JESUS, O PÃO DA VIDA
JOÃO 6:22-71
V.22 – No dia seguinte, a multidão que ficara do outro lado do mar, notou que
ali não havia senão um pequeno barco, e que Jesus não embarcara nele
com seus discípulos, tendo estes partido sós.
V.23 – Entretanto outros barquinhos chegaram de Tiberíades, perto do lugar
onde comeram o pão, tendo o Senhor dado graças.
V.24 – Quando, pois, viu a multidão que Jesus não estava ali nem os seus
discípulos, tomaram os barcos e partiram para Cafarnaum a sua procura.
No dia seguinte ao do milagre da multiplicação dos pães, a multidão, sentindo a ausência de Jesus, foi procura-Lo e percebeu que Ele não estava ali naquele lado do mar (oposto a Cafarnaum) e que Ele não havia embarcado com Seus discípulos no barquinho que permanecia ali. Surpreendentemente chegaram perto daquele lugar, outros barquinhos vindos de Tiberíades. Por quê eles foram parar ali,não é explicado. Pode ser que o vento os tivesse empurrado para lá, ou que barqueiros estivessem procurando ocasião de vender seus produtos para a multidão. O fato é que o povo aproveitou a oportunidade e utilizou aquelas embarcações para atravessar o mar e ir à procura de Jesus em Cafarnaum.
V.25 – E, tendo-o encontrado no outro lado do mar, lhe perguntaram: Mestre,
quando chegaste aqui?
V.26 – Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Vós me
procurais não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos
fartastes.
V.27 – Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a
vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque Deus, o Pai, o
confirmou com o seu selo.
Devemos notar o esforço do povo para buscar a Jesus. Antes da multiplicação dos pães, eles haviam percorrido cerca de dezesseis quilômetros, a pé, para chegar até o local do milagre. Agora, não mediram esforços para voltar a Cafarnaum. Tudo isso é trabalho físico, esforço humano, em busca de algum propósito.
Ao encontrarem o Mestre perguntaram-lhe quanto tempo fazia que ele havia chegado lá. A esta pergunta Ele não respondeu, mas apontou o erro que cometiam ao procurá-Lo. O milagre que eles viram da alimentação de cinco mil homens e mais tantas mulheres e crianças, com cinco pães e dois peixes era o sinal que indicava que o Mestre vinha parte de Deus e, assim, é que Ele devia ser considerado. Mas dar atenção apenas à parte física de comer e fartar-se era uma atitude desrespeitosa, própria daqueles que querem ter abundância de alimentos, sem dar atenção àquele que oferece esse benefício.
Jesus chama-lhes à atenção para outro alimento que Ele tem para dar, que é muito mais importante do que o alimento físico, porque é alimento que permanece para a vida eterna. É por este que eles deviam esforçar-se buscando o Mestre, do mesmo modo que eles se esforçavam fisicamente para encontra-Lo naquela caminhada que haviam feito, e na travessia do mar. Além disso, eles deviam reconhecer que Ele era aprovado por Deus, isto é, Ele tinha o selo do Espírito de Deus, como ficou demostrado pelo sinal do milagre feito recentemente. Enfim, naquela multidão não havia fé suficiente para eles sentirem insatisfação pelo seu estado de deficiência espiritual, e nem consciência da vida em pecado que eles levavam. Por isso mesmo, não almejavam uma qualidade de vida superior àquela que viviam.
V.28 – Dirigiram-se, pois, a ele, perguntando: Que faremos para realizar as
obras de Deus?
V.29 – Respondeu-lhes Jesus: A obra de Deus é esta, que creiais naquele que
por ele foi enviado.
Meditando na pergunta que eles fizeram a Jesus sobre “as obras de Deus”, entendemos que a ideia dos judeus era que eles seriam salvos por realizar obras que os tornassem merecedores da salvação. Assim eles haviam aprendido dos seus mestres e assim eles pensavam. A pergunta era até cabível. Ao interrogar sobre “as obras de Deus” no plural, eles imaginavam que iam receber de Jesus uma relação de cousas que deviam praticar para, em troca, receber de Deus a salvação. A resposta de Jesus, falando no singular, “a obra de Deus”, corrige a ideia deles em três pontos, a saber:
1 – “A obra” é uma só, não são muitas.
