JESUS CENSURA OS ESCRIBAS E FARISEUS
MATEUS 23:1-39 (Marcos 12:38-40; Lucas 11:37-54; 20:45-47)
V.1 - Então falou Jesus às multidões e aos seus discípulos, dizendo:
V.2 - Na cadeira de Moisés se assentam os escribas e fariseus.
V.3 - Portanto, tudo o que vos disserem, isso fazei e observai; mas não façais
conforme as suas obras; porque dizem e não praticam.
V.4 - Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos
homens; mas eles mesmos nem com o dedo querem movê-los.
V.5 - Todas as suas obras eles fazem a fim de serem vistos pelos homens; pois
alargam os seus filactérios, e aumentam as franjas dos seus mantos;
V.6 - gostam do primeiro lugar nos banquetes, das primeiras cadeiras nas sinagogas,
V.7 - das saudações nas praças, e de serem chamados pelos homens: Rabi.
Nos poucos dias que antecederam a Sua morte, Jesus intensificou os ataques contra os Seus adversários, como se vê especialmente nas parábolas dos dois filhos, dos lavradores maus e na parábola das bodas. Mas foi na questão de “Cristo filho de Davi” (22:41-46) que Mateus mostra como Ele os desbaratou e que, a partir daí, ninguém mais se atreveu a fazer-Lhe perguntas, e nem tão pouco, podia responder ao que Ele perguntava. Foi como se eles tivessem capitulado.
Então o Mestre passou a dirigir-se às multidões que O ouviam com prazer (Marcos 12:27) e aos Seus discípulos. É fácil perceber que do V.1 até o V.7 Ele fala às multidões, fazendo exortações em termos gerais, enquanto do V.8 até o V.12 Ele fala especificamente aos discípulos. Ele mostra a diferença entre a verdadeira devoção a Deus e a falsa religiosidade, contrastando os falsos guias do povo que se opunham a Ele, com os verdadeiros guias espirituais, que devem ser os discípulos que Ele estava preparando e ensinando para exercerem a autoridade espiritual no futuro. É pelo seu próprio comportamento que eles devem interpretar o significado da mensagem que eles pregam.
Jesus dá início as censuras, falando da “cadeira de Moisés”, dos escribas e fariseus. Havia nas sinagogas uma cadeira em que se sentavam os rabis para ensinar, durante o culto. Os escribas e muitos dos fariseus eram, “doutores oficiais” da Lei em Israel. Depois de um longo período de preparação, alcançando o título oficial de “rabi”, em uma cerimônia com imposição de mãos, eles acreditavam chegar, através de uma ligação ininterrupta, até ao próprio Moisés, de quem receberam o ensino, a guarda da Lei e a autoridade para ensinar. Da associação de ideias da cadeira dos rabis nas sinagogas e da autoridade para ensinar a Lei de Moisés, surgiu a expressão “cadeira de Moisés”, utilizada por Jesus nessa passagem.
Quando Jesus fala ao povo em geral, para fazer e guardar tudo o que disseram os escribas e fariseus, Ele não está referindo-se aos seus ensinos de maneira absoluta, e nem está endossando-os. Ele está falando daqueles princípios fundamentais da Lei que eles ensinavam, por exemplo, a reverência a Deus e o respeito às Suas Leis, e ao amor ao próximo. Mas havia uma grande incoerência entre o que eles diziam e o que eles faziam. Jesus explica: “porque dizem e não fazem”. Eles assumiam uma grande responsabilidade ao anular, com o seu procedimento, aquilo que ensinavam com autoridade reconhecida oficialmente. A própria literatura rabínica continha este preceito sobre Levítico no Midrash: “O que ensina e não faz, melhor lhe seria não ter nascido”.
Além de não praticarem o que ensinavam, os escribas e fariseus dificultavam a observância da Lei tradicional com tantos preceitos criados, que impunham sobre o povo, a ponto de tornar impossível observá-los. Eles agiam como malvados condutores de camelo, que jogavam as cargas de qualquer jeito sobre os animais, e depois não faziam o mínimo esforço para ajeitá-las, afim de tornar mais cômodo o transporte para os camelos. Mas isto significa, em última análise, que eles mesmos não faziam o mínimo esforço para colocar, sobre seus próprios ombros, aquelas cargas, para carregá-las. Assim, Jesus os denuncia como infiéis ao que eles mesmos ensinavam.
