OS DISCÍPULOS NO CAMINHO DE EMAÚS
LUCAS 24:13-35 (Marcos 16:12-13)
Campbell Morgan, um dos maiores comentaristas bíblicos, chamado “Príncipe dos Expositores”, divide este episódio, no qual ele vê muito humor, em três fases chamadas de “movimentos”.
No primeiro movimento (Vs. 13 – 24), Jesus aproxima-se dos discípulos que comentam os recentes acontecimentos em Jerusalém. Como se não soubesse do acontecido, Ele passa a interrogá-los, induzindo-os a externar o que se passava em seus corações e a expor o seu pensamento a respeito do Messias e do reino messiânico.
No segundo movimento, Ele censura a falta de diligências de seus corações para crerem na palavra dos profetas, e o desconhecimento das Escrituras que afirmam que o Cristo devia sofrer muitas cousas antes de entrar na Sua gloria. Então, Ele passa a fazer uma exposição do que estava escrito a Seu respeito em todas as Escrituras.
No terceiro movimento temos a descrição da reação dos discípulos a respeito do acontecimento.
V.13 - Naquele mesmo dia, dois deles estavam de caminho para uma aldeia
chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios.
V.14 - E iam conversando a respeito de todas as coisas sucedidas.
V.15 - Aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se
aproximou e ia com eles.
V.16 - Os seus olhos, porém, estavam como que impedidos de o reconhecer.
V.17 - Então, lhes perguntou Jesus: Que é isso que vos preocupa e de que ides
aproximou e ia com eles.
V.18 - Um, porém, chamado Cleopas, respondeu, dizendo: És o único,
porventura, que, tendo estado em Jerusalém, ignoras as ocorrências
destes últimos dias?
V.19 - Ele lhes perguntou: Quais? E explicaram: O que aconteceu a Jesus, o
Nazareno, que era varão profeta, poderoso em obras e palavras, diante
de Deus e de todo o povo,
V.20 - e como os principais sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram
para ser condenado à morte e o crucificaram.
V.21 - Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel;
mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas
sucederam.
V.22 - É verdade também que algumas mulheres, das que conosco estavam, nos]
surpreenderam, tendo ido de madrugada ao túmulo;
V.23 - e, não achando o corpo de Jesus, voltaram dizendo terem tido uma visão
de anjos, os quais afirmam que ele vive.
V.24 - De fato, alguns dos nossos foram ao sepulcro e verificaram a exatidão do
que disseram as mulheres; mas não o viram.
A primeira aparição de Jesus após a ressureição registrada no Evangelho de Lucas foi a dois homens que não tinham sido mencionados anteriormente nos Evangelhos. Ele começa dizendo: “Naquele mesmo dia”, o dia em que as mulheres tinham ido bem cedo ao tumulo, e encontram-no vazio, e voltaram com a notícia aos onze apóstolos e aos demais que com eles estavam, que dois anjos lhes disseram que Ele havia ressuscitado, conforme lhes havia prevenido, já na Galileia (24:1-7).
Lucas continua a narrativa dizendo: “dois deles estavam de caminho para uma aldeia...”. Ele se refere a dois dos que estavam reunidos com os onze apóstolos, quando as mulheres relataram os fatos, mas eles não acreditaram (24:10-11). A aldeia mencionada na passagem era Emaús, distante de Jerusalém cerca de onze quilômetros, na direção Oeste-Noroeste.
Os dois homens iam conversando pelo caminho, trocando ideias a respeito de tantas cousas que ocorreram naqueles dias em Jerusalém, mais provavelmente da crucificação e morte de Jesus, da notícia não confirmada da ressurreição, e do futuro do reino. Enquanto eles se ocupavam de perguntas e respostas entre si, Jesus, o próprio objeto da discussão, aproximou-se e caminhava com eles. Eles nem perceberam como isto se deu, se Ele vinha por um caminho lateral alternativo, ou se Ele vinha ultrapassando-os. O fato aconteceu tão naturalmente, que não há nenhuma indicação de algo surpreendente. Jesus simplesmente “ia indo” junto com eles.
