimento do cristão. João Batista já falava desta importância na sua pregação (Mateus 3:8; Lucas 3:8), dizendo da necessidade de produzir frutos dignos do arrependimento, isto é, que a realidade do arrependimento só poderia ser posta em evidência pelo bom procedimento, isto é, pelas boas ações. Em Mateus 5:16, Jesus ensina que as boas obras do cristão devem ser de tal ordem que chamem a atenção dos homens para que eles glorifiquem a Deus por causa delas. Em Mateus 7:15-21, Jesus estabelece a diferença entre o homem mau e o homem bom, pelo julgamento das obras de cada um.
Resumindo, o que a Bíblia mostra por meio dos escritos de Tiago e Paulo são as duas faces de uma mesma moeda. São ensinos que se complementam, para mostrar que deve existir um perfeito equilíbrio da fé para com Deus e do relacionamento para com os homens. Enfim, a fé que temos em Deus só pode ser posta em evidencia diante dos outros homens, se tivermos um procedimento condizente, cheio de frutos, cheios de boas obras, cheio de realizações.
A segunda metade do parágrafo anterior, até o V.13, tratou da conduta cristã de um ponto de vista que relaciona o amor com a misericórdia. O que concluímos imediatamente daquele trecho é que o amor deve conduzir o cristão indubitavelmente à misericórdia. Quem não tem misericórdia não pode alegar que tem amor. Da mesma maneira, no presente parágrafo, vamos verificar que há idêntica relação entra a fé e o amor. Não é possível separar a fé do amor, sendo igualmente correto dizer: “Ninguém pode alegar que tem fé, se não tiver amor”.
O modo como estão construídas estas frases do V.14 são muito importantes para a sua interpretação. Notemos, inicialmente, que a Bíblia afirma o seguinte: “Se alguém disser que tem fé...”, não está falando de alguém que tem fé e não tem obras, mas de alguém que alega ter fé e não tem obras.
As duas perguntas levantadas no V.14 são feitas com o propósito de receber obrigatoriamente uma resposta negativa. Assim, à primeira delas: “...qual é o proveito?”, cabe a resposta: “nenhum”. Isto significa ser inútil essa fé que alguns dizem ter, se eles não têm obras. Em outras palavras, não adiante alguém dizer que tem fé, se não está produzindo, se não está realizando nada, como resultado dessa fé pretensa. A segunda pergunta, que contrasta este tipo de fé com a salvação, exige resposta negativa. Em Mateus 7:21, Jesus ensina: “Nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade do meu Pai que estás nos seus (Mateus 25:45). Esta última pergunta indica assim o desfecho do assunto: A salvação está direta e positivamente relacionada com a fé que produz realização, ou seja, a fé que atua no sentido de produzir a obra cristã.
Nos Vs. 15 e 16 temos um exemplo muito concreto, embora não seja necessariamente real, de fé que não leva a nenhuma ação. É bom lembrar que este exemplo apelava diretamente para a consciência dos leitores da Carta. De fato, essa espécie de compaixão que leva a prestar auxílio ao necessitado, dar esmolas, mais especificamente, era para os judeus muito significativa. Eles chegavam mesmo a pensar que essa atitude lhes garantia perdão de pecados. Na ilustração presente, porém, Tiago quer mostrar que a fé pretextada não levou a nenhum resultado prático. Se algum dos irmão vê outro irmão que, na realidade está sofrendo necessidades as mais primarias para a vida, como seja a necessidade de roupa ou de alimento, não poderá dizer simplesmente “até logo, vá com Deus, coma bem e ponha roupa de frio”, sem contudo lhe prestar socorro. A pergunta “qual é o proveito disso?” tem dois aspectos: Primeiro, para o necessitado: o que adianta despedi-lo com aquelas recomendações, se ele mesmo não consegue resolver os seu problemas?  Segundo, para o que o despediu: o que adianta mandá-lo embora, sem ter feito alguma cosa pelo irmão? Pessoas que agem dessa maneira estão tentando aparentar uma fé que elas não têm.
Na ilustração que acabamos de estudar, vimos um exemplo de palavras mortas, que não são capazes de produzir qualquer efeito, para melhorar a condição das pessoas necessitadas. Antes elas são capazes de ter piorada a sua situação, pelo mau trato que isto representa. Do que resultaram essas palavras mortas? Será de uma fé operante, de uma fé viva que leva um irmão a fazer o que pode e até mais do que isso por outro irmão? Absolutamente não. Elas resultaram de uma fé morta, morta por si só, uma vez que não traz no seu arcabouço os elementos vitais que são a misericórdia, a compaixão e o amor ao próximo. Esse tipo de fé é morto até às raízes, pois não está plantado em Deus. Por isso, ela não pode reproduzir a compaixão que Deus nos mostrou por meio de Jesus Cristo. Quando a fé é desta qualidade, ela não pode ser chamada fé. Esta é a conclusão do V.17.