No V.5, Jesus aponta o verdadeiro motivo deles praticarem as suas obras. A intenção era de serem notados pelos homens. Era questão de aparência, vaidade, hipocrisia. O que faziam eles? Alargavam os filactérios. Filactérios eram tiras de couro com inscrição de passagens bíblicas que os israelitas usavam na fronte e no braço esquerdo, para não se esquecerem da Lei do Senhor (Êxodo 13:9; Deuteronômio 6:8). As franjas eram fios pendentes das borlas que os israelitas deviam colocar nos quatro cantos das vestes (mantos quadrados ou retangulares) para se lembrarem dos mandamentos do Senhor (Números 15:38-39; Deuteronômio 22:12). Jesus não condena o uso dos filactérios ou das franjas, mas condena a intenção deles aumentarem as suas dimensões, com o fim de serem vistos pelos homens.
Outras censuras pelo mesmo motivo é a procura dos lugares mais importantes nas mesas dos banquetes; as primeiras cadeiras nas sinagogas, isto é, as que ficavam em lugar de destaque, sempre de frente para o povo; o andar vagarosamente pelas praças, com aparência de piedosos, à espera de saudações, e o serem chamados mestres pelo povo que lhes devotava tradicional respeito e reverencia, devidos à autoridade que tinham como líderes religiosos oficiais. O título de “Rabi”, que significa “Mestre” era motivo de grande orgulho para eles, como também o título de “pai”, porque geravam filhos quanto à religião tradicional, que criam resultar em vida eterna. Para eles, isto era mais do que ser pai biológico que gerava apenas a vida física.
V.8 - Vós, porém, não sereis chamados Rabi; porque um só é o vosso
Mestre, e todos vós sois irmãos.
V.9 - E a ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque um só é o vosso Pai,
aquele que está nos céus.
V.10 - Nem sereis chamados guias; porque um só é o vosso Guia, que é o Cristo.
V.11 - Mas o maior dentre vós há de ser vosso servo.
V.12 - Qualquer, pois, que a si mesmo se exaltar, será humilhado; e qualquer
que a si mesmo se humilhar, será exaltado.
Pelos exemplos de conduta dos escribas e fariseus que Jesus apontou nos Vs.5 a 7, percebemos que a religião deles consistia apenas de ostentar aparência de religiosidade. O que eles realmente faziam era chamar a atenção do público para o rigor com que cumpriam as suas obrigações religiosas, para comprovar, aparentemente, a sua profunda piedade. Em vista disso, Jesus exorta os seus discípulos a não seguirem o exemplo daqueles líderes judeus. Três títulos honoríficos são citados por Jesus, que não podem ser usados entre os Seus discípulos, isto é, na Sua igreja, a saber: Mestre, Pai e Guia (líder espiritual).
A igreja de Cristo não pode admitir outro Mestre. Todo ensino é proveniente d’Ele (I Coríntios 3:11; Gálatas 1:8; Efésios 2:19-22). Ninguém na igreja de Cristo deve aceitar a honra de ser chamado “Pai”, assim como ninguém pode honrar a outrem chamando-o com esse nome, “porque um só é o nosso Pai que está no céu”. Quem não atende a essa ordem de Jesus incorre em grande desobediência e blasfêmia. Também o tratamento de “Guia”, ou “líder espiritual”, não pode existir na comunhão do santos, porque um só é o nosso Guia, o Cristo (João 14:6).
Como se vê, o povo de Deus não pode aceitar duplicidade de orientação. Jesus deixou a palavra e o Espírito Santo para conduzirem a Sua igreja, e a promessa da Sua presença constante junto dos Seus discípulos (28:20b; cf Atos 20:32; João 13:15; I João 2:20-27). Para eliminar a ambição de superioridade entre os discípulos na igreja, Jesus deixou uma norma e um princípio a serem lembrados:
Norma: O maior dentre vós será vosso servo (cf Lucas 22:26).
Princípio: Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado (cf Provérbios 29:23).
V.13 - Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais aos homens o
reino dos céus; pois nem vós entrais, nem aos que entrariam permitis entrar.