2 – Ela vem de Deus para o homem, e não são obras que vão do homem para
Deus.
3 – Esta obra é que “creiam n’Ele”, como enviado de Deus.
Só Deus pode realizar esta obra no homem (cf Vs.37,44). Mas ele precisa encarar o Filho de Deus, tal como Ele é (V.40). por outro lado, só quem tem fé em Jesus pode realizar as obras que Deus preparou para serem feitas (Efésios 2:10).
Portanto, o fator preliminar para a realização das obras de Deus é a fé em Jesus, ou seja, crer n’Ele.
V.30 - Então lhes disseram eles: Que sinal fazes para que o vejamos e
creiamos em ti? quais são os seus feitos?
V.31 – Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a
comer pão do céu.
Aqueles galileus não queriam crer que Jesus fosse divinamente credenciado por Deus, para dar o alimento que subsiste para a vida eterna, a não ser que Ele fizesse um sinal que comprovasse isso. O argumento deles era que, no deserto, depois que o povo saiu do Egito, o maná caiu do céu e todo o povo podia vê-lo sobre a terra e o recolhia. Mas estes cinco mil homens não se lembraram de quanto caiu nas mãos deles, dos cinco pães e dois peixes que Jesus multiplicou.
V.32 – Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés
quem vos deu o pão do céu; o verdadeiro pão do céu é meu Pai quem
vos dá.
V.33 – Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo.
Jesus recusou-se a satisfazer o desejo deles verem um sinal para crerem que Ele era enviado de Deus. O sinal que Jesus aponta para eles é que o verdadeiro pão do céu não é aquele dado por Moisés, mas sim o que é dado pelo Pai. É o pão de Deus que desce do céu e dá vida ao mundo. Jesus está falando da íntima relação entre Ele e o Pai, relação esta que Lhe dá autoridade para dar vida eterna ao mundo. É isto que eles deviam entender.
V.34 – Então lhe disseram: Senhor, dá-nos sempre desse pão.
V.35 – Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou o pão da vida; o que vem a mim,
jamais terá fome; e o que crê em mim, jamais terá sede.
V.36 – Porém, eu já vos disse que, embora me tenhais visto, não credes.
V.37 – Todo aquele que o Pai me dá, de modo nenhum o lançarei fora.
Jesus falava de cousas espirituais, cousas do alto, da vida eterna. Eles, porém, pensavam nas cousas terrenas. Queriam que Jesus satisfizesse as suas necessidades físicas como fome e sede. Isto faz lembrar a mulher samaritana que, antes de conhecer melhor a Jesus, também pensava dessa maneira (4:13-15). Mas este pão que satisfaz todas as necessidades dos seres humanos não é dado em resposta a um pedido de sinal, feito com a intenção que eles fizeram. É necessário crer, para que Deus leve a pessoa ao Seu Filho. Mesmo tendo visto Jesus e as Suas obras naqueles dias anteriores, eles não criam. Quando alguém crê verdadeiramente, Deus opera nesse alguém a obra salvadora, entregando-o ao Seu Filho, e o Filho jamais o desprezará.
V.38 – Porque eu desci do céu não para fazer a minha vontade; e, sim, a
vontade daquele que me enviou.
V.39 – E a vontade de quem me enviou é esta: Que nenhum eu perca de todos
os que me deu; pelo contrário, eu o ressuscitarei no último dia.
V.40 – De fato a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele
crer, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.
Quando Jesus afirma que não desceu do céu com a intenção de fazer a sua própria vontade, mas, sim, a vontade daquele que O enviou, Ele esclarece logo em seguida qual é a vontade d’Aquele que O enviou: É que Ele não perca nenhum dos que Lhe foram enviados, mas que Ele os ressuscite no último dia. Então, entendemos que Jesus veio para realizar um plano eterno de Deus, porque depois do último dia vem a eternidade (cf 5:28-29).
A conclusão e o resumo deste trecho é a necessidade de ver a Cristo, isto é, de conhecê-lO e de encará-lO tal como Ele é, e de crer n’Ele, segundo a Sua palavra (cf Vs. 35-36). Tudo o mais é Deus quem faz.
V.41 – Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: Eu sou o pão que
desceu do céu.
