JESUS É EXPULSO DE NAZARÉ
LUCAS 4:16-30 (Mateus 13:33-38; Marcos 6:1-6)
O fato de Lucas ter colocado a visita de Jesus a Nazaré no início do Seu ministério da Galiléia, embora ele mesmo afirme que o Mestre já tinha adquirido fama naquela região e ensinava nas sinagogas, sendo glorificado por todos (4:14-15), tem provocado divergência de opinião entre vários estudiosos do Evangelho. Alguns entendem que Mateus 13:33-38 e Marcos 6:1-6 registram uma segunda visita d’Ele àquela cidade, enquanto outros entendem que as três passagens paralelas referem-se a uma única visita. Neste caso, Lucas teria colocado este episódio no início do ministério da Galiléia para realçar o fato d’Ele ter sofrido rejeição por parte de uns e de ter sido bem recebido por parte de outros, desde quando iniciou o Seu trabalho. Ele registra também a rejeição que o Mestre sofreu em fase mais avançada, quando deixou a Galiléia (9:51-56). Entre os defensores da ideia de duas visitas encontram-se G.Campbell Morgan e RVG Tasker que escrevem sobre o Evangelho de Marcos. Entre os que defendem a ideia de uma única visita encontram-se o escritor dos comentários do Evangelho de Lucas no “Comentário do Novo Testamento” de Jamieson, Fausset e David Brown, Lucas 4:16-30. O comentarista de Lucas na “Bíblia Comentada” dos Professores de Salamanca admite que Lucas antecipa este episódio com vistas à perspectiva literária do seu Evangelho, mas ele mesmo é partidário da hipótese de outras visitas de Jesus a Nazaré.
V.16 – Indo para Nazaré, onde fora criado, entrou, num sábado, na sinagoga,
segundo o seu costume, levantou-se para ler.
V.17 – Então lhe deram o livro do profeta Isaías, e abrindo o livro, achou o
lugar onde estava escrito:
V.18 –“O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para
evangelizar aos pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos
e restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos,
V.19 – e apregoar o ano aceitável do Senhor”.
Jesus voltou a Nazaré, cidade onde passou a Sua infância e juventude, depois de ter-se afastado de lá por um período relativamente longo, período que cobre a Sua ida para a primeira Páscoa do Seu ministério em Jerusalém (João 2:12-13), o Seu ministério da Judéia (João 3:22), Sua passagem por Samaria (João 4:1-42), a Sua volta para a Galiléia (João 4:43), além de um giro por essa província onde ficou famoso pelos Seus ensinos nas sinagogas, sendo glorificado por todos (Lucas 4:14-15).
Era Seu costume frequentar a sinagoga aos sábados. Num desses dias Ele entrou na sinagoga de Nazaré. Naquelas reuniões era praxe dar a palavra a algum rabino que estivesse presente ou a alguma pessoa que se destacasse pelo conhecimento das Escrituras. O candidato devia levantar-se para receber do assistente da sinagoga o rolo das Escrituras ou o lecionário determinado para o dia. Devia fazer a leitura enquanto estivesse em pé e depois sentar-se para fazer os comentários. A leitura era de algum livro da Lei, determinado pelo chefe da sinagoga, enquanto a leitura dos profetas, naquela época, podia ser escolhida livremente pelo candidato. Mas os comentários deviam incluir considerações a respeito do Messias, a esperança de Israel.
Obedecendo ao protocolo, foi isso que Jesus fez. Ao levantar-se, Ele recebeu o rolo e encontrou a passagem indicada nos versos 18 e 19, citação de uma profecia do profeta Isaías, baseada numa tradução livre da Septuaginta, constituída de porções de Isaías 61:1-2 e 58:6.
A unção do Espírito Santo mencionada nesta passagem lembra a cena do batismo, quando Jesus foi capacitado para o trabalho a que foi enviado para realizar como Messias (Lucas 3:21-22; 4:14-15). Se, por um lado, Marcos enfatiza a pregação de Jesus sobre a chegada iminente do reino de Deus e a necessidade de arrependimento e de fé para entrar nele (Marcos 1:14-15), por outro lado, Lucas complementa a mensagem, enfatizando os Seus ensinos a respeito da natureza do reino (4:43), especialmente a partir de 6:20.
Jesus é apresentado nesta passagem como o portador de boas-novas aos pobres, aos cativos, aos cegos e aos oprimidos. Estes qualificativos referem-se ao estado de ruína e de miséria espirituais do povo, estado para o qual Jesus tem a solução. E Deus está cuidando disso. Não se trata de uma proposta simbólica. Pelo sentido das palavras do texto, Jesus refere-se ao povo excluído do contexto econômico, social e religioso daqueles dias. A esperança é a chegada do “ano aceitável do Senhor”, que corresponde à era Messiânica, que teve início exatamente naquele momento, com a chegada da pessoa de Cristo com a Sua obra, trazendo bênçãos, conforme as mencionadas no V.18, culminando com a salvação (II Coríntios 6:2). “Ano aceitável do Senhor” é uma alusão ao ano do jubileu judaico, ano de grande alegria e de renovação, descrito em Levítico 25.
V.20 – Tendo fechado o livro, devolveu-o ao assistente e sentou-se; e todos na
sinagoga tinham os olhos fitos nele.