V.14 - [Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque devorais as casas das
viúvas e sob pretexto fazeis longas orações; por isso recebereis maior condenação.]
V.15 - Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque percorreis o mar e a
terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas
vezes mais filho do inferno do que vós.
Em uma série de sete “Ais” comparáveis aos de Isaías 5:8-23; 10:1, e Habacuque 2:6ss, Jesus denuncia os escribas e fariseus. A expressão “ai de vós” traduz tanto o sentimento de ira, como de compaixão.
Jesus aplica o epíteto “hipócrita”, no Grego, “hupokritës” aos escribas e fariseus, palavra usada para descrever os atores do teatro grego, que usam uma máscara, para representarem um personagem que não correspondia ao que eles eram na vida real. Com isso, Jesus criou, não somente um termo usado frequentemente para censurar pessoas fingidas, como também imprimiu na mente popular um conceito dos fariseus que, ainda hoje, causa grande ressentimento entre os judeus.
Pelos segundo século da nossa era, alguns cristão aplicavam este conceito aos judeus em geral (Didachë 8:11). Mas não é necessário assumir que todo fariseu agisse premeditadamente, ou que fosse intencionalmente astuto ou enganador. Os próprios rabinos denunciavam muitos desses traços de caráter neles. Entre os próprios seguidores de Jesus houve muitos que o abandonaram por causa do rigor dos Seus ensinos e por não verem vantagens materiais em continuar seguindo-O (João 6:66). O Mestre sabia de tudo isso, porque Ele conhecia todas as cousas. Mas no caso dos “ais”, Ele está falando aos seus adversários mais acirrados, os escribas e fariseus daquela época, que dirigiam a vida espiritual do povo. Estes eram culpados de tudo quanto eram acusados. Em resumo, a religião deles era uma farsa.
A primeira acusação, que corresponde ao primeiro “ai”, é que eles serviam de pedra de tropeço para aqueles que procuravam entrar no reino de Deus. As muitas regras que eles impunham levavam as pessoas a recusarem tantas exigências, ou tornavam-nas pessoas incapazes de cumpri-las. Eles mesmo não as obedeciam. Assim, decepcionavam os outros com seu exemplo, e afugentavam-nos com seus ensinos agressivos. Lucas 11:52 acusa os escribas de fecharem as portas do conhecimento ao povo. Com isso, nem eles entravam, e nem deixavam entrar os que estavam entrando.
O V.14 não faz parte do texto original de Mateus, mas foi inserido no contexto, certamente para completar a série dos “ais”, que passa a ser de oito. Originalmente este ai se encontra em Marcos 12:40 e Lucas 20:47. Provavelmente a ideia de Mateus era usar o significativo número sete, como acontece em outras partes das Escrituras, como os sete selos, as sete trombetas, os sete trovões e os sete anjos de Apocalipse 6,8,9,10,11.
A prática denunciada nesta passagem refere-se à cobiça daquele arrogantes escribas e fariseus que usavam a sua posição privilegiada na sociedade, para explorar viúvas indefesas. Por serem considerados mestres das Escrituras, eles conseguiam envolver pessoas de boa fé, principalmente mulheres e órfãos, no tráfico de influência religiosa, alegando ser altamente favorecidos por Deus. Deste modo, eles as submetiam e as exploravam financeiramente. Isto é o que significava devorar as suas casas, isto é, espoliar os seus bens. E para justificar-se, faziam extensas orações nas praças, nas sinagogas e no Templo. Pessoas que procuram impor-se como guias religiosos, e se aproveitam da sua posição, para tirar vantagens, utilizando-se da piedade de outros, como fonte de lucro, receberão julgamento muito mais severo. Tal prática é devida à falta de amor e ao desprezo à justiça de Deus (cf Lucas 11:42; 20:47).
O próximo “ai” (V.15), que corresponde ao segundo da série dos sete “ais” de Mateus, refere-se à atividade dos escribas e fariseus, de fazerem prosélitos. Prosélito é o termo usado para descrever alguém convertido ao judaísmo. Difere dos “tementes a Deus”, como Cornélio (Atos 10:2,22) e outros que eram simpatizantes dos judeus e podiam até mesmo assistir aos cultos nas sinagogas, mas não eram circuncidados, e nem eram totalmente obedientes às Leis tradicionais dos judeus, como eram interpretadas pelos escribas e fariseus.