V.42 – E diziam: Não é este Jesus, o filho de José? Acaso não lhe conhecemos o
pai e a mãe? Como, pois, agora diz: Desci do céu?
A murmuração dos judeus contra as palavras de Jesus vem do fato deles O conhecerem, bem como sua família. Cousa semelhante aconteceu quando Ele pregou na sinagoga de Nazaré (Mateus 13:54-57). O povo que saiu do Egito também murmurou contra Moisés (Êxodo 16:2-3).
Convém lembrar que os judeus referidos nesta passagem que estamos estudando não são os líderes hostis de Jerusalém, normalmente citados nos Evangelhos. Aqui, agora, são os próprios galileus incrédulos. Isto vem mostrar o ceticismo e a oposição de muitos ouvintes, crescendo contra Jesus. A queixa que eles apresentavam referia-se à Sua afirmação de que Ele desceu do céu para dar vida ao mundo (Vs.33,35). Para eles, isto era impossível, visto que conheciam Seus pais e sabia de onde Ele era.
V.43 – Respondeu-lhes Jesus: Não murmureis entre vós.
V.44 – Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer; e eu o
ressuscitarei do último dia.
V.45 – Está escrito nos profetas: “E serão todos ensinados por Deus”portanto,
todo aquele que da parte do Pai tem ouvido e aprendido, esse vem a
mim.
Jesus conhecia o motivo daquela murmuração e respondeu-a por meio de ensinos.
1 – É o Pai quem estabelece o caminho para o homem chegar-se a Ele. É
impossível a qualquer um ir ao Filho, se o Pai não o levar. É Deus quem
produz no homem uma impulsão interior para que isto aconteça. O Seu
desejo é que o pecador venha a Cristo para que seja ressuscitado na
ressurreição da vida (5:29a). Isto não significa que o pecador seja forçado
por Deus a ir a Cristo, mas é uma oportunidade que Deus abre para ele
tomar uma decisão, levando em conta o seu livre arbítrio. O verbo “trazer”
usado no V.44 (elkuö, no grego) é o mesmo usado em 12:32, em que Jesus
afirma que quando fosse levantado na cruz “atrairia” todos para Ele. Mas
nem todos aproveitam essa oportunidade.
A ideia desta aproximação do pecador a Cristo vem do Velho Testamento que descreve a conversão do prosélito, quando este se submetia ao regime da Lei (Frank Pack – The Gospel According to John, The Living World Commentary)
2 – No V.45 Jesus ensina como o pecador é levado a Ele por Deus. A passagem
básica, aqui citada, é de Isaías 54:13, que diz: “Todos os teus filhos serão
ensinados pelo Senhor...”. O restante do versículo informa que Deus
desperta a atenção e a mente do pecador, isto é, o ouvido para ouvir e a
mente para aprender, a fim de que ele possa ir a Cristo.
Este verso esclarece o processo da eleição (escolha) que Deus faz a respeito dos salvos. Ele desperta no pecador o desejo de ir a Cristo para aprender, isto é, de ser discipulado por Ele. O verbo aprender nesta passagem, no texto grego, é “mathëteuö”. Quem é que faz do pecador um discípulo? É Jesus mesmo, porque Ele é Emanuel, ou seja “Deus conosco”. A conclusão é que a eleição do pecador é feita por Deus “em Cristo” e, não, no pecador. Nem, tão pouco, Deus força o pecador a ir ao Seu Filho. Ele abre o caminho e faz a proposta, mas o pecador é quem dá voluntariamente a resposta final.
Observe-se que, nestes ensinos de Jesus, a fé não é tratada como obra do homem para a salvação. Ela vem totalmente de Deus por ouvir e aprender d’Ele. Isto explica a salvação por graça mediante a fé (Efésios 2:8).
V.46 –Não que alguém tenha vista ao Pai, salvo aquele que vem de Deus: este
o tem visto.
V.47 – Em verdade, em verdade vos digo: Quem crê, tem a vida eterna.
V.48 – Eu sou o pão da vida.
V.49 – Vossos pais comeram o maná no deserto, e morreram.
V.50 – Este é o pão que desce do céu para que todo o que dele comer não
pereça.