V.18 - Mas alguém dirá: Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me essa tua fé sem
          as obras, e eu, com as obras, te mostrarei a minha fé.
V.19 - Crês, tu, que Deus é um só? Fazes bem. Até os demônios creem e tremem.
V.20 - Queres, pois, ficar certo, ó homem insensato, de que a fé sem as obras é
          inoperante?
V.21 - Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu
          sobre o altar o próprio filho, Isaque?
V.22 - Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas
          obras que a fé se consumou,

V.23 - e se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe
          foi imputado para justiça; e: Foi chamado amigo de Deus.
V.24 - Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente.
V.25 - De igual modo, não foi também justificada por obras a meretriz Raabe,
          quando acolheu os emissários e os fez partir por outro caminho?
V.26 - Porque, assim como o corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem
          obras é morta.

Neste trecho, como sugere o V.18 Tiago passa a mostrar os resultados da fé. É claro que a fé só poderá ser evidenciada por meio das obras, dos trabalhos que por ela possam ser realizados. Em síntese, isto é o que foi introduzido desde o V.14 até o V.17. Agora porém, a tese é reforçada com os argumentos dos Vs.18 e 19, e acompanhada de exemplos bíblicos que a comprovam nos Vs.20 a 26.
O V.18 pode ser estudado de pontos de vista diferentes, conforme consideremos quem é este “alguém” que nele aparece. A maneira mais pratica é considerar que ele é um interlocutor que está na mesma posição de Tiago, o escritor da carta. Ele argumenta com uma outra pessoa que afirma ter fé somente. Por isso pede que essa pessoa lhe mostre a sua fé sem obras, enquanto ele apresenta as suas obras para lhe mostrar a sua fé. Isto significa que é por meio das realizações que a fé pode ser vista. Como se percebe no V.18, não existe a preocupação de separar a fé das obras, como pode parecer. Pelo contrário, o intuito é mostrar que a mesma pessoa deve ter os dois requisitos, tanto de fé, como das obras.
Muitos creem que a fé só é posta em evidência, quando pedimos algo a Deus, e ele atende. Alguns chegam mesmo a pensar em fé, como sendo a capacidade de colocar Deus a seu serviço pessoal. Mas aqui, aprendemos que a fé será posta em evidencia, pelo que fazemos.
O V.19 está bem relacionado com a questão da fé. Refere-se à doutrina da unicidade da Divindade. Crer na existência de um único Deus verdadeiro era o princípio fundamental para a fé dos judeus (Deuteronômio 6:4). A própria Bíblia está dizendo que é bom crer assim, mas explica logo que só isso não basta para levar a resultado positivo e, especialmente no que diz respeito à salvação. O caso dos demônios é dado como exemplo de seres que estão perdidos, apesar de conhecerem essa verdade a respeito de Deus. O tipo de obras que eles fazem é conhecido de todos nós.
A pergunta levantada no V.20 abre as portas para o que Tiago pretende fazer: provar por meio de exemplos bíblicos que a fé sem obras é inoperante. Inoperante significa incapaz de operar, que não é eficaz ou que não produz. Neste contexto significa ser inoperante no sentido da salvação (V.14). Em Mateus 12:36 o mesmo vocábulo (argë, no Grego), traduzido aqui por inoperante, é usado por Jesus, para referir-se às palavras frívolas, que não produzem nada, das quais os homens terão que dar conta no dia do juízo. Nesta passagem, a Bíblia chama de insensato todo homem destituído de compreensão espiritual, a ponto de não conseguir entender que a fé sem resultados práticos é fingida.
