HERODES ANTIPAS E JOÃO BATISTA
MARCOS 6:14-29 (Mateus 14:1-12; Lucas 9:7-9)
A história da morte de João Batista envolve apenas cinco pessoas, mas é uma trama complicada e de longo alcance.
Herodias, mulher de Herodes Antipas, era filha de Aristóbulo, um dos filhos do rei Herodes, o Grande, e de Mariane, da família dos Hasmoneus. Herodias, anteriormente, era casada com Filipe, filho de Herodes, o Grande, com outra mulher, também chamada Mariane, a betusiana. Portanto, Filipe era meio-irmão do pai de Herodias e era também seu tio. Deste casamento veio Salomé, a que dançou na festa.
Herodes Antipas, o protagonista dessa história, chamado tetrarca (cf Lucas 9:7), era filho do rei Herodes, o Grande, com uma terceiramulher, chamada Maltace, a samaritana. Antipas era casado com uma princesa árabe, filha do rei dos nabateus. Certa vez, este Herodes Antipas foi a Roma e, visitando Filipe, seu irmão, que era casado com Herodias, convenceu-a de abandonar Filipe e casar-se com ele. A princesa nabatéia, sentindo-se humilhada, fugiu para a casa de seu pai que ficou envergonhado com o que aconteceu.
Este incesto de Antipas, e muitas outras maldades que ele havia feito,foi o motivo que levou João Batista a denunciá-lo publicamente (cf Lucas 3:18-20; Levítico 18:16,20).
Os Herodes constituíam uma família complicada, não só do ponto de vista social, mas também, do ponto de vista psicológico. Herodes, o Grande, pai de todos os que levam este nome, foi o rei que promoveu a chacina das crianças de Belém, quando soube que lá havia nascido o Rei dos Judeus (Mateus 2:1-18). Dos sete filhos que teve, Matou três, de medo de perder o trono. Das suas cinco principais mulheres, também fez executar Mariane, descendente dos Hasmoneus e a mãe dela, Alexandra, por causa de intrigas na corte. Os dois filhos que teve com Mariane dos Hasmoneus, Alexandre e Aristóbulos, matou-os com as próprias mãos.
Mas a sua ficha criminal vinha de longe. Logo que subiu ao trono, exterminou a suprema corte dos judeus, o sinédrio. Depois, sem explicação, mandou matar trezentos juízes de outras cortes. Mas o seu final foi ainda mais tétrico, porque se tornou um criminoso patológico, assassinando em série, muitos membros da própria família. Seu filho mais velho, Antipater, foi assassinado também por suas próprias mãos, pouco antes da sua morte, quando descobriu que foi ele quem criou a trama que o fez matar os outros dois filhos. Depois disto, o último ato que reflete o seu verdadeiro caráter foi uma ordem para matar, após a sua morte, um certo número de pessoas da nobreza, culpadas de uma pequena insurreição em Jerusalém, as quais estavam confinadas no hipódromo da cidade.Mas o verdadeiro motivo desta ordem era o seu desejo de que houvesse grande pranto em Jerusalém, no dia da sua morte, pois ele estava convencido de que por sua causa ninguém se lamentaria.
Voltando ao nosso texto:
A primeira comissão dos doze apóstolos de Jesus causou um impacto tão grande entre o povo, que chegou com enorme repercussão aos ouvidos do rei Herodes Antipas, tetrarca da Galiléia, mencionado nesta passagem.
O V.14 fala de como alguns do povo interpretavam a pessoa de Jesus, por saberem de tudo quanto seus apóstolos haviam feito e ensinado (Marcos 6:30). Pensavam que Ele fosse João Batista ressuscitado. Esta é uma opinião errada. Mas, por meio dela, percebe-se a influência do ministério daquele profeta sobre o povo e, também, que Jesus ainda não era considerado como devia. Outros diziam que Ele era Elias em pessoa, uma interpretação literal da profecia de Malaquias 4:5. Mas ela não devia ser interpretada assim, porém, como Lucas a interpreta em 1:15-17, 76-79, isto é, como um personagem de características semelhantes a Elias, aquele profeta vigoroso. A opinião mais acertada era a daqueles que o consideravam um dos profetas, embora ainda não o reconhecessem como o Messias, isto é, o Cristo.
Herodes, porém, ao ouvir as notícias a respeito de Jesus, ficou atormentado, perguntando-se a si mesmo: “Eu mandei decapitar a João; quem é, pois este...?” (Lucas 9:9). Esta pergunta é sugestiva porque revela uma inquietação do tetrarca nestes termos: Se eu não queria executar João, mas o executei por causa Herodias, que deverei fazer com este desconhecido que se levanta agora em lugar de João?