Neste trecho Jesus defende a veracidade dosSeus ensinos, afirmando que não está falando de cousas inventadas pela Sua própria mente, mas que Ele veio de Deus e O conhece, porque Ele O viu. Portanto, Ele está afirmando cousas verdadeiras. Este é o motivo da repetição nos Vs.47 a 50 de ensinos que haviam sido dados anteriormente a Seu respeito. Com a expressão “em verdade, em verdade vos digo” Ele está insistindo para que creiam n’Ele. O verbo “crer” do V.47 envolve todo o processo da salvação como em 20:31. A vida eterna, segundo o conceito do Evangelho de João, é vida recebida aqui, e que continuará para a eternidade.
Ao afirmar, no V.48, que Ele é o pão da vida, Ele está falando do alimento para a vida eterna e mostra a diferença do maná que o povo comia no deserto, mas depois voltava a ter fome e finalmente morreu. Nisto o maná não era diferente dos outros pães da terra. Mas Ele é o pão que desceu do céu para dar vida espiritual ao mundo. Quem dele comer não perecerá, mas viverá eternamente. A única condição para que isto aconteça é crer n’Ele.
V.51 – Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá
eternamente; e o pão que eu darei pela vida do mundo, é a minha carne
Neste verso Jesus enfatiza o fato d’Ele ser o “pão vivo que desceu do céu”. Ao contrário do maná que os pais comeram no deserto e morreram, todo aquele que d’Ele comer viverá eternamente. Ao afirmar que Ele é o pão vivo, Ele está dizendo que tem vida em Si mesmo, porque este atributo Ele adquiriu do Pai (cf 5:26). A expressão “eu sou” é uma afirmação da Sua divindade, que O identifica com o “Eu Sou”, o mesmo Deus de Abraão, Isaque e Jacó que se identificou aos filhos de Israel com este nome (Êxodo 3:14). As palavras “que desceu do céu” referem-se à Sua encarnação.
A expressão “se alguém dele comer viverá eternamente” deve ser entendida como “todo aquele que dele comer viverá eternamente”, com a seguinte particularidade: a flexão verbal “comer” é um subjuntivo aoristo na língua grega, que significa uma ação praticada em um só ato, sem repetição. Sendo assim todo aquele que crê em Jesus e o recebe como pão da vida, tem a sua alimentação garantida para a vida eterna. Por isso, não se deve pensar em renovar essa alimentação através da Ceia do Senhor, como muitos ensinam. Esta passagem não favorece tal doutrina.
Agora Jesus está afirmando que o pão que Ele dará para trazer vida ao mundo é a oferta da Sua carne, ou seja, a oferta de Si mesmo, Seu corpo humano na cruz. A ênfase, aqui, é o significado sacrificial da Sua morte, que trará perdão e reconciliação do mundo com Deus (I João 2:2). Isto concederá vida eterna, evidentemente, para todo aquele que crer.
V.52 – Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos
a comer a sua própria carne?
V.53 – Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Se não
comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não
tendes vida em vós mesmos.
V.54 – Quem comer a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna e
eu o ressuscitarei no último dia.
V.55 – Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira
bebida.
Estes ensinos de Jesus e, especialmente a afirmação de que Ele daria a Sua própria carne como alimento para o mundo, causou grande revolta entre os judeus que começaram a desdenhá-lO e a discutir entre si objetando: “Como pode este sujeito dar-nos a comer a Sua própria carne?” Jesus foi mais adiante, dizendo que eles tinham, também, que beber o sangue do Filho do homem. Caso contrário, não teriam vida em si mesmo. Admitir essa verdade é tão importante, que Ele a enfatiza por meio da expressão “Em verdade, em verdade vos digo”, usada quatro vezes neste capítulo. “Carne e sangue” é uma expressão idiomática da língua Hebraica que significa o homem por inteiro. Aqui significa tudo o que Ele fala e o que Ele é. Aquele que crê em Jesus e o recebe total e voluntariamente em seu interior, entra na posse da vida eterna, aqui e agora, e tem a garantia da ressurreição da vida no último dia.
Esta insistência de Jesus parecia, para eles, uma proposta de canibalismo, e uma violação da Lei que proibia comer sangue (Levítico 3:17; 7:26; 17:10-14). Mas o V.55 deixa claro que Ele mesmo é o verdadeiro e completo alimento que satisfaz todas as necessidades espirituais daqueles que creem.