A religião judaica exercia uma certa atração sobre os gentios, especialmente por causa da crença num Deus único e por causa da moral, especialmente das mulheres, numa sociedade tão pervertida, como era a dos pagãos. Mas, por outro lado, os judeus sofriam uma forte repulsa, por causa do seu orgulho religioso e do espírito separatista próprio da raça. Todavia, na diáspora, eles eram mais simpáticos aos gentios e, lá, era bem maior o número de prosélitos e simpatizantes (cf Atos 13:16, 26, 43; 16:14; 17:4; 18:7). Em sua obra “Antiguidades” 20:2,4; 7:1-3 e em “Guerras Judaicas” II 20,22; VII 3,3, Josefo fala de inúmeros casos de adesão ao judaísmo, o que mostra a atividade proselitista dos judeus em geral. Mas em Israel, Jesus condena a atitude dos escribas e fariseus, pelo fato deles fazerem prosélitos do farisaísmo os quais, rotineiramente se tornavam ainda mais fanáticos do que eles próprios. É isto que significa a expressão “filhos do inferno, duas vezes mais do que vós”.
V.16 - Ai de vós, guias cegos! que dizeis: Quem jurar pelo ouro do santuário,
esse fica obrigado ao que jurou.
V.17 - Insensatos e cegos! Pois qual é o maior; o ouro, ou o santuário que santifica o ouro? V.18 - E: Quem jurar pelo altar, isso nada é; mas quem jurar pela oferta que
está sobre o altar, esse fica obrigado ao que jurou.
V.19 - Cegos! Pois qual é maior: a oferta, ou o altar que santifica a oferta?
V.20 - Portanto, quem jurar pelo altar jura por ele e por tudo quanto sobre eleestá;
V.21 - e quem jurar pelo santuário jura por ele e por aquele que nele habita;
V.22 - e quem jurar pelo céu jura pelo trono de Deus e por aquele que nele está assentado.
Era muito comum entre os judeus a prática do juramento e as diversas formas como era feito. De um modo geral, o juramento implicava em compromisso. Mas tal compromisso era flexível, podendo, até mesmo, ser cancelado, a não ser que envolvesse o nome de Deus. Neste caso, o judeu era obrigado a cumpri-lo a qualquer custo. Mas, do mesmo modo que foram criados tantos preceitos tradicionais para a interpretação da Lei de Moisés, preceitos que dificultavam a vida do povo (cf Atos 15:10), criaram-se também, várias maneiras de escapar ao cumprimento dos juramentos, sem quebrar a sua legitimidade.
Jesus censura os escribas e fariseus neste terceiro “ai” chamando-os de guias cegos e insensatos, porque eles não viam a incoerência do seu raciocínio, quando afirmavam que, quem jurar pelo santuário (pelo templo), isso nada é (não os obrigava a nada), mas se alguém jurar pelo ouro do santuário, fica obrigado pelo que jurou. O ouro corresponde aos vasos de ouro, ao candelabro de ouro e tudo o que fosse de ouro da decoração do Templo. Jesus explica essa incoerência, afirmando que o Templo é mais importante do que o ouro, porque ele santifica o ouro que está lá dentro, além do que, tal juramento envolve aquele que nele habita, que é Deus (cf II Crônicas 7:16; I Reis 6:13). Também, quando afirmam que se alguém jurar pelo altar (de holocaustos ou das ofertas queimadas) isso é nada, mas quem jura pela oferta que está sobre o altar fica obrigado pelo que jurou, então Jesus volta a explicar que quem jurar pelo altar, jura por tudo o que está sobre ele. Realmente, o altar santifica a oferta, para que ela possa ser oferecida a Deus (cf Êxodo 29:37). Igualmente, explica Jesus, quem jurar pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que está sentado no trono (cf Isaías 66:1).
Enfim, o que Jesus denúncia é a atitude dos escribas e fariseus, guias cegos e insensatos, que não viam a incoerência entre o que eles ensinavam, e a verdade de que todos aquele juramentos eram compromissados com Deus. Eram guias cegos, porque não tinham visão espiritual para guiar o povo de Deus. Insensatos, porque não tinham lógica em seu raciocínio. Apenas neste “ai”, os escribas e fariseus não são descritos como hipócritas, com tudo são apontados como “insensatos e cegos”. O correto mesmo é não jurar nem pelo céu, nem pela Terra, nem por cousa alguma, mas o homem íntegro diante de Deus tem uma palavra só que será ou “sim”, ou “não”, porque o que passar disso vem do maligno (5:33-37).