No trecho entre os Vs.21 e 23 são retratados dois períodos diferentes da vida de Abraão. O primeiro, quando ele não tinha filhos ainda, nem Ismael e nem Isaque. Ele já era velho, como também sua mulher. Mas Deus lhe prometeu, assim mesmo, uma descendência tão numerosa como as estrelas do céu. Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça. Este episódio é referido por Paulo em Romanos 4:3 e Gálatas 3:6. Entretanto, o ponto de destaque de Tiago não é exatamente este acontecimento do início da vida de obediência de Abraão, mas, sim, algo que sucedeu cerca de trinta anos mais tarde, quando Isaque já era um rapaz. Trata-se do sacrifício desse filho, o que ele se prontificou a fazer, em obediência à vontade de Deus, atitude que resultou da sua fé (Genesis 22).
Assim, percebemos que a fé que Abraão teve desde o início, quando Deus lhe imputou para justiça, era uma fé verdadeira. Ela foi demostrada numa prova real. Que seria da descendência de Abraão sem Isaque? No entanto, Abraão cria em Deus. Ele podia ainda agora, trinta anos depois, mostrar, provar, com que tipo de fé havia sido justificado. Portanto a fé operava juntamente com as suas obras. Isto não é o que se verifica naqueles que simplesmente afirmam ter fé, mas são incapazes de comprová-la por meio de suas realizações. A qualificação de Abraão como “nosso pai” é extensiva a nós também que não somos judeus, mas temos o mesmo tipo de fé que ele teve (Gálatas 3:16,29).
Mais um argumento que Tiago retira das Escrituras para patentear a justiça de Abraão é a afirmação bíblica de que ele foi chamado “amigo de Deus”            (II crônicas 20:7; Isaías 41:8). O significado desta expressão parece ser que Deus não esconderia de Abraão o que Ele pretendia fazer, isto é, o Seu propósito (Gênesis 18:17,19; cf. João 15:15). De fato, Abraão participou do Eterno Propósito de Deus para com a humanidade, e teve o prazer de ver o dia do Messias (João 8:56). Isto pode referir-se a Gênesis 12:3 ou a Gênesis 15:12ss.
A respeito da justificação de Abraão por causa da sua fé verdadeira, devemos esclarecer que foi Deus quem lhe imputou a fé para a justiça. Isto significa que Abraão não conseguiu por si mesmo a justificação através do que ele fez em decorrência da fé. Foi Deus quem tomou a iniciativa de justifica-lo, mediante esses fatos. “Imputar” significa considerar como sendo de alguém, alguma cousa que não lhe pertence.
O V.24 indica que esta história de Abraão relatada por Tiago mostra um fato bastante convincente para provar que a fé é uma reação prática à iniciativa divina; é uma resposta a um chamado do céu, e o chamado é sempre um apelo a obediência. Portanto, obediência, expressa em ação é o resultado imediato e inevitável da fé.
Devemos notar especialmente, neste versículo, que ele trata da justificação generalizada a qualquer pessoa, com um esclarecimento feito pela expressão “não por fé somente”. Assim, para nós cristãos, desde o momento em que somos justificados pela fé, a vida passa a seguir um novo padrão representado pelo binômio “fé – realização”, “fé – trabalho cristão” ou “fé – obras cristãs”.
O caso de Abraão é suficiente para concluir a argumentação de Tiago. Mas ele quer insistir ainda, no V.25, na veracidade do que está falando. Por isso ele apresenta o exemplo de uma mulher gentia, além disso, prostituta e, portanto, muito longe de ser pessoa justa nestas condições. No entanto ela creu em Deus (Josué 2:8-11) e não teve dúvidas em auxiliar os emissários de Josué. Mediante essa fé verdadeira e comprovada, ela recebeu justificação, sendo salva da destruição de Jericó, passando a viver e a fazer parte do povo de Deus (Josué 6:25). Raabe foi ancestral de Boás que se casou com Rute. Estes tiveram um filho chamado Obede, que foi avô de Davi. Raabe, tendo sido justificada, veio a tornar-se uma das ascendentes do Salvador (Mateus 1:5-6) e tronco da família Messiânica.
O V.26 é a conclusão lógica do raciocínio de todo este trecho que teve início com o V.14. O exemplo do corpo sem espírito induz a pensar de modo bem real e natural que uma fé incapaz de resultar em trabalho cristão nem merece ser chamada de fé, porque é morta (cf. V.17). 

