A PRIMEIRA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES
MARCOS 6:30-44 (Mateus 14:13-21; Lucas 9:10-17; João 6:1-15)
V.30 – Voltaram os apóstolos à presença de Jesus e lhe relataram tudo quanto
haviam feito e ensinado.
V.31 – E ele lhes disse: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto;
porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem numerosos
os que iam e vinham.
V.32 – Então foram sós no barco para um lugar solitário.
Este milagre da multiplicação dos pães foi um dos acontecimentos mais impressionantes do ministério de Jesus. Aconteceu nos arredores de Betsaida, no lado oriental do mar da Galiléia, ou mar de Tiberíades. Foi depois da morte de João Batista e do retorno dos doze, da primeira viagem missionária (6:29-30).
Os discípulos mostravam-se visivelmente cansados depois dos dias durante os quais percorreram a pé o campo missionário. Por isso o Mestre levou-os a um lugar deserto, afastado, para que pudessem descansar. Eles não tinham tempo nem para alimentar-se, devido ao movimento de gente ao redor deles. Mateus e Marcos informam que eles se retiraram num barco. Lucas limita-se a dizer que Jesus levou-os à parte para a cidade de Betsaida, o que significa algum lugar afastado naquele distrito. João confirma que eles atravessaram o mar da Galiléia, evidentemente de barco, saindo das proximidades de Cafarnaum.
V.33 – Muitos, porém, os viram partir e, reconhecendo-os, correram para lá, a
pé de todas as cidades, e chegaram antes deles.
V.34 – Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles,
porque eram como ovelhas que não tem pastor. E passou a ensinar-lhes
muitas cousas.
A tentativa de encontrar um lugar solitário foi frustrada, porque muitos que estavam com eles viram-nos dirigindo-se de barco para a outra margem. Então correram para lá a pé e chegaram antes mesmo que eles. Mas o povo ia aumentando à medida que passavam pelas aldeias à beira do lago. Josefo informa que a Galiléia era densamente povoada, com duzentas e quatro cidades e aldeias, com mais de quinze mil habitantes cada uma, ou seja com mais de três milhões de habitantes, numa área de três mil e duzentos quilômetros quadrados, exceto vinte quilômetros quadrados de mar. Isto dá uma média aproximada de mil habitantes por quilômetro quadrado. De modo que, ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão. Qual foi a Sua reação? Devia despedi-los? Devia voltar para trás ou mudar de rumo? Evidentemente não! Antes, Ele compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. De fato, naqueles dias, havia muitos falsos mestres que se aproveitavam do povo. Além desses, havia os principais líderes do povo que deviam agir como pastores, mas não tinham interesse de assumir este posto. Nas sinagogas, o que se ouvia era a repetição viciosa e tradicional dos ensinos de famosos rabinos, mas não era como Jesus ensinava e que o povo reconhecia ser o verdadeiro ensino.
Lucas informa que Jesus “acolheu” as multidões, isto é, recebeu-as com boas-vindas e, não só passou a ensinar-lhes sobre o reino de Deus, como também curava os necessitados (Lucas 9:11). Mateus 14:14 informa que Ele “curava os enfermos”, isto é, restaurava o vigor dos enfraquecidos daquela multidão. João dá uma informação importante ao dizer que a multidão O seguia porque tinha visto os sinais que Ele fazia na cura de enfermos (6:2).
V.35 – Em declinando a tarde, vieram os discípulos a Jesus e lhe disseram: É
deserto este lugar, e já avançada a hora;
V.36 – despede-os para que, passando pelos campos ao redor e pelas aldeias,
comprem para si o que comer.
V.37 – Porém ele lhes respondeu: Dai-lhes vós mesmos de comer. Disseram-lhe:
iremos comprar duzentos denários de pão para lhes dar de comer?
V.38 – E ele lhes disse: Quantos pães tendes? ide ver. E, sabendo-o eles,
responderam: Cinco pães e dois peixes.
Um diálogo interessante travou-se entre Jesus e os discípulos. Isto ocorreu ao declinar do dia, quando a hora tornou-se avançada, segundo Marcos e Lucas. Mateus informa que já era no crepúsculo (“opsias”, no texto grego, Mateus 14:15). Os discípulos chegaram-se a Jesus, rogando-Lhe que despedisse as multidões para que fossem pelas aldeias ao redor e buscassem alojamento e alimento para comer (Lucas 9:12). Jesus lhes respondeu: “Dai-lhes vós mesmo de comer”. Isto é o que consta nos sinóticos. Mas o Evangelho de João esclarece que a questão foi engendrada por Jesus mesmo, para experimentá-los (João 6:5-6). Ao ver a multidão aproximar-se, Ele perguntou a Filipe: “Onde compraremos pães para lhes dar a comer?”. Não há contradição entre os relatos. Tanto o Evangelho de João como os sinóticos, querem mostrar que Jesus estava apontando aos discípulos a oportunidade deles porem em prática os dons que receberam quando foram comissionados para serem Seus representantes (cf Mateus 10:7-8; Marcos 6:12-13; Lucas 9:1-2). Mas eles não entenderam isso, porque ainda tinham os olhos fechados, os ouvidos tapados e os corações endurecidos (cf Marcos 8:14-21).