V.17 – Porque o mesmo Herodes, por causa de Herodias, mulher de seu irmão
Filipe, porquanto Herodes se casara com ela, mandara prender a João e
atá-lo no cárcere.
V.18 – Pois João lhe dizia: Não te é lícito possuir a mulher de teu irmão.
V.19 – E Herodias o odiava, querendo matá-lo, e não podia.
V.20 – Porque Herodes temia a João, sabendo que era homem justo e santo, e
o tinha em segurança. E quando o ouvia ficava perplexo, escutando-o de
boa mente.
Herodes tinha mandado prender João Batista no cárcere e o mantinha em segurança por causa de Herodias. Ela odiava o profeta, querendo matá-lo e não podia. Esta sua intenção era resultado da denúncia pública que João fizera de Herodes Antipas, por ter-se casado com ela, que era mulher de seu irmão, Herodes Filipe. Antipas e Filipe eram filhos do mesmo pai, Herodes o Grande, com duas mães diferentes, Maltace, a samaritana, e Mariane, a betusiana respectivamente. Herodes Antipas era tetrarca, isto é, governador de uma quarta parte do território deixado por seu pai. Ele tinha o epíteto de rei, apenas popularmente, porque não tinha nem o título oficial e nem dignidade real. Mas era ambicioso e pretendia conseguir este status.
V.21 – E, chegando um dia favorável em que Herodes no seu aniversário
natalício dera um banquete aos seus dignitários, aos oficiais militares e
aos principais da Galiléia,
V.22 – entrou a filha de Herodias, e, dançando, agradou a Herodes e aos seus
convivas. Então disse o rei à jovem: Pede-me o que quiseres e eu to
darei.
V.23 – E jurou-lhe: Se pedires mesmo que seja a metade do meu reino, eu ta
darei.
V.24 – Saindo ela, perguntou a sua mãe: Que pedirei? Esta respondeu: a cabeça
de João Batista.
V.25 – No mesmo instante, voltando apressadamente para junto do rei, disse:
quero que, sem demora, me dês num prato a cabeça de João Batista.
Enfim chegou a oportunidade para Herodias alcançar o objetivo de eliminar da face da Terra o precursor do Messias. Somente, ela não sabia que estava sendo usada por Deus para cumprir os Seus desígnios. O próprio João Batista havia profetizado o seu fim (João 3:29-30).
Foi na festa de aniversário de Herodes, em que estavam presentes convidados muito importantes para o banquete, como os nobres da corte, os oficiais militares e os chefes de famílias da Galiléia. O toque principal desta festa foi a entrada em cena de Salomé (nome informado por Josefo), que chegou dançando e provocou a admiração, tanto de Herodes, como dos convidados. Tratava-se de uma menina graciosa, com idade máxima de 12 anos, segundo pesquisa mais recentes, contrariamente à afirmação de ser ela uma jovem sensual, de movimentos provocantes como os da dança dos sete véus. Isto teria provocado mal estar entre os próprios convidados que eram pessoas seletas.
A reação de Herodes, ao prometer-lhe um presente, mesmo que fosse a metade do seu reino, mostra ternura de um homem de caráter duro, mas condescendente, diante da ingenuidade e da inexperiência de uma jovenzinha, ao que parece, encantadora. Foram estas características da menina que a levaram a recorrer à mãe, sobre o que pedir. Herodias não perdeu a oportunidade e usou a filha para realizar o seu intento pedindo a cabeça de João Batista.
V.26 – Entristeceu-se profundamente o rei; mas, por causa do juramento e dos
que estavam com ele à mesa, não lha quis negar.
V.27 – E, enviando logo o executor, mandou que lhe trouxessem a cabeça de
João. Ele foi e o decapitou no cárcere,
V.28 – E, trazendo a cabeça num prato, a entregou à jovem, e esta, por sua
vez, a sua mãe.
V.29 – Os discípulos de João, logo que souberam disto, vieram, levaram-lhe o
corpo e o depositaram no túmulo.
O rei ficou profundamente entristecido, porque ele não esperava e não desejava tal pedido, mas, em virtude da promessa feita diante de uma plateia tão excelente, ele não podia voltar atrás, como era a lei entre os orientais. Por isso ele ordenou a execução do profeta, e a sua cabeça foi trazida àquela inocente que a entregou à mãe, numa cena de terror que a infanta jamais teria imaginado.
Os discípulos de João vieram e sepultaram o profeta e, em seguida, foram anunciá-lo a Jesus (Mateus 14:12). Provavelmente eles se tornaram Seus discípulos.