CAPITULO 3

CAPITULO 3



V.1 – Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos
        de receber maior juízo.
V.2 - Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar,
        é perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo.
V.3 - Ora, se pomos freio na boca dos cavalos, para nos obedecerem, também lhes
        dirigimos o corpo inteiro.
V.4 - Observai, igualmente, os navios que, sendo tão grandes e batidos de rijos
        ventos, por um pequeníssimo leme são dirigidos para onde queira o impulso
        do timoneiro.
V.5a - Assim, também a língua, pequeno órgão, se gaba de grandes coisas.

Antes de fazer uma análise mais detalhada desta passagem, vamos procurar entender como ela está relacionada com o desenvolvimento que Tiago vem dando ao pensamento, isto é, como este assunto está relacionado com os assuntos anteriores.
Este trecho é o desenvolvimento do tema que já foi apresentado no capitulo primeiro, desde o V.19 até o V.26. Este parágrafo, que se estende até o V.12 constitui o estudo mais amplo, mais franco e mais objetivo sobre o uso da língua, em toda a Escritura. Aplica-se tanto à responsabilidade daqueles que se utilizam da arte de falar no discurso público, como à responsabilidade daqueles que usam a linguem para as conversas mais comuns da vida diária.
A ligação deste assunto com o assunto tratado a partir de 2:14, o problema da fé e obras mortas, reside no fato de que o trabalho de qualquer cristão não se limita a esforço físico ou a ações fracamente visíveis. A realidade é que grande parte dos trabalhos cristão é acompanhada de palavras, além do que, o ato de ensinar por palavras constitui-se num grande e incontestável trabalho. Assim, podemos entender por que este trecho da bíblia exorta a respeito da grandeza da medida da fé em que deve estar apoiada a obra daquele que se utiliza da palavra.
O primeiro versículo é a chave desta passagem. É ele que faz desencadear a série de argumentações que se seguem até o V.12. De fato, o assunto não é de pouca importância, e está fundamentado nos ensinos de Jesus em Mateus 12:33ss, especialmente no V.37. Trata-se da possibilidade de justificação (ou salvação).
Não é difícil entender por que a Bíblia se ocupa especialmente do trabalho do professor nesta Epistola de fundo tão prático, que trata da aplicação direta da verdade, do conhecimento cristão, na vida da igreja. É que o professor, na sua tarefa constante dentro da comunidade cristã, está de posse da responsabilidade de formar o caráter cristão tanto das crianças e jovens, como dos adultos que foram agraciados pelo novo nascimento.
Tiago coloca-se a si mesmo entre os professores, portanto, sujeito às mesmas advertências. Honra seja feita, esta carta inspirada faz transparecer nas suas páginas a dedicação com que o escritor deve ter-se entregado ao ministério, para desincumbir-se dessa tarefa.
O trabalho do professor foi considerado de grande importância desde os tempos mais primitivos da igreja. A carta aos Efésios, no capitulo 4:11-12, coloca a função do professor como resultado de um dom de Cristo para o aperfeiçoamento dos santos e edificação do seu corpo. Na igreja de Antioquia, encontramos os mestres ao lado dos profetas (Atos 13:1). A carta aos Coríntios apresenta a ocupação do mestre, como de importância relevante na congregação local (I coríntios 12:28). Isto se compreende facilmente se lembrarmos que apóstolos e profetas tinham trabalho missionário em outras localidades rotineiramente.
A responsabilidade do professor pode ser notada de pois pontos de vista principais:

1 – No fato de transmitir aos outros suas convicções. Por isso, seus ensinos devem estar solidamente fundamentados na Palavra de Cristo, que recebemos por meio dos seus apóstolos e profetas, enfim, os ensinos que se encontram no Novo Testamento. Daí, a necessidade dele conhecer a verdade e dedicar-se a ensiná-la unicamente, afim de não vir a tornar-se um falso mestre, como ocorreu com muitos, mesmo ao lado dos apóstolos (leia atentamente Atos 15:1,24; Romanos 2:17-29; I Timóteo 1:6-7; II Timóteo 4:3). Opinião pessoal ou de grupo não tem lugar ante a autoridade divina.

2 – No fato de ter necessidade de viver de acordo com a verdade do Evangelho. O bom exemplo é a melhor maneira de ensinar. Falar da verdade a outra pessoa, apenas para que ela fique sabendo como é, carece de lógica, e torna-se causa de condenação, se o ensino não for acompanhado do procedimento correspondente. Isto é valido tanto para o que ensina como para o que aprende. Como diz o refrão: “Ensinar a fazer é melhor do que ensinar a aprender (I João 2:4-6; I Tessalonicenses 2:9-12; Mateus 23:1-3).

O professor deve resguardar-se de certos riscos que pode correr, devido ao exercício do seu ministério, por exemplo, tornar-se orgulhoso. As atenções que lhe são voltadas e a confiança que adquire dos alunos não devem impressioná-lo. Antes, o professor deve procurar o meio certo de comportar-se diante deles e o meio adequado de apresentar o ensino, de modo que a atenção e a confiança dos seus alunos sejam dirigidas, não para ele, mas para a palavra de Deus. Também ele deve resguardar-se do perigo de vir a ser um juiz ou critico dos outros, sob pena de incorrer em maior condenação, caso ele mesmo não seja capaz de agir conforme professa (Mateus 7:1-5).
A despeito de todas essas advertências, devemos entender que este versículo não tem a intenção de desencorajar ninguém a exercer o magistério. Antes, ao apontar os perigos e responsabilidades dessa grande vocação, a Bíblia esta, verdadeiramente, enaltecendo a sua dignidade. Além disso, qualquer discípulo de Cristo tem de viver de conformidade com estes ensinos, não sendo eles aplicáveis apenas aos professores.
Para concluir este trecho, queremos lembrar ainda que estas advertências de Tiago foram dirigidas inicialmente a cristãos que, tomando a decisão pessoal de ingressar no magistério, assumiram também a responsabilidade pessoal de se conduzirem condignamente com esse trabalho. Isto, porque o lugar ocupado por um mestre era muito cobiçado na Igreja Primitiva, devido ao prestígio e à honra que se lhe atribuía. De fato, essa função correspondia à do Rabi no judaísmo. E nesta religião, mais devido à tradição do povo judeu, as deferências e privilégios concedidos aos mestres eram tantos, que podiam corromper o caráter mais bem formado, tornando-o vaidoso, orgulhoso e soberbo (Mateus 23: 1-12).
Um renomado teólogo, referindo-se a esse assunto escreve: “A eloquência religiosa, o desejo de ensinar, a paixão por discussões causísticas foram em todos os tempos o traço característico da devoção farisaica. O terceiro capítulo desta Epístola é inteiramente devotado a atacar este erro”.
Outras referências sobre o uso da língua encontram-se em Salmo 152:2; 141:3; Provérbios 10:18-21; 12:18; 13:3; 14:23; 17:27; 21:23; 26:20-22; Eclesiastes 5:2-3; Mateus 12:33-37; 26:73; Lucas 4:22; Efésios 4:15, 29-31; Colossenses 4:6; I Timóteo 5:13; Tito 2:8.