Aqueles dois discípulos não puderam reconhecer Jesus. Não seria por causa da luz fraca do crepúsculo, nem por causa de olhas embaçados por lagrimas como, alegam alguns, no caso de Maria Madalena, mas sem confirmação (João 20:14-16). Os sete discípulos que voltaram à pesca depois da ressurreição também não O reconheceram quando Ele se manifestou no mar de Tiberíades (João 21:1,4,7). Lucas dá a explicação para o caso daqueles dois, dizendo que os seus olhos estavam impedidos de reconhecer Jesus. Certamente porque era necessário tempo para a exposição que Ele ia fazer das Escrituras, antes que eles O reconhecessem. O impacto emocional causado pela manifestação do Mestre Ressuscitado entre eles não lhes permitiria absorver os ensinos. Lucas, como médico que era, deve ter tido inspiração para explicar o fato assim. A manifestação visível e reconhecível do Cristo Glorificado depende de Ele querer, e do discernimento espiritual de quem O vê. O segredo da identidade de Jesus realçou o efeito produzido nos discípulos quando eles aceitaram a ressurreição como verídica, depois que o reconheceram no final (cp. V.32 e V.35).
Em certo momento Jesus interveio no dialogo dos dois discípulos, perguntando-lhes o que os preocupava enquanto caminhavam, discutindo pelo caminho. Eles pararam demostrando tristeza e desânimo. Um deles, cujo nome Cleópas é mencionado, provavelmente por ter ficado conhecido na igreja de Jerusalém, foi o que respondeu. Mas ele se mostrou surpreso por aquele viandante procedente de Jerusalém não saber dos fatos tão conhecidos, que ocorreram nos últimos dias na cidade. Jesus deu corda à sua conversa, e perguntou: “Quais” (fatos)? Eles começaram a explicar as cousas que aconteceram com Jesus, conhecido como Nazareno, que era profeta, poderoso em obras e palavras e muito conhecido pelo povo (Mateus 21:11; cf. Atos 2:22-24; 10:37-39). Com tais características, Ele era considerado como o Messias que devia resgatar Israel. Mas Ele foi vítima dos principais sacerdotes e das autoridades que O entregaram para ser condenado à morte, e o crucificaram (cf. Mateus 21:11; Atos 3:15; 10:37-39).
Estas palavras dos discípulos mostram a sua frustração especialmente porque eles esperavam a redenção de Israel através d’Ele. Mas já fazia três dias que Ele tinha morrido, e as mulheres que tinham ido ao tumulo voltaram dizendo que Ele vive (Vs. 9-11). Entretanto, dois apóstolos foram ao tumulo (Pedro e João, cf. João 20:1-10), e verificaram que o tumulo estava vazio e que os lençóis estavam lá, como também o lenço. Mas a Ele, não n’O viram. Agora, então, o desalento e a desesperança invadiam os seus corações, porque os três dias marcados para a Sua ressurreição estava chegando ao fim.
V.25 - Então, lhes disse Jesus: Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o
que os profetas disseram!
V.26 - Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?
V.27 - E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-
lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras.
V.28 - Quando se aproximavam da aldeia para onde iam, fez ele menção de
passar adiante.
V.29 - Mas eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque é tarde, e o dia
já declina. E entrou para ficar com eles.
V.30 - E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-
o e, tendo-o partido, lhes deu;
V.31 - então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu
da presença deles.
Contudo, apesar da incompreensão que tinham a respeito do Messias, e da imprecisão de conceitos a respeito do reino, aqueles dois discípulos demonstravam amor e devoção a Jesus de Nazaré (Vs.17,19). Então Jesus lhes dirigiu uma leve e amável censura, chamando-os de “néscios”, mostrando-lhes a necessidade de conhecer as Escrituras e crer na palavra dos profetas. A palavra traduzida por “néscios” (noëtos, no Grego), neste contesto não é agressiva, e poderia ser parafraseada assim: “não estou entendendo vocês”. O que Jesus está querendo fazer é leva-los à compreensão de que o Messias devia passar por muitos sofrimentos antes entrar na Sua Gloria (cf. Lucas 18:31-34; Hebreus 1:3-4).
A menção de Messias e dos profetas feita por Jesus no V.27, para fazer a exposição das Escrituras no que se refere a Ele, corresponde a Deuteronômios 18:18-19 e aos livros de Josué, Juízes, I e II Samuel, I e II Reis, Isaias, Jeremias, Ezequiel, Daniel e os doze profetas menores.
