JESUS E A MULHER CIRO-FENÍCIA
MARCOS 7:24-30 (Mateus 15:21-28)
V.24 – Levantando-se, partiu dali para as terras de Tiro {e Sidom}. Tendo
entrado numa casa, queria que ninguém o soubesse, no entanto não
pôde ocultar-se,
V.25 – porque uma mulher, cuja filhinha estava possessa de espírito imundo,
tendo ouvido a respeito dele, veio e prostrou-se-lhe aos pés.
V.26 – Esta mulher era grega, de origem ciro-fenícia, e rogava-lhe que
expelisse de sua filha o demônio.
O último lugar mencionado em que Jesus se encontrava antes de partir para as terras de Tiro e Sidom, foi Genezaré, uma pequena planície localizada na praia noroeste do Mar da Galiléia.
Os acontecimentos registrados nos dois parágrafos indicados dos evangelhos de Marcos e de Mateus referem-se a uma das etapas mais significativas da vida e do ministério de Jesus. Isto, por causa das circunstâncias e dos fatos envolvidos neste caso. Tiro e Sidom foram cidades portuárias importantes desde passado muito remoto, com sua história marcada por hábeis navegadores, que aprenderam a guiar-se pelas estrelas e que desenvolveram um comércio muito próspero em toda a bacia do mediterrâneo. Por isso deram àquelas cidades uma posição extremamente avantajada entre as outras do mundo antigo (cf Isaías 23; Ezequiel 26, 27, 28).
Tiro estava situada à beira do Mar Mediterrâneo cerca de sessenta e cinco quilômetros a noroeste de Cafarnaum, na faixa litorânea que se estende ao norte do monte Carmelo, na chamada Fenícia, mas pertencia a Síria naquela época. Sidom ficava cerca de quarenta quilômetros mais ao norte de Tiro, também a beira mar. Apesar dos seus habitantes atuais serem descendentes da raça fenícia e de serem desprezados pelos judeus, assim mesmo Jesus resolveu ir para lá, entrando em território gentio, pela primeira vez durante Seu ministério. Com isso Ele contrariava o costume dos judeus que não se comunicavam com gentios, e nem tão pouco entravam em suas casas, para não se contaminarem. Os judeus os consideravam imundos.
Entrando em território gentio e contactando-se com pessoas daquela região, Jesus estava mostrando que aquele povo não era imundo, mas era bem- vindo ao reino de Deus. Aqui temos uma figura profética do trabalho missionário das igrejas, no futuro, entre todas as nações.
Havia muitas razões para Jesus retirar-se de Israel e entrar em território gentio. Ele estava descontente com a rejeição que recebeu da parte dos galileus, após a primeira multiplicação dos pães (João 6). Ele sentia-se agredido pelos escribas e fariseus que condenaram os discípulos, por comerem sem lavar as mãos (Marcos 7:1-23). Os judeus estavam escandalizados porque Ele denunciou como inválidos os preceitos da tradição dos anciãos (Mateus 15:12). Herodes, tetrarca da Galiléia, representava uma ameaça para o Seu ministério, desde que aquele rei havia mandado matar João Batista (Mateus 14:12-13). Ele estava cansado do assédio das multidões que O procuravam por causa dos milagres e por motivos matérias, mas não valorizavam a Sua pessoa e os Seus ensinos (João 6:26; Marcos 6:53-56 - Jesus não podia mais ensinar ali porque sabia que eles só desejavam as curas). Mas o maior desafio ainda estava por vir, quando Ele teria que enfrentar os Seus inimigos até à morte. A sua ora já se aproximava e Ele desejava preparar, não somente a Si mesmo, mas também os Seus discípulos, para aquele momento crucial (Mateus 16:21).
Por tudo isso Ele buscava tranquilidade, retirando-se para um território estrangeiro, onde os judeus não iriam buscá-lo. Assim o afastar-se deles transformava-se numa oportunidade para os gentios entrarem no reino de Deus.
Os manuscritos mais confiáveis do Evangelho de Marcos não contêm o nome de Sidom, que aparece entre colchetes em algumas traduções. Ele foi acrescentado para conferir com Mateus que o registra em 15:21. Por quê Mateus teria feito este registro? Provavelmente, lembrando-se de que quando Elias corria perigo no território do rei Acabe, Deus o enviou para a cidade de Sarepta, na região de Sidom, onde ele foi atendido por uma viúva que o sustentou (I Reis 17:9ss). O encontro de Jesus com esta mulher ciro-fenícia é uma alusão atávica ao encontro de Elias com aquela viúva.