Tudo indica que eles ouviram o diálogo de Jesus com Filipe, a julgar pela proposta feita ao Mestre: “Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes”. E pelo valor da mercadoria, duzentos denários (Marcos 6:37; João 6:7). Foi André quem informou a Jesus que no meio da multidão havia um rapaz que tinha os cinco pães e os dois peixes (cp Mateus 14:17; Marcos 6:38; Lucas 9:13 e João 6:8-9). Pedro, André e Filipe eram daquela região (João 1:44). Pode ser que eles conhecessem o rapazinho.
V.39 – Então Jesus lhes ordenou que todos se assentassem em grupos sobre a
relva verde.
V.40 – E o fizeram, repartindo-se em grupos de cem em cem e de cinquenta em
cinquenta.
V.41 – Tomando ele os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos ao céu, os
abençoou; e, partindo os pães, deu-os aos discípulos para que os
distribuíssem; e por todos repartiu também os dois peixes.
V.42 – Todos comeram e se fartaram;
V.43 – e ainda recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixe.
V.44 – Os que comeram dos pães eram cinco mil homens.
Os discípulos não mostraram aptidão para providenciar alimento para as multidões mas, sob a orientação de Jesus, puderam organizá-las fazendo-as sentarem-se em grupos de cem e de cinquenta, conforme o depoimento de Marcos (6:40) e de Lucas (9:14). Tomando-se a média de setenta e cinco pessoas por grupo, e um total de dez mil pessoas, incluindo cinco mil homens e mais cinco mil mulheres e crianças juntas, teríamos cerca de cento e trinta e três grupos bem distribuídos, reclinados sobre a relva verde. Imaginem o povo vestido com vestes coloridas próprias para assistir às festividades da Páscoa, cobrindo a encosta da montanha, num clima agradável daquela estação de primavera, provavelmente no mês de abril, ainda iluminados pelo sol que se punha do outro lado do mar e o céu colorido com matizes que só Deus pode criar, produzindo um espetáculo maravilhoso, digno do milagre que o filho de Deus estava para realizar.
Tomando os cinco pães e os dois peixes, elevando os olhos ao céu, deu graças, como fez na ceia (cf I Coríntios 11:24), passou a partir os pães e distribuí-los aos discípulos, e estes, ao povo. Nem a multidão percebeu e nem os discípulos explicaram como se deu a multiplicação dos pães. Cerca de trinta anos mais tarde, quando os três primeiros Evangelhos foram escritos e cerca de pelo menos sessenta anos depois, quando foi escrito o Evangelho de João, nenhum dos evangelistas tocou nesse ponto. Ao que parece, Jesus partia aqueles cinco pães e os distribuía com os peixes de modo tão natural que ninguém poderia interpretá-lo como milagreiro ou manipulador. No casamento em Caná, Ele não tocou em qualquer utensílio, nem na água. Foi como a farinha na panela da viúva de Sarepta e o azeite da sua botija (I Reis 17:14-16). Ninguém sabe e ninguém viu. Isto é milagre que só Deus pode fazer!
Afinal, todos comeram e se fartaram. Sobraram doze cestos de tamanho portátil (kophinoi), que os judeus usavam para levar alimento nas viagens. Era muito mais do que os cinco pães e os dois peixes iniciais.
Alguns intérpretes gostam de tirar lições espirituais de certos por menores. Por exemplo, os grupos de cem ou de cinquenta representam o tamanho ideal das igrejas que funcionam melhor com um número menor de membros. Os doze cestos que sobraram e que os discípulos carregaram significam o alimento que cada um dos discípulos deve levar ao mundo. A organização dos grupos de cem e cinquenta podem representar o planejamento de uma obra missionária.
Com base nos textos dos Evangelhos referentes a este milagre podemos informar que a fraseologia dos sinóticos, no que respeita ao partir do pão, aponta para a ceia do Senhor (Mateus 26:26; Marcos 14:22; Lucas 22:19). Já o Evangelho de João relaciona o milagre da alimentação das multidões com a realidade espiritual em que Jesus é o Pão da Vida (João 6:22-59).
Uma observação importante sobre a sequência dos acontecimentos deste milagre é que:
1 – Jesus compadeceu-se da multidão.
2 – Curou os seus doentes e fortaleceu os enfermos (os enfraquecidos).
3 – Passou a ensinar-lhes.
4 – Por último alimentou o povo.