O Talmud tem dois tratados sobre esta técnica de minimizar ou de dispensar dos votos ou dos juramentos, onde se lê:
1 – Nadrin b, 14b: Aquele que faz voto pela Torah (Lei) isso não é nada, mais o que faz voto pelo que está escrito na Lei, fica obrigado pelo voto que fez.
2 – Shebuoth 4:13: Aquele que jurar pelo céu e pela terra, se jurar falsamente não é culpado de perjúrio.
V.23 - Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque dais o dízimo da hortelã,
do endro e do cominho, e tendes omitido o que há de mais importante na
lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; estas coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas.
V.24 - Guias cegos! que coais um mosquito, e engulis um camelo.
V.25 - Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque limpais o exterior do
copo e do prato, mas por dentro estão cheios de rapina e de intemperança.
V.26 - Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo, para que também o exterior se torne limpo.
A próxima censura, o quarto “ai”, que Jesus dirige aos escribas e fariseus, diz respeito ao interesse deles por detalhes, enquanto negligenciavam as coisas mais importantes. Jesus não está condenando o interesse pelas cousas pequenas, e nem sugerindo que elas devem ser desprezadas, quando se dá atenção às cousas maiores. Ele está afirmando que os escribas e fariseus deviam observar os grandes preceitos divinos, como a justiça, a misericórdia e a fé, com a mesma atenção que davam ao dízimo das cousas pequenas, como a hortelã, o endro e o cominho (cf Lucas 11:42; cp Mateus 15:5-9).
A Lei estabelecia o pagamento de dízimo de animais e dos produtos da terra (Levítico 27:30-33; Deuteronômio 14:22ss). Os rabinos levavam este preceito ao extremo. Por exemplo, o Talmud diz que: “Se alguém debulhar uma espiga de cevada, pode comer os grãos um a um, sem pagar o dízimo. Se, porém, os recolher na mão, deve pagar dízimo” (maasseroth IV 5). Jesus denúncia essas práticas como hipocrisia, porque as faziam para serem vistos pelos homens (6:1-6). Já os preceitos mais importantes, eles descumpriam, porque não faziam isso à vista do povo, mas na intimidade (cf 15:4-6). O que Mateus descreve como negligencia à justiça, à misericórdia e à fé, Lucas classifica como desprezo à justiça e ao amor a Deus. Jesus reprova essa atitude, pronunciando uma espécie de provérbio, do mosquito e do camelo, que pode ser compreendido pela frase: “Vocês coam a água (ou o leite) para não engolir o mosquito tão pequeno que nela caiu, mas são capazes de engolir um camelo, incomparavelmente maior”.
O quinto “ai” (V.25) refere-se às lavagens de purificação ritual de copos e pratos, descritas mais detalhadamente em Marcos 7:1-5 (ênfase no V.4). O Talmud reúne um verdadeiro código de preceitos e minúcias sobre essas purificações. O pensamento de Cristo desenvolve-se numa linha harmônica de censura à hipocrisia farisaica. Limpavam escrupulosamente o exterior daqueles objetos, mas não se preocupavam com o seu interior, que permanecia cheio de rapina e intemperança (Akassia, no Grego). Esta última palavra tem a conotação de incontinência ou sensualidade, como também de cobiça descontrolada de cousas alheias. Em outras palavras, eles não se incomodavam de comer o produto da sua injustiça (rapina) ou de alimentar a sua sensualidade. Lucas fala clara e diretamente do estado moral deles dizendo: “Vós fariseus, limpais o exterior do copo e do prato; mas o vosso interior está cheio de rapina (produto de roubo) e de perversidade” (Lucas 11:39). Jesus adverte que esta ambiguidade moral só pode ser eliminada com a limpeza (purificação) interior. Quando isto acontece, desaparece a hipocrisia, porque o interior e o exterior tornam-se um. Assim, a aparência reflete o que está no coração.
V.27 - Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque sois semelhantes aos
sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas por
dentro estão cheios de ossos e de toda imundícia.