V.56 – Quem comer a minha carne e beber o meu sangue, permanece em mim e
eu nele.
V.57 – Assim como o Pai que vive, me enviou, e igualmente eu vivo pelo Pai;
também aquele que de mim se alimenta, por mim viverá.
V.58 – Este é o pão que desceu do céu, em nada semelhante àquele que os
vossos pais comeram, e contudo morreram: Quem comer este pão viverá
eternamente.
V.59 – Estas cousas disse Jesus, quando ensinava na sinagoga de Cafarnaum.
Permanecer em Cristo é permanecer na fé da sua doutrina, desfrutando de todos os benefícios da Sua morte (cf 15:1-7). Estas palavras falam da habitação de Cristo no crente. É a habitação pelo Espírito e pela Palavra (cf Efésios 4:16-17; Colossenses 3:16-17).
O V.56 traz os verbos comer e beber no particípio presente do Grego, e deve ser entendido como: “Aquele que está comendo a minha carne e bebendo o meu sangue continuamente, permanece em mim e eu nele”. Isto descreve uma comunhão íntima e permanente. Aliás, este tema da habitação ou da permanência do fiel em Cristo e vice-versa, ou da comunhão entre o Filho e o Pai, ou do crente com o Filho e com o Pai e vice-versa, é um dos assuntos mais desenvolvidos no Evangelho de João (14:23-24).
No V.57 Jesus usa a expressão “aquele que de mim se alimenta” em lugar da expressão “aquele que comer a minha carne e beber o meu sangue”, do V.56. Isto deixa claro que Ele está falando da necessidade de alimentar-se d’Ele mesmo, espiritualmente. O crente depende de receber o sustento da Sua vida divina e eterna, assim como o próprio Filho vive na dependência do Pai que vive. Em resumo, a vida eterna procede do Pai e chega ao crente por meio de Cristo. Enfim, o crente vive por causa d’ele e da Sua obra redentora.
Portanto, Jesus é o pão que desceu do céu para dar vida eterna a todo aquele que d’Ele se alimenta. Ele não é semelhante ao maná que o povo de Israel comeu durante os quarenta anos da vida passageira no deserto, e depois morreu. O V.59 encerra este parágrafo afirmando que Jesus disse essas cousas, durante ensinos na sinagoga da cidade de Cafarnaum. A oportunidade para estes ensinos surgiu pela exortação do Mestre no V.27, seguida da polêmica que se levantou a partir da pergunta do V.28.
V.60 – Muitos dos seus discípulos, tendo ouvido tais palavras, disseram: Duro é
esse discurso, quem o pode ouvir?
V.61 – Mas Jesus, sabendo por si mesmo que eles murmuravam a respeito de
suas palavras, interpelou-os: Isto vos escandaliza?
V.62 – Que será, pois, se virdes o Filho do homem subir para o lugar onde
primeiro estava?
Estes ensinos de Jesus provocaram a dispersão de grande parte dos Seus seguidores, que eram muitos, exceto os doze, porque eles se assustaram com a franqueza das Suas palavras, especialmente na parte final do discurso. Tanto eles acharam duras àquelas palavras, como também acharam difícil aceita-las. Embora eles comentassem a esse respeito em particular, Jesus sabia o que se passava entre eles, e lhes perguntou: “Isto vos escandaliza?”. Em outras palavras, podemos entender assim: Vocês estão escandalizados porque eu disse que desci do céu para dar vida ao mundo e que é necessário comer a minha carne e beber o meu sangue? Aí segue a pergunta: Então o quê acontecerá quando vocês virem o Filho do homem subir para o lugar onde ele estava antes? Ele se refere à Sua ascensão (Lucas 24:50ss). É oportuno observar que, neste discurso, a palavra “subir” é posta em enfático contraste com a palavra “descer” que João emprega sete vezes para referir-se à vinda de Jesus a esta Terra, encarnado em forma humana (1:14).
V.63 – O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita; as palavras que
eu vos tenho dito, são espírito e são vida.
V.64 – Contudo há descrente entre vós. Pois Jesus sabia desde o princípio quais
eram os que não criam e quem o havia de trair.
V.65 – E prosseguiu: Por causa disto é que vos tenho dito: Ninguém poderá vir
a mim, se pelo Pai não lhe for concedido.