O V.2 resume duas grandes verdades:

1 – A Bíblia mostra em várias passagens a falibilidade do homem, o que torna o pecado uma cousa tão comum no mundo incrédulo (Romanos 3:10,23). Mesmo entre os filhos de Deus, não há a excelência de vida sem pecado (I João 1:8; Eclesiastes 7:20). Nenhum povo sobre a face da Terra podia ser mais consciente deste fato do que o povo judeu que recebera a Lei de Moisés, com seus 2.386 mandamentos a desafiá-los no dia a dia.

2 – A segunda verdade é que, saber dominar a língua é uma demonstração de maturidade espiritual. A palavra “perfeito” que aqui encontramos é a mesma que em várias outras passagens tem o sentido de desenvolvido, aperfeiçoado ou maduro. Não significa a perfeição completa em todos os sentidos, mas um estágio avançado naquela direção. O nosso modo de falar é responsável por grande parte dos nossos erros e nos traz muitas responsabilidades. Jesus ensina-nos que devemos ter o máximo de cuidado com o que falamos (Mateus 12:31-37). Provérbios 15:1-4 falam das reações provocadas pelo modo de falar.

Quando Tiago emprega a palavra “tropeçar” (ptaío, no Grego), tanto na primeira parte como na segunda, deste versículo, queremos entender que ele esteja imaginando alguém que não tenha o propósito de fazer algo errado mas, mesmo assim, de uma hora para a outra, podo incorrer num lapso. A Bíblia exemplifica como Moisés falou irrefletidamente diante da rocha de Meribá no deserto (Salmo 106:32,33; Números 20:2-13) e também, como Paulo cometeu um deslize no falar, diante do Sinédrio (Atos 23:3-5). Assim, vemos que, dominar-se ao falar não é tão fácil. Por isso devemos redobrar os nossos cuidados para controlar a língua, a fim de que o nosso fervor e o nosso desejo de crescer espiritualmente não sejam tolhidos pelas nossas palavras. Resumindo, para não tropeçar no falar devemos, antes de tudo, ter conhecimento da verdade de Deus, submetermo-nos a essa verdade e transmiti-la correta e integralmente (João 8:32; I Pedro 4:11; Tito 2:1,7,8).
Nos Vs. 3-5, usando duas figuras interessantes, a do navio com seu pequeno leme e a do cavalo com o freio, Tiago faz uma analogia à língua, órgão tão pequeno, capaz de influenciar todo o restante das nossas ações. É inteiramente certo que, para falar corretamente a verdade, temos que educar a mente e controlá-la, na hora de externar o nosso pensamento. E, por outro lado, para falar sempre a verdade e não corrermos o risco de andar mentindo, temos que nos conduzir prudentemente em todos os nossos passos porque assim poderemos sempre dar completa e boa satisfação de tudo quanto fizermos. Enfim, o resumo está no uso desse pequeno órgão, a língua.

V.5b - Vede como uma fagulha põe em brasas tão grande selva!
V.6 - Ora, a língua é fogo; é mundo de iniquidade; a língua está situada entre os
         membros de nosso corpo, e contamina o corpo inteiro, e não só põe em
         chamas toda a carreira da existência humana, como também é posta ela
         mesma em chamas pelo inferno.
V.7 - Pois toda espécie de feras, de aves, de répteis e de seres marinhos se doma
        e tem sido domada pelo gênero humano;
V.8 - a língua, porém, nenhum dos homens é capaz de domar; é mal incontido,
        carregado de veneno mortífero.
V.9 - Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os
         homens, feitos à semelhança de Deus.
V.10 - De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é
          conveniente que estas coisas sejam assim.
V.11 - Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é
          amargoso?
V.12 - Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos?
          Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce.

O resultado das atividades erradas da língua é representado aqui pela figura do incêndio na floresta, causado por uma fagulha. Tanto a extensão como as consequências deste incêndio podem ser usadas para exemplificar os resultados negativos do modo descontrolado de falar. Incêndio nas terras da palestina, cheias de relva ressecada na época da estiagem, era acontecimento comum e o Velho Testamento traz muitas passagens alusivas aos danos causados. As passagens seguintes ilustram bem a extensão e as consequências do incêndio: Salmo 83:13-14; Isaías 9:18; Zacarias 12:6. Assim, vemos que esta figura utilizada por Tiago era bem significativa para os leitores da carta.
Continuando a enumerar os feitos da língua e a caracterizá-la por meio de figuras, o V.6 apresenta a ideia de que o mau uso da palavra corresponde ao mundo contrário à verdade, ao mundo de iniquidade que é antagônico a Deus. As figuras do V.6 são de difícil interpretação, mas podemos ter uma visão mais ou menos lógica do contexto, se acompanharmos o desenvolvimento da ideia, do seguinte modo:

1 – “A língua está situada entre os membros do nosso corpo e contamina o corpo inteiro”, isto é, ela é capaz de produzir efeitos maléficos sobre nós mesmos, em todas as nossas atividades.

