sábado, 10 de janeiro de 2015

A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO

                                        A PARÁBOLA DO FILHO PRÓDIGO
                                                         LUCAS 15:11-32

Entre as parábolas mais apreciadas de Jesus, encontra-se esta, a do “Filho Pródigo” considerada por alguns, como a mais refinada de todas e também, considerada como o melhor relato breve do mundo. Visto que a divisão da Bíblia em capítulos e versículos, e a divisão em trechos com títulos que resumem os seus conteúdos não foram feitos pelos escritores inspirados, muitos estudiosos das Escrituras propõem títulos que acham mais apropriados para certos trechos. Assim, para a parábola do “Filho Pródigo” já foram propostos outros títulos como: “O Pai que Espera”; “Parábola Dos Dois Filhos” (cp Mateus 21:28-31); “Parábola do Filho Perdido” e “Parábola do Pai Amoroso”. A verdade é que nem Jesus e nem os escritores dos Evangelhos deram nome as parábolas. Eles simplesmente trazem as histórias ao conhecimento dos discípulos para que estes alcancem mais amplo conceito da natureza de Deus.

V.11 - Continuou: Certo homem tinha dois filhos;
V.12 - o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me cabe.
            E ele lhes repartiu os haveres.
V.13 - Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era
           seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens,
           vivendo dissolutamente.

Nesta parábola estão envolvidas três pessoas: um pai e dois filhos que são os seus únicos herdeiros.
O processo da posse de uma herança em Israel era algo complicado. Os filhos só poderiam entrar na posse da propriedade, mediante a morte do pai. Mas havia permissão para o pai fazer doação de parte da herança aos filhos, se ele o desejasse. Era até permitido aos filhos venderem as suas partes, mas o comprador só poderia tomar posse após a morte do doador. O filho mais moço, usando dessa prerrogativa, pediu ao pai a imediata liberação dos bens a que ele tinha direito, e o pai atendeu-o sem relutância.
Juntando tudo o que era seu, ele partiu para uma terra distante, o que significa que ele queria ficar longe da influencia do pai, visando um novo tipo de vida, em liberdade. O filho mais velho permaneceu em casa. Aqui, Jesus contrasta dois tipos de pessoas. O filho mais velho, um tipo; o filho mais moço, outro tipo. O primeiro representa os fariseus. O segundo representa os publicanos e pecadores.
Falando da fuga do mais moço, Jesus está concordando que os publicanos e pecadores tinham-se afastado dos caminhos de Deus. Com tanto dinheiro disponível, este filho foi atraído por tanta cousa que ele queria ver e fazer e passou a viver uma vida desregrada, até perder tudo quanto tinha. Phillips descreve a sua atitude, dizendo que “ele dissipou todos os seus bens na mais selvagem extravagância”.

V.14 - Depois de ter consumido tudo, sobreveio àquele país uma grande fome, e
           ele começou a passar necessidade.
V.15 - Então, ele foi e se agregou a um dos cidadãos daquela terra, e este o
           mandou para os seus campos a guardar porcos.
V.16 - Ali, desejava ele fartar-se das alfarrobas que os porcos comiam; mas
           ninguém lhe dava nada.

Depois de esgotados todos os recursos daquele jovem insensato, sobreveio uma calamidade natural. A fome grassou naquele país. Sem dinheiro e sem amigos que pudessem ajudá-lo, pois todo o povo sofria aquelas circunstâncias, ele começou a sentir dificuldade para suprir as necessidades vitais. Alimentos escassos e preços elevados eram justificativa plausível para que ninguém o ajudasse.
Tendo abandonado o lar paterno e a sua pátria, ele teve que juntar-se a alguém daquele povo estranho que veio a conhecer. Foi nessas condições de extrema necessidade que ele teve de submeter-se à proposta de um cidadão que lhe deu uma oportunidade: ir para o seu campo “guardar porcos”. Para um judeu, isto era o máximo da impureza, uma imundícia, e ele deve ter caído em desespero, só de pensar nisso (cf Levítico 11:7-8). Há um provérbio rabínico que dizia: “Maldito seja o homem que criar porcos” (Baba kamma 8:22b).
Aceitando a proposta, ele chegou ao ponto mais distante da trajetória que o afastava da casa do pai. Mas, também, era uma porta que se abria, para ele começar a pensar no retorno. O extremo da sua degradação está no fato dele desejar comer da própria ração dos porcos. Essa ração era a alfarroba, tipo de feijão encontrado nas vagens da alfarrobeira. Era uma semente escura, coberta de uma poupa branca de sabor adocicado e até certo ponto agradável (talvez como o ingá). Além de ser muito apreciada por animais, era também consumida por pobres. Seu nome popular era “locusta” (gafanhoto) ou pão de São João. Diz-se que isto era o “gafanhoto” de que João Batista se alimentava no deserto (cf Mateus 3:4; Marcos 1:6).
Se o rapaz chegou a comer alfarrobas, não fica claro no texto porque a expressão “mas ninguém lhe dava nada” pode ser traduzida por: “mas também, ninguém dava nada”, ou seja, ninguém de fora lhe dava nada. Daí, é possível deduzir que o seu patrão lhe garantiu algo para subsistência, embora não fosse o suficiente para ele se fartar, ou ele comeu das alfarrobas que também não eram suficientes para extinguir totalmente a fome.

V.17 - Então, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm pão
           com fartura, e eu aqui morro de fome!
V.18 - Levantar-me-ei, e irei ter com o meu pai, e lhe direi: Pai, pequei contra o
           céu e diante de ti;
 V.19 - já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus
           trabalhadores.

A partir do V.17, notamos um elemento distinto entre esta parábola e as duas