sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

JESUS É PRESO

                                                        JESUS É PRESO
        MARCOS 14:43-52       (Mateus 26:47-56; Lucas 22:47-53; João 18:1-11)

V.43 - E logo, falava ele ainda, quando chegou Judas, um dos doze,
          e com ele, vinda da parte dos principais sacerdotes, escribas
          e anciãos, uma turba com  espadas e cacetes.
V.44 - Ora, o traidor tinha-lhes dado esta senha: Aquele a quem eu beijar,
          é esse; prendei-o e levai-o com segurança.
V.45 - E, logo que chegou, aproximando-se, disse-lhe: Mestre. E o beijou.
V.46 - Então lhe deitaram as mãos e o prenderam.
V.47 - Nisto, um dos circunstantes, sacando da espada,
          feriu o servo do sumo sacerdote e cortou-lhe a orelha.
V.48 - Disse-lhes Jesus: Saístes com espadas e cacetes para prender-me,
          como a um  salteador?
V.49 - Todos os dias eu estava convosco no templo, ensinando, e não
          me prendestes; contudo é para que se cumpram as Escrituras.
V.50 - Então, deixando-o, todos fugiram.
V.51 - Seguia-o um jovem coberto unicamente com um lençol,
          e lançaram-lhe a mão.
V.52 - Mas ele, largando o lençol, fugiu desnudo.