V.21 – Então passou Jesus a dizer-lhes: Hoje se cumpriu a Escritura que acabais
de ouvir.
V.22 – Todos lhe davam testemunho e se maravilhavam das palavras de graça
que lhe saíam dos lábios, e perguntavam: Não é este o filho de José?
Ao sentar-se para fazer os comentários, depois de fechar o rolo e de devolvê-lo ao assistente, Jesus provocou grande expectativa dos presentes, que ficaram com os olhos fitos n’Ele. A primeira cousa que Ele disse foi que as profecias da Escritura que eles acabaram de ouvir foram cumpridas n’Ele, evidentemente. Em outras palavras, desde que se tratava de profecias messiânicas, Ele afirmava ser Ele o próprioMessias.
Apesar de que todos falavam bem a Seu respeito, dando-lhe testemunho, maravilharam-se da beleza das Suas palavras e, possivelmente, ficaram impressionados pela Sua personalidade atraente, lembrando-se do que Ele fez em Cafarnaum, uma dúvida subiu às suas mentes e não permitia que eles cressem n’Ele. Era o fato d’Ele ser filho de um carpinteiro, de ter sido criado como aprendiz de carpinteiro, de ser conhecido de todos, e de Sua mãe, seus irmãos e irmãs serem tão próximos de todos! (Mateus 13:55-56; Marcos 6:3).Como poderia Ele pretender ser aquilo que afirmava, sem pelo menos ter aprendido além do que todos aprendiam normalmente na sinagoga? (Mateus 13:56b; Marcos 6:2). Eles ficaram intrigados sem razão, achando que havia algo de errado com Ele. Mas estavam enganados porque não sabiam de onde vinha o seu conhecimento, nem sabia qual era a fonte do Seu poder.
As notíciasdos milagres e das curas que o Médico dos médicos operou em Cafarnaum haviam chegado a Nazaré. Jesus compreendia os preconceitos e a desinformação que aquele povo tinha a Seu respeito. Por isso Ele lhes propôs a parábola em forma de provérbio do V.23: “Médico, cura-te a ti mesmo”. O mesmo verso aponta a razão da incredulidade e do desprezo que eles Lhe devotaram. Tudo se explica pelo fato de que eles ouviram, mas não creram no que Ele fez em Cafarnaum. Jesus sabia disso. Ele conhece todos os pensamentos (Lucas 5:22). Com tudo isso, eles não podiam ter fé e Jesus também não pode fazer ali muitos milagres, se não curar poucos enfermos (Marcos 6:5). É fato que, operar milagres diante de incrédulos, aumenta-lhes o grau de condenação (Lucas 10:13-14).
Os exemplos de Elias e a viúva de Sarepta (I Reis 17:9ss) e de Elizeu com Naaman, o ciro (II Reis 5:9-14) são da história de Israel e mostram como Deus favoreceu gentios, em detrimento do Seu próprio povo. No caso de Elias, o profeta foi enviado a uma mulher estrangeira, que foi beneficiada. No caso de Elizeu, um estrangeiro veio a ele e foi beneficiado. Isto sugere que o Messias iria para os gentios e os beneficiaria com a salvação e que os gentios viriam a Ele e seriam igualmente beneficiados. Falar de gentios no reino de Deus e da sua salvação por meio do Messias era abominação para os judeus.
V.28 – Todos na sinagoga, ouvindo estas cousas, se encheram de ira.
V.29 – E levantando-se expulsaram-no da cidade e o levaram até o cume do
monte sobre o qual estava edificada, para de lá o precipitarem abaixo.
V.30 – Jesus, porém, passando por entre eles, retirou-se.
A mudança de tom do discurso de Jesus, falando de benefício aos gentios, provocou uma revolta muito grande dos ouvintes. A atitude deles, levantando-se, faz pensar que eles diziam: Isto é demais, já não podemos aguentar! Cheios de ira, expulsaram-no da cidade e o levaram a um despenhadeiro das proximidades, para o precipitarem morro abaixo. Seu livramento dessa situação não nos é dado a saber. Mas fica claro que o diabo nada podia fazer contra Ele, porque ainda não era chegada a Sua hora. Aqui está um sinal que eles gostariam de ver, mas não perceberam.
Apesar da oposição dos Seus conterrâneos, Jesus continuou o Seu ministério pelas aldeias das circunvizinhanças.
OBS:
1 – Os relatos de Mateus e Marcos são mais breves e não registram a profecia
que Jesus leu e nem o fato d’Ele afirmar que as estava cumprindo como o
Messias.
2 – Há um paralelo de Mateus 13:54 e Marcos 6:2 com Lucas 6:22, relativo à
família de Jesus. Lucas só menciona o nome de José, seu pai pela Lei,
enquanto os outros dois evangelistas referem-se a toda a Sua família.
Lucas focaliza o nome pelo qual Ele era conhecido na comunidade de
Nazaré.
3 –Mateus e Marcos não se referem aos casos de Elias e Elizeu e também não
incluem a tentativa de homicídio contra Jesus, e o Seu livramento
miraculoso e inexplicado.
O que explica o fato do relato de Lucas ser mais completo deve ser a pesquisa que ele fez antes de escrever o seu Evangelho (1:1-4).