Esta foi uma aula de Cristo, que qualquer teólogo gostaria de ter assistido e, poderíamos perguntar: Por que não foi feita esta exposição aos onze? Certamente, porque não seria necessário. Eles já tinham a promessa de que o Espirito Santo os guiaria a toda verdade (João 16:13). Podemos perguntar também: Eles eram capazes de entender tudo o que Jesus falou? Jesus é o maior Mestre de todos os tempos e a Sua didática nunca foi atingida por nenhum ser humano. Por outro lado, havia muitos judeus que se interessavam pelas escrituras e o ensino delas era dado às crianças desde cedo, especialmente aos nobres e aos das famílias de sacerdotes. Um exemplo destes é Flavio Joséfo. Dos dois discípulos do caminho de Emaús nada sabemos. Mas, depois daqueles momentos ao lado do Mestre, muita cousa deve ter acontecido (Marcos 7:37; João 4:40-42).
Ao se aproximarem da aldeia de Emaús, para onde iam, Jesus fez como que fosse continuar a caminhada, mas os dois constrangeram-nO a permanecer com eles, porque era tarde, e já estava escurecendo. Jesus acedeu ao convite, porque sabia que eles estavam interessados em desfrutar mais da Sua presença, e também, Jesus tinha o propósito de revelar-se eles. Ali podia ser a casa de um deles, ou até mesmo uma estalagem. Entrando e, pondo-se a mesa para a refeição, Jesus tomou o pão e abençoou-o, antes de parti-lo e de dar aos discípulos para comer. Lucas não podia esquecer o detalhe da ação de graças pois, em seu Evangelho Jesus é relatado como homem de oração (Lucas 6:12; 9:16, 18, 28). Esta cena faz lembrar a instituição da ceia, quando Jesus deu graças antes de partir o pão e de distribui-lo entre os discípulos, dizendo: “Isto é o meu corpo oferecido por vós, fazei isto em memória de mim” (22:19).
Foi nesse momento que os olhas dos discípulos foram abertos, e eles reconheceram Jesus. O verbo abrir (dianoigö, no Grego) está no primeiro aoristo passivo, e contrasta com a expressão “estavam impedidos” (ekratounto, no Grego), como diz o V.16. Isto mostra que houve uma operação divina para que eles pudessem reconhecer Jesus visivelmente.
V.32 - E disseram um ao outro: Porventura, não nos ardia o coração, quando ele,
pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?
V.33 - E, na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém, onde
acharam reunidos os onze e outros com eles,
V.34 - os quais diziam: O Senhor ressuscitou e já apareceu a Simão!
V.35 - Então, os dois contaram o que lhes acontecera no caminho e como fora
por eles reconhecido no partir do pão.
Os discípulos descrevem a reação que tiveram quando Jesus, que eles agora haviam identificado como ressurreto, falava com eles no caminho e expunha-lhes as Escrituras (literalmente abriu as Escrituras) e tornou compreensível a parte dos profetas que fala que o Cristo devia entrar na Sua gloria através do sofrimento. Convencidos desta verdade, agora eles estavam certos de que Ele é o Ungido, o Cristo de Deus. Por isso é que sentiram ardor seus corações.
Agora, reanimados, levantaram-se imediatamente e saíram, ruma a Jerusalém, para dar a notícia aos onze e aos demais. Já era noite avançada e o percurso era de onze quilômetros. Mas a Lua brilhava, porque a pascoa cai sempre no primeiro domingo de Lua cheia no equinócio.
Ao chegarem em Jerusalém, ouviram a notícia que “o Senhor ressuscitou e apareceu a Pedro”. Lucas é o único que dá esta informação (cf. I Coríntios 15:5), e Marcos 16:12-13 afirma que aqueles que estavam reunidos não deram credito aos dois que vieram de Emaús (cf. Marcos 16:14).
A aparição de Jesus a Pedro deve ter sido para tira-lo da depressão em que se encontrava, depois de ter negado o Senhor por três vezes consecutivas (cf. Lucas 22:61-62; Marcos 16:7).