Esta narrativa da prisão de Jesus dentro dos acontecimentos finais do Evangelho de Marcos vem finalizar a longa preparação feita desde o início do seu ministério pelos principais sacerdotes, escribas e fariseus com fim de apanhá-lo. O capítulo 14 acrescenta aos fatos a participação de Judas Iscariotes. Lucas deixa claro que o traidor conduziu também os principais sacerdotes, capitães do Templo e anciãos ao local dos acontecimentos (Lucas 22:52-53). A chegada de Judas com a turba armada de espadas e cacetes aproximando-se na escuridão por entre os troncos das oliveiras marca o momento mais desagradável de toda a história contada nos Evangelhos.
É que neste instante consuma-se a traição disfarçada sob a máscara de um beijo, o próprio gesto santo que simbolizava o amor e o bom relacionamento entre discípulos e mestres. Agora, porém, o discípulo rebelde de caráter perverso abusa dele para a sua própria condenação. Ao mesmo tempo concretiza-se o intento dos inimigos, quando hostes malignas atacam com uma falsa impressão de vantagem do reino das trevas sobre o reino da luz. Na expressão do próprio Senhor Jesus registrada por Lucas neste episódio, é a hora dos inimigos e do poder das trevas (cf. Lucas 22:53).
Os principais sacerdotes, escribas e anciãos eram as três classes de pessoas que compunham o Sinédrio que era o supremo tribunal dos judeus. Apesar do domínio romano a que a nação estava submetida, esta corte conservava alguns direitos e a obrigação de manter certo policiamento em Jerusalém. Em algumas épocas o seu controle se estendia também sobre as sinagogas do exterior, como se pode notar no caso de Saulo que foi a Damasco com autorização do Sumo Sacerdote a fim de prender judeus cristãos e de levá-los a Jerusalém (cf. Atos 9:1-2).
A descrição feita por Marcos deste episódio, apesar de sucinta, é vívida e reflete o terror difundido pela turba excitada, munida de armas parceiras da violência, desejosa de ver correr sangue, e engrossada por populares curiosos que se foram incluindo pelo caminho. Tudo isto contrasta com a serenidade de Jesus demonstrada por estas palavras que Lucas afirma ter ele dirigido aos principais sacerdotes, capitães do Templo e anciãos que ali se encontravam: “Saístes com espadas e cacetes como para deter um salteador? Diariamente, estando eu convosco no templo, não pusestes as mãos sobre mim” (cf. Lucas 22:52-53).  E Marcos acrescenta: “...contudo, é para que se cumpram as Escrituras”. A que parte das Escrituras Jesus se refere, nenhum dos Evangelhos esclarece, mas o capítulo 53 de Isaías tem muito a ver com este episódio. Não se deve confundir a serenidade de Jesus com qualquer reflexo de temor diante de situação. Ele não assumiu aqui absolutamente nenhuma atitude passiva. João relata que com simples palavras ele derrubou toda aquela legião, quando se identificou diante deles, dizendo: “Sou eu”, expressão que, no Hebraico tem o mesmo valor que “Jeová”. Eles o temeram, recuaram e caíram por terra, provavelmente em atitude de adoração (João 18:6).
Mesmo nesta hora de intenso nervosismo e agitação por parte dos outros, foi Jesus quem conduziu os acontecimentos. Começando por receber Judas com a nobreza própria de um Mestre divino, aceitando-lhe o beijo e chamando-lhe “amigo”, segundo Mateus e Lucas. Em seguida, censurando a atitude irrefletida de Pedro, advertindo-o sobre a severidade de Deus contra os violentos (Mateus 26:52). Depois curou a orelha de Malco, o servo do Sumo Sacerdote ferido por Pedro, e ainda ordenou a liberação dos discípulos que já estavam mesmo prontos para fugir, com medo de enfrentar idêntica sorte que o Mestre. E nisto Jesus via calmamente o cumprimento das suas previsões, quando os preveniu, dizendo: “Todos vós vos escandalizareis, porque está escrito: Ferirei o pastor e as ovelhas ficarão dispersas”.
O comportamento dos discípulos estava bem de acordo com o seu desenvolvimento espiritual: eram imaturos e dependentes da natureza humana. Apesar de terem protestado solidariedade ao Mestre até à morte, agora capitulavam diante das dificuldades. E a violência ainda tinha lugar nas suas atitudes em momentos de excitação emocional, como no presente. Por isso, o porte de espadas entre eles só podia justificar-se por motivos verdadeiros, como de utilidade prática ou para cumprir uma profecia.
 Lucas esclarece no seu Evangelho, quando Jesus pergunta: “...Quando vos mandei sem bolsa, sem alforje e sem sandália, faltou-vos porventura alguma cousa? Nada, disseram eles. Então lhes disse: Agora, porém, quem tem bolsa, tome-a, como também o alforje; e o que não tem espada, venda a sua capa e compre uma. Pois vos digo que importa que se cumpra em mim o que está escrito: Ele foi contado com os malfeitores. Porque o que a mim se refere está sendo cumprido. Então lhe disseram: Senhor, eis aqui duas espadas. Respondeu-lhes: Basta” (Lucas 22:35-38).
Afinal, a quem pertenciam as duas espadas? Tiago e João eram fortes candidatos a proprietários delas, porque em outras ocasiões demonstraram ser violentos. Simão, o zelote, também era candidato provável, porque pertencia a um partido revolucionário extremista. De Pedro não é necessário dizer mais nada depois daquele golpe inadvertido, em que usou de muita habilidade, ou acertou no escuro (cf. João 18:10).
Comparando os relatos paralelos deste episódio nos quatro Evangelhos e meditando sobre os fatos ocorridos, fica evidente o quanto Jesus nos pode ensinar, mesmo em momentos os mais difíceis como este. Há duas verdades que saltam à vista imediatamente. Trata-se de recursos humanos que os discípulos de Cristo nunca devem usar. Primeiro, a violência contra outra pessoa, como Pedro fez. Segundo, a humilhante atitude de fuga diante das dificuldades, abandonando os ideais da fé cristã. Mas há também dois fatos curiosos a serem notados: Um é que não aparece o nome de Pedro nos três primeiros Evangelhos, como autor do golpe de espada que feriu o servo do Sumo Sacerdote. Só João é quem o identifica, mais de cinqüenta anos após esta ocorrência, e mais de vinte anos após terem sido escritos os outros Evangelhos. Isto deve ter acontecido por motivo de segurança a favor de Pedro. O outro fato curioso refere-se ao jovem que acompanhava os acontecimentos, envolto em um lençol. Este adolescente deve ter sido o próprio João Marcos, escritor deste Evangelho. É possível que ele tenha sido despertado do sono com a notícia da prisão de Jesus, e a sua preocupação e falta de experiência levaram-no a sair tão despreparado para uma aventura tão arriscada. De fato ele acabou entrando em apuros. Mas a sua iniciativa demonstra coragem, e a sua preocupação demonstra amor pelo Mestre. Se este jovem não era João Marcos, fica difícil explicar o motivo da inclusão do incidente na narrativa deste Evangelho, visto que os outros não fazem menção dele.