2 – “... põe em chama toda a carreira da existência humana”, isto é, os efeitos maléficos do mau uso da língua fazem-se sentir em todos os setores das atividades na sociedade humana. Ela inflama o curso da vida do homem, em geral.

3 – “... é posta ela mesma em chama pelo inferno”. O terrível mal de não conter as palavras é apresentado nesta frase, como de origem satânica. Mesmo sendo produto na nossa cobiça interior, ele é alimentado pelo fogo do inferno.  Isto é afirmado aqui pelo Espírito de Deus, que inspira a carta de Tiago. Da fato, se nos lembrarmos da extensão da influência das palavras más e das más consequências que elas acarretam em qualquer ambiente, teremos que reconhecer a grande verdade contida nesta afirmação.

Estas três ideias mostram que, de fato, a língua é fogo e mundo de iniquidade. A língua, descrita como instrumento de fogo é apresentada em Provérbios 16:27. A palavra “inferno”, na forma em que aqui é usada (geenna, no Grego), significa o lugar de punição eterna, e só aparece nos três primeiros Evangelhos, pronunciada por Jesus.
Pelo aspecto geral dos Vs. 7 e 8, imaginamos que Tiago provavelmente se refere ao poder do homem de dominar a criação de Deus, conforme o relato de Genesis 1:28 (domar e dominar têm o mesmo sentido). Entretanto, no que respeita ao domínio da língua, isso não acontece. “Veneno” é usado figuradamente no mesmo sentido em que se usa “venenosa” para referir-se a uma pessoa que fala demais.
A contradição no falar é exemplificada por uma série de metáforas que se seguem, do V.9 ao V.12. Elas mostram a necessidade de ser criterioso para tomar a posição correta no uso da linguagem. Maldição refere-se ao modo descontrolado de falar, por exemplo, no caso de uma explosão nervosa contra outra pessoa. Comparando o que Tiago diz no V.11, com o que Jesus ensinou em Lucas 6:45 “porque a boca fala do que está cheio o coração”, podemos entender que o nosso coração é a fonte de onde procedem as nossas palavras. Assim, para corrigir o modo de falar, é necessário corrigir, antes, o coração. E o remédio para isto encontramos no verso 21 do primeiro capítulo desta carta.
Ao concluir este estudo sobre a responsabilidade no falar, queremos lembrar o seguinte fato: Escrevendo sobre a língua, Tiago está atacando na verdade, uma falsa qualidade de religião, e não o mero vício da língua. Ele está discutindo uma tendência intimamente relacionada com aquela que ele combateu no final do capítulo 1, uma religiosidade sem amor, a combinação de devoção fingida a Deus com indiferentismo e, mesmo ódio aos homens. A leitura de 1:26 é especialmente recomendável nesta altura do estudo, para melhor compreensão desta questão.

V.13 - Quem entre vós é sábio e inteligente? Mostre em mansidão de sabedoria,
          mediante condigno proceder, as suas obras.
V.14 - Se, pelo contrário, tendes em vosso coração inveja amargurada e
          sentimento faccioso, nem vos glorieis disso, nem mintais contra a verdade.
V.15 - Esta não é a sabedoria que desce lá do alto; antes, é terrena, animal e
          demoníaca.
V.16 - Pois, onde há inveja e sentimento faccioso, aí há confusão e toda espécie
          de coisas ruins.
V.17 - A sabedoria, porém, lá do alto é, primeiramente, pura; depois, pacífica,
          indulgente, tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem
          fingimento.
V.18 - Ora, é em paz que se semeia o fruto da justiça, para os que promovem a paz.