Mateus chama aquela mulher de “cananita”, expressão alternativa usada para identificar pessoas daquela região. Devemos lembrar que Mateus, ao escrever o seu Evangelho mostra a preocupação de identificar aspectos da vida e do ministério de Jesus, com fatos e profecias do Velho Testamento, para que os judeus pudessem crer em Jesus.
Ao retirar-se para a região de Tiro e Sidom, Jesus desejava permanecer anônimo. Entrando, porém, em uma casa não identificada, mas que podia ser de algum discípulo ou de algum seguidor Seu daquela região que o conhecia (cf Marcos 3:8), logo foi abordado por uma mulher que lhe implorava desesperadamente que curasse sua filha que estava terrivelmente endemoninhada. Mateus informa que ela dirigiu-se a Jesus, chamando-O “Senhor, filho de Davi”, expressão messiânica e O adorou. Marcos diz que ela prostrou-se aos Seus pés. Diante de tamanha demonstração de fé, Jesus já sabia que podia extrair dela um testemunho contundente diante dos presentes, especialmente dos discípulos, que se sentiam incomodados porque ela os acompanhava insistentemente, clamando por misericórdia. A observação de Marcos que a mulher era grega, de origem ciro-fenícia, provavelmente indica que ela falava grego ou que era de religião grega.
V.27 – Mas Jesus lhe disse: Deixa primeiro que se fartem os filhos, porque não é
bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos.
V.28 – Ela, porém, lhe respondeu: Sim, senhor; mas os cachorrinhos, debaixo
da mesa, comem das migalhas das crianças.
Outro ponto a observar é a maneira como Mateus e Marcos descrevem a resposta de Jesus ao pedido da mulher. Mateus 15:23 diz que Ele não lhe respondeu nada. Isto faz lembrar o caso da viúva de Sarepta (I Reis 17:10ss). Elias pediu que ela lhe trouxesse um pão. Ela disse que só tinha, na panela, um punhado de farinha e, na botija, um pouco de azeite. Isto era o que dava para ela cozer um pão para si mesma e para seu filho comerem e, depois, morrerem. Elias disse-lhe que preparasse um pão pequeno para ele, e depois voltasse e cozesse para ela e seu filho. Elias sabia o que Deus estava para fazer por ela, e anunciou-lhe que o Senhor não deixaria mais faltar farinha na panela e nem se acabaria o azeite da botija. Ela creu e obedeceu, e tudo se cumpriu.
Apesar de Jesus não responder palavra alguma àquela mãe desesperada, Ele estava disposto a atendê-la. Ela estava convicta disto. E tudo se cumpriu. Marcos não descreve o episódio desta maneira mas vai diretamente ao diálogo de Jesus com a mulher. Por quê? É porque ele escreveu seu Evangelho para cristãos gentios de roma que, provavelmente não conheciam tanto a história de Israel, e não poderiam interpretar os fatos com tanto discernimento, como os judeus.
À súplica da mulher para que Jesus expelisse o demônio, Ele respondeu com uma metáfora, comparando os judeus com os “filhos” e os gentios com os “cachorrinhos”. O uso da palavra “cão”, no grau normal, seria altamente ofensivo, pois estes animais eram considerados imundos e a presença deles, quer fossem animais de rua, quer fossem palacianos, não era admitida numa sala de refeições. Mas Jesus usou a palavra no grau diminutivo, “cachorrinhos”. Isto soou para a mulher como uma palavra carinhosa, como que Ele se referisse a animaizinhos domésticos de estimação. A mulher, de cultura grega e pensamento rápido, interpretou o Mestre corretamente e com esperança, afirmando que ela também poderia usufruir dos benefícios que Ele, o Messias, veio trazer a Israel (Mateus 15:22, 24).
Aqui, Jesus aponta para o cumprimento da promessa feita a Abraão em Gênesis 12:3b que diz: “...em ti (na tua descendência) serão benditas todas as famílias da terra”.
V.29 – Então lhe disse: Por causa desta palavra, podes ir; o demônio já saiu de
tua filha.
V.30 – Voltando ela para casa, achou a menina atirada sobre a cama, pois o
demônio a deixara.
Finalmente Jesus testificou a profundidade da fé daquela mulher, em virtude das palavras com que ela exprimiu a sua esperança e confiança n’Ele, conforme o V.28. Este foi mais um milagre, entre outros, que Jesus fez à distância (Mateus 8:5-13; Lucas 7:1-10; João 4:43-56).