Herodes foi punido pelo rei dos nabateus (rei Aretas – II Coríntios 11:32) que pelejou contra ele, infligindo-lhe uma grande derrota e invadindo o seu território. Nessa ocasião ele foi a Roma pedir ajuda contra Aretas e reivindicar o título de rei no lugar de tetrarca. Mas as circunstâncias não o favoreceram, e o imperador achou o seu pedido insolente. Então ordenou que ele fosse sozinho para exílio na Gália (França atual). Herodias, porém, insubordinou-se à ordem imperial e acompanhou-o resoluta e solidariamente. Salomé casou-se, depois, com o tetrarca Filipe, filho de Herodes o Grande e sua última esposa, chamada Cleópatra de Jerusalém. Este Filipe era seu tio por parte de pai e tio avô por parte de mãe.
O martírio de João Batista, inserido neste contexto, explica por quê Jesus retirou-se com seus discípulos para um lugar deserto, à parte,fora do território governado por Herodes (cf Mateus 14:13). O que se poderia esperar de um monarca inconstante e de uma mulher maligna, que traziam antecedentes familiares tão perversos? Nosso Senhor retirou-se sensatamente porque a Sua hora não havia chegado, e Ele tinha um ministério a cumprir.
OBSERVAÇÃO
As informações sobre nomes e fatos não registrados nos Evangelhos são retiradas das obras do historiador Flavius Josephus. Judeu, nascido em Jerusalém, no ano 37 ou 38 D.C., pertencia à aristocracia da família sacerdotal e recebeu esmerada educação que abrangia tanto a história e a cultura judaicas, como a cultura helenística. Aos dezesseis anos, dirigiu-se aos Essênios e permaneceu entre eles durante três anos no deserto do Negeb, aprendendo doutrinas e praticando a vida ascética. De volta a Jerusalém, juntou-se aos saduceus, mas os ensinos recebidos dos Essênios levaram-no a preferir os fariseus. Aos vinte e seis anos de idade foi a Roma, onde conheceu o grande poderio militar do império, ficando convencido da impossibilidade de sucesso de qualquer levante dos judeus contra os romanos.
Voltando para Jerusalém, encontrou o povo em rebelião. Não conseguindo dissuadi-lo dessa intenção, viu-se forçado a compactuar com eles, contra o seu próprio pensamento. Mas quando a guerra estourou, ele foi designado governador da Galiléia, província que os romanos atacariam em primeiro lugar. Embora não tivesse aptidão para o comando militar, a influência de amigos e as exigências políticas fizeram-no assumir o posto. Certa vez, fugindo dos romanos, foi cercado com sua armada nas proximidades do lago de Genezaré, no ano 67 D.C.. Os judeus resistiram corajosamente por quarenta e sete dias, até que Tito, comandante romano, os tomou de assalto numa fortaleza, sob intenso nevoeiro, e massacrou os soldados cansados que ali a defendiam. Josefo fugiu para uma caverna. Com sua costumeira habilidade, salvou da morte a sua vida. Os romanos, descobrindo-o em seu esconderijo, tomaram-no e o levaram sem nenhum ferimento à presença de Vespasiano, comandante em chefe das tropas do império. Utilizando-se da sua perspicácia, profetizou ao general supersticioso que ele se tornaria o imperador romano. Isto realmente aconteceu. De tal maneira engraçou-se Josefo diante do militar, que este o levou cativo na sua comitiva para Alexandria. Tendo sido libertado por seu captor, adotou o nome da família dos Flavius, conforme o costume dos escravos romanos.
Voltando com Tito à Palestina, tornou-se mediador entre romanos e judeus e, também, o intérprete da língua aramaica para Tito. Após a queda de Jerusalém que ele testemunhou pessoalmente (70 D.C.), foi para a “Parada Triunfal” em Roma, acompanhando o vitorioso general Tito, filho de Vespasiano. Ali viveu o restante de seus dias, gozando de altos favores e da prodigalidade da casa imperial, isento da ansiedade de bens materiais do mundo. Agora ele estava livre e apto para dedicar-se à carreira literária.
Suas obras são:
1 – GUERRAS JUDAICAS – escrita antes de 79 D.C. em sete volumes, a começar
do período de Antioco Epifânio (175 A.C.) até o cerco e a queda de
Jerusalém em 70 D.C. e as consequências da rebelião.
2 – ANTIGUIDADES (dos Judeus) – escrita antes de 94 D.C. em vinte volumes. É o
relato integral da história da raça, desde o início, até a guerra de 66 D.C.
3 – ALTA ANTIGUIDADE DOS JUDEUS – tratado escrito em dois volumes,
conhecido desde Jerônimo como (CONTRA APION). É a defesa da fé
hebraica contra as acusações do paganismo. Ao mesmo tempo que ele faz a
apologia da religião mosaica, ele procede ao criticismo das religiões pagãs.
4 – VIDA ou AUTO-BIOGRAFIA – sua última obra, é uma reflexão dos seus velhos
tempos na Galiléia e dos seus últimos dias na corte imperial em Roma.