Neste parágrafo, a carta de Tiago volta novamente ao assunto da sabedoria, que já havia sido tocado em 1:5 e 3:1. Agora aprendemos que a sabedoria não se resume apenas no conhecimento intelectual. Antes, ela deve ser comprovada diretamente por proceder condigno. Para realçar a verdadeira sabedoria que produz o bom procedimento, a Bíblia nos mostra paralelamente nos Vs. 14 a 16 o tipo de sabedoria do mundo, animal e demoníaca que, portanto, não pode existir na Igreja, onde cabe apenas a sabedoria que vem do alto. Os resultados de ambas são também comparados nos Vs. 16 e 17.
Quando estudamos o V.1 observamos a recomendação de Tiago, para que muitos leitores não se tornassem mestres. Agora, o V.13 diz que quem entre eles fosse sábio, mostrasse em mansidão de sabedoria, mediante condigno proceder, a suas obras. O que estava acontecendo? Parece que não havia um procedimento condigno (devido ou correspondente à responsabilidade) especialmente por parte daqueles que estavam candidatando-se ao ensino.
A Bíblia mostra em Atos 14:23, que na Igreja Primitiva havia o costume de fazer eleição, embora ela não dê informações da maneira como a eleição era feita. Mas nós sabemos por outras fontes de informação da História que entre os gregos a eleição, esse processo público da livre escolha de representantes, exercia grande fascinação sobre o espírito popular. Este era o principal aspecto que conhecemos da chamada “democracia grega”. A igreja, que começava a crescer no mundo daquela época, fortemente influenciada pela cultura helenística, não podia deixar de ser agredida por essa mentalidade, porque grande parte dos membros era de origem grega e, os restantes, quase todos, com fortes traços da cultura grega.
Mas não há nenhuma relação necessária entre o que é considerado bom para o povo que não obedece a Deus, e o que deve ser considerado bom para a igreja. E quando nós olhamos para passagens da Bíblia como esta de Tiago e algumas de Paulo, como I Coríntios 1:10-17 e Gálatas 4:16-20, de certa forma, começamos a perceber que o método de escolher candidatos provocava a formação de grupos em torno deles. Disso resultavam rivalidades e, onde há rivalidades, há ciúmes, há disputas, há partidarismo e há divisões.
É neste contexto que Tiago trata do problema do ensino na igreja. Era grande a paixão e o entusiasmo pela oportunidade de falar publicamente. “Todos queriam ensinar e recomendar-se ao público. Poucos queriam ser ensinados. Um número demasiadamente grande de candidatos ambicionava a posição oficial pública, para conservar-se perante os olhos do povo, como candidatos. Daí, o peso do seu conselho aos leitores, para que sejam prontos para ouvir, tardios para falar” (Sir W. Ramsay).
Então, podemos ver neste versículo, um forte desafio àqueles que, com arrogância, ambicionavam ocupar o lugar de mestres na igreja primitiva. O argumento deles, para exercer a função de professor, é que tinham sabedoria. Entretanto, tal sabedoria não estava sendo demostrada pelo modo de proceder. O V.1 mostra que faltava mansidão aos mestres. Essa mesma qualidade que, em 1:21, é exigida do ouvinte é aqui também exigida daqueles que se apresentam à frente para ensinar. A mansidão é tão essencial no ensino, que Jesus, o Mestre dos mestres a aponta como qualidade Sua própria, ao convidar os discípulos para aprenderem D’Ele (Mateus 11:29). Quando o V.13 ordena ao professor que mostre suas obras mediante condigno proceder, podemos entender a ligação de ideias desta passagem com 2:18.
Do V.14 podemos tirar uma advertência aos mestres, e especialmente aos candidatos aos magistério, na igreja. Há duas cousas que prejudicam de tal modo a carreira do professor, o aprendizado dos alunos e a própria igreja, que podem ser consideradas motivo suficiente para alguém não ingressar no magistério, ou corrigir-se imediatamente, e até mesmo abandoná-lo. São elas:

1 – A inveja amargurada (zëlos pikrós), isto é, rivalidade ciumenta e contenciosa (cf. Romanos 13:13; I Coríntios 3:3; Tiago 3:16).

2 – Sentimento faccioso (de divisão, formação de grupo e partido, no Grego, eritheía), cobiça de distinção, desejo de mostrar-se e de colocar, antes de tudo, os próprios interesses, num sentido partidário, que não dispensa métodos baixos para derrotar o adversário (cf. Filipenses 1:15-17; 2:3; II Coríntios 12:20; Gálatas 5:20).
Aquele que ensina, e tem tais sentimentos, está gloriando-se disso e está mentindo contra a verdade. Falando do ensino falso, relativo a tais mestres, certa revista evangélica descreve-o como:

1 – Fanático: sustenta sua posição violenta e desequilibrada, e não com convicção da razão.

2 – Cheio de ressentimento: considera os oponentes como inimigos que têm que ser aniquilados, e não como amigos que devem ser convencidos.

3 – egoísta e ambicioso: está interessado, mais em exibir-se a si mesmo, do que mostrar a verdade; interessa-se mais pelo triunfo da sua própria opinião, do que pelo triunfo da verdade.

4 – Arrogante: a sua atitude é orgulhar-se do seu próprio conhecimento, ao invés de humilhar-se pela sua ignorância. O verdadeiro erudito está mais consciente daquilo que não sabe, do que daquilo que sabe.   

Portanto, o que ensina deve tomar cuidado de que o seu motivo seja verdadeiro e não falso.
A sabedoria daquele que tem inveja amargurada e sentimento faccioso é descrita agora, no V.15, de quatro maneiras diferentes e muito significativas:

1 – Não provém de Deus.