V.28 - Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas por
dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.
V.29 - Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque edificais os sepulcros dos
profetas e adornais os monumentos dos justos,
V.30 - e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido
cúmplices no derramar o sangue dos profetas.
V.31 - Assim, vós testemunhais contra vós mesmos que sois filhos daqueles que mataram os profetas.
V.32 - Enchei vós, pois, a medida de vossos pais.
V.33 - Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno?
O V.27 continua descrevendo a hipocrisia dos escribas e fariseus. Este é o sexto “ai” da sequência de Mateus, que Jesus pronuncia sobre eles, censurando-lhes a vida moral. Números 19:16 declara ritualmente impuro todo aquele que tocar um morto, ou ossos de morto, ou até mesmo um sepulcro. Daí, provinha o costume de se pintarem com cal as sepulturas construídas sobre a superfície do solo, para ficarem bem visíveis e evitar que peregrinos inadvertidos as tocassem e se tornassem impuros, quando se dirigiam para as festas em Jerusalém. Jesus usa a figura dos sepulcros caiados de branco por fora, mas cheios de ossos de mortos e de toda imundícia por dentro, para descrever o estado moral dos doutores da Lei e dos guias religiosos do povo (escribas e fariseus) que pareciam ser justos diante dos homens, mas eram cheios de falsidade e de pecado.
Lucas usa a figura dos sepulcros construídos abaixo da superfície do solo, portanto invisíveis, “sobre as quais os homens pisam sem saber” (Lucas 11:44). O significado é o mesmo, isto é, os escribas e fariseus tinham um comportamento cheio de injustiça e imoralidade, que os homens não podiam perceber. O sétimo “ai” pronunciado por Jesus sobre os escribas e fariseus refere-se à hipocrisia contida do fato deles edificarem (restaurarem) os sepulcros dos profetas, e adornarem (embelezarem) os túmulos dos justos (V.29-30). Em Hebreus 11:36-38 encontramos o registro conservado pela tradição judaica de personagens justos e profetas que foram perseguidos e martirizados: Hanani (II Crônicas 16:10), Micaías (I Reis 22:27) e Jeremias (Jeremias 38:6ss) foram aprisionados, enquanto o profeta Urias foi executado por ordem do rei Jeoaquim. O profeta Isaías é o que foi cerrado pelo meio, a mandado do rei Manassés, segundo a tradição judaica (Hebreus 11:37).
Havia um verdadeiro culto idolátrico de veneração aos túmulos de personagens ilustres do passado de Israel, tais como os de Abraão, Sara, Isaque e Jacó, em Hebrom; de Raquel, próximo a Bele´m, de Davi e de vários profetas antigos em Jerusalém; de José nas proximidades de Naplusa, etc. Era costume adornar estas sepulturas, com representações feitas nas fachadas, se fossem sepulturas acima da superfície do solo, ou no Hipogeu, no caso de escavações subterrâneas nas rochas.
Todo esse culto aos sepulcros serviu de motivo para Jesus censurar os escribas e fariseus, que diziam que não teriam sido cúmplice de seus pais, se tiverem vivido naqueles tempos. Mas Jesus contradiz esta afirmação, dizendo que eles estavam comprovando que eram filhos dos que mataram os profetas, e agora eles deviam prosseguir nessa atitude até preencher a medida dos pais. Que medida é essa? É a medida da ira de Deus que será derramada sobre eles (cf Gênesis 15:16; I Tessalonicenses 2:16). Quando isto acontecer eles não escaparão da condenação do inferno. Esta declaração de Jesus não se refere ao lago de fogo, que virá após o juízo final (Apocalipse 20:11-14; 21:8).
Refere-se a destruição de Jerusalém e do Estado Judeu que haveria de acontecer ainda naquela geração, como de fato aconteceu, no ano 70 da nossa era (cf V.36). Esta foi a vingança de Deus por Israel ter rejeitado e matado o Messias (cf Lucas 21:22). Este é o sétimo “ai” da série de Mateus.
V.34 - Por isso, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A uns matareis
e crucificareis; a outros açoitareis nas vossas sinagogas e perseguireis de cidade em cidade;
V.35 - para que sobre vós recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra,
desde o sangue do justo Abel até ao sangue de Zacarias, filho de
Baraquias, a quem matastes entre o santuário e o altar.