O V.63 é a chave para a compreensão de tudo o que Jesus falou nesse discurso. Ele esclarece que as Suas palavras são palavra espirituais, que dão vida. O espírito é que vivifica, enquanto a carne não pode fazer nada. Embora a passagem não se refira diretamente ao Espírito Santo, entendemos que Ele está envolvido neste processo, porque é Ele quem aplica a palavra de Cristo no coração do ouvinte e não se pode separar uma cousa da outra (cf I Pedro 1:23 onde a semente incorruptível é o Espírito Santo; Efésios 6:17). Em Tito 3:4-6 Paulo fala do lavar regenerador e renovador do Espírito Santo (novo nascimento e santificação) queDeus derramou abundantemente sobre nós, por meio de Jesus Cristo, Nosso Salvador. Este lavar regenerador e renovador do Espírito Santo é feito por meio da Palavra de Cristo que foi derramada abundantemente sobre nós (cf João 15:3; Efésios 5:25-26;).
Depois que Jesus afirmou haver descrentes entre os discípulos em geral, João comenta que ele sabia desde o princípio quais eram os que não criam e, até mesmo, aquele que O havia de trair. Isto mostra que os seguidores de Jesus eram divididos em dois grupos: os crentes e os descrentes e entre estes estava o traidor. Só Deus sabe o que se passa dentro de cada um e Ele recompensa cada um de acordo com o Seu procedimento e de acordo com os Seus feitos (Jeremias 17:10; Mateus 26:24; João 6:40). Portanto, o critério usado por Deus para conceder ou não conceder que alguém vá a Cristo é crer ou não crer.
V.66 – À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não
andavam com ele.
V.67 – Então perguntou Jesus aos doze: Porventura quereis também vós outros
retirar-vos?
V.68 – Respondeu-lhe Simão Pedro: Senhor, para quem iremos? Tu tens as
palavras da vida eterna;
V.69 – e nós temos crido e conhecido que tu és o Santo de Deus.
Em razão das afirmações de Jesus nos Vs.64 e 65, muitos dos Seus discípulos voltaram atrás e já não andavam mais com Ele e não queriam entregar-se em obediência incondicional pela fé a Ele, porque Jesus não se amoldava à imagem que eles criaram de um Messias que os alimentasse permanentemente com alimento material. Então, voltaram-se para as cousas que tinham deixado para trás.
Após a desistência de grande parte daqueles que O seguiam, o Mestre fez aos doze uma pergunta no V.67, como um teste investigatório para que eles manifestassem a sua posição. Mas a forma gramatical em que a pergunta foi colocada já sugere uma resposta negativa. Pedro foi o porta-vozdos doze, aqui neste episódio de Cafarnaum, que corresponde à sua confissão feita em Cesaréia de Filipe, conforme Mateus 16:16 e Marcos 8:29. Mesmo não tendo o pensamento totalmente formado a respeito de Jesus, a resposta de Pedro mostra que os discípulos já O conheciam suficientemente pelas Suas palavras, e que eles não tinham outro caminho a seguir. A vida eterna estava nas mãos d’Ele. Por isso permaneceram confiantes. A expressão “o Santo de Deus” foi usada em Marcos 1:24 e Lucas 4:34, pronunciada por demônios que reconheciam a divindade de Jesus. Pedro também usou as palavras “o Santo e o Justo”, referindo-se a Ele, diante do povo, distinguindo-O como o Messias, em Atos 3:14-15.
V.70 – Replicou-lhes Jesus: não vos escolhi eu em número de doze? Contudo
um de vós é diabo.
V.71 – Referia-se ele a Judas, filho de Simão Iscariotes; porque era quem
estava para traí-lO, sendo um dos doze.
Embora Jesus tenha escolhido os doze apóstolos em consonância com a vontade de Deus, esta escolha não tinha interferência sobre a liberdade e a responsabilidade de Judas trair o Senhor. A iniciativa e a consumação deste ato dependiam de uma decisão pessoal dele. Acontece que ele já estava sendo levado a consumar o propósito diabólico, embora nem Pedro e nem os outros apóstolos o soubessem. Jesus sabia disso, pelo Seu discernimento sobrenatural. É isto que João afirma no V.71, quando escreveu o seu Evangelho, talvez mais de cinquenta anos depois.