2 – Sua origem está nas cousas do mundo. Seus objetivos são mundanos e suas glórias, também.

3 – É animal (psychikë), isto é, não espiritual; produto do homem, que não discerne as cousas do espírito; instintiva, como se fosse expressão de animais irracionais (cf. I Coríntios 2:14-15).

4 – É demoníaca: sua origem não está em Deus, mas sim, no diabo. Ela não é própria dos filhos de Deus.

No V.16 percebemos os efeitos da aplicação da sabedoria demoníaca. De fato, o que acompanha a inveja e o sentimento faccioso são as cousas mais contrárias à ordem e à harmonia de Deus. Ele não é Deus de confusão (cf. I Coríntios 14:33). Inveja e sentimento faccioso produzem: contenda, ao invés de paz; inimizade, ao invés de amizade; ódio, ao invés de amor; separação, ao invés de união.
Em contradição com o tipo de sabedoria apresentado nos Vs. 14-16 a Bíblia nos mostra, no V.17, as características da sabedoria que tem origem em Deus, a sabedoria lá do alto. Por sua beleza, esta descrição faz lembrar aquela da Primeira Carta aos Coríntios apresentada no Capítulo 13, a respeito do amor. Há sete ideias, nesta passagem, para caracterizar a sabedoria que vem lá de cima. Tal sabedoria é:

1 – Pura: sem mácula, sem mistura, sem qualquer falha, livre de qualquer influência daninha (cf. V.16). Como consequência de ser pura, ela tem mais seis características que serão enumeradas em seguida:

A – Pacífica: promove a paz, o relacionamento correto de homens para homens, e homens para Deus (veja o contraste com a outra sabedoria expressa no V.16; cf. Mateus 5:9).

B – Indulgente: amável, sabe fazer concessões, sabe perdoar, sabe temperar a justiça com a misericórdia.

C – Tratável: disposta a atender à persuasão; fácil de conciliar; disposta a escutar, a arrazoar e a atender; não é insensível a uma apelação “a sabedoria falsa havia de ser orgulhosa, imperiosa, dominadora; a verdadeira sabedoria manifesta-se em deferência voluntária dentro de limites legítimos” (Hort).

D – Plena de misericórdia e de bons frutos: comparar com Mateus 7:15,16, onde Jesus ensina que os falsos profetas, isto é, os que ensinam a falsa sabedoria, podem ser reconhecidos pelos seus frutos.

E – Imparcial: não vacila, não é duvidosa, conhece o seu rumo e sabe para onde vai, sem ter que desviar-se para parte alguma.

F – Sem fingimento: não é hipócrita, não é ostentação ou enfeite superficial, não se utiliza de subterfúgios para atingir um fim. A saberia cristã é honesta, nunca pretende mostrar o que não é, “nunca se aproveita de métodos ilícitos” para alcançar seus fins. 

Compare estas características com as bem-aventuranças do Sermão da Montanha (Mateus 5:3-11) e com os Fruto do Espírito (Gálatas 5:22-23).
Este parágrafo, dos Vs. 13 a 18 encerra-se com uma recomendação aos mestres, para reforçar-lhes a compreensão do que foi dito anteriormente em todo este capítulo. O V.17 acabou de informar que a verdadeira sabedoria é cheia de bons frutos. Um deles é a justiça. São os que usam a justiça, os pacificadores, que podem ser bem sucedidos na sua obra (Mateus 5:9). Nunca, aqueles que promovem confusão e toda espécie de cousas ruins! Esta recomendação era também dirigida àqueles que, com suas violentas paixões por controvérsias e discussões públicas, costumavam perturbar o ânimo dos ouvintes nas igrejas primitivas.
No V.18 encontramos uma lição para toda a igreja. Em toda a carta de Tiago, o que aprendemos é como conseguir um bom modo de viver, pela aplicação da sabedoria e da justiça cristã no nosso procedimento. Em outras palavras, isto é a devoção demostrada por meio de nossas atitudes. Se desejarmos realmente conseguir esse tipo de vida, é necessário que mantenhamos o nosso ambiente de vida espiritual em paz, afim de que possa germinar e crescer o fruto da justiça. Em 1:20, vimos a afirmação de que “a ira do não produz a justiça de Deus”. Agora, este versículo ensina que é na paz que a justiça é semeada. Os que promovem a paz são chamados filhos de Deus em Mateus 5:9, o que significa que Deus é o autor da paz (cf. Isaías 32:17; Salmo 135:10).
Vistas estas cousas, devemos evitar, a todo custo, que falsos ensinamentos e falsos mestres tenham lugar na igreja, pois, falsas ideias e falsas opiniões não deixam crescer nada de bom, antes, destroem a paz, colocam os irmão, uns contra os outros, perturbam as relações pessoais, fazem nascer ódios, disputas e impedem o crescimento da justiça.