V.36 - Em verdade vos digo que todas estas coisas hão de vir sobre a presente geração.
V.37 - Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram
enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha
ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!
V.38 - Eis que a vossa casa vos ficará deserta.
V.39 - Declaro-vos, pois, que, desde agora, já não me vereis, até que venhais a
dizer: Bendito o que vem em nome do Senhor!
O V.34 dá continuidade ao pensamento dos Vs.31 e 32, e explica como eles vão encher a medidas dos pais: é matando, crucificando, açoitando e perseguindo os profetas, sábios e escribas, enviados por Jesus. Isto é uma reprise do que acontecia no passado (cf II Crônicas 36:15-16, Lucas 11:49-50). Jesus já havia prevenidos os apóstolos sobre isso, bem antes, no Seu ministério (Mateus 10:17,23). No início da igreja, Estevão foi martirizado (Atos 7:54-60). Os apóstolos foram perseguidos e presos (Atos 4:1-22; 5:17-42; 12:1-3; 21:27-36; 23:12-15). Tiago, irmão de Jesus foi morto por Herodes Agripa I, cerca de 44 D.C.. Assim também, muitos outros, de que não temos notícia. E Jesus também parece estar incluído no sangue justo ou inocente, do V.35 (Lucas 11:49).
O V.35 esclarece que, como resultado da rejeição e das autoridades contra os enviados de Cristo e, evidentemente, contra Ele mesmo, vai recair sobre os Seus inimigos todo o sangue justo, isto é, sangue inocente (cf II Reis 21:16; 24:4; Jeremias 26:15) desde o justo Abel, até ao sangue de Zacarias, morto no pátio do Templo, entre o santuário e o altar. A ideia aqui é: desde a primeira, até a última vítima de homens malignos, registradas na Escritura. Não se trata aqui de ordem cronológica, mas de ordem dos registros, porque o caso de Abel está registrado no primeiro livro da Bíblia Hebraica, Gênesis 4:8 (cf I João 3:12), e o caso de Zacarias está registrado no último livro das Crônicas da Bíblia Hebraica (II Crônicas 24:20-21). Quanto ao nome “Baraquias”, que Mateus atribui ao pai deste Zacarias, é também o nome do pai do penúltimo dos profetas menores, que escreveu o livro do mesmo nome (cf Zacarias 1:1). Daí surgem hipóteses: ou o escritor do livro foi martirizado, ou o pai do primeiro Zacarias, que era o sacerdote Joiada, tinha também este nome de Baraquias. Mas nenhuma dessas hipóteses tem confirmação bíblica ou histórica.
Pronunciando duas vezes o nome de Jerusalém no V.37, Jesus demonstra, à maneira da eloquência semita, a intensidade do Seu afeto por aquela cidade que matou tantos profetas e apedrejou outros que lhe foram enviados, como tantas vezes quiseram matá-lO e apedrejá-lO, ou prendê-lO, e não o fizeram porque temeram o povo, e porque não era chegada a Sua hora (Mateus 21:46; João 5:18; 8:49,59; 10:31; 11:53).
Agora Ele deplora ter que predizer um acontecimento tão trágico, que viria sobre aquela cidade, apesar d’Ele ter tentado atraí-la para Si e protegê-la daquele infortúnio, como a galinha acolhe a sua ninhada debaixo de suas asas, e eles não quiseram.
“Eis que a vossa casa ficará desolada”, significa muito mais do que a destruição da cidade, mas que a glória de Deus deixaria aquele lugar (cf Jeremias 22:5; 26:6; Ezequiel 10:17).
O V.39 descreve o encerramento do ministério público de Jesus, segundo o plano do Evangelho de Mateus. Daqui por diante, Ele tem alguns dias a mais com os discípulos, até a quinta-feira à noite e estes acontecimentos deram-se na terça-feira. No domingo anterior ele havia entrado na cidade, ovacionado como Rei, Messias, Salvador (21:5) com as palavras: “Bendito o que vem em nome do Senhor”. Agora Ele se despede do povo que o rejeitou, prometendo voltar, quando será saudado com as mesmas palavras, mas não como Salvador, e, sim, como Juiz para julgar vivos e mortos (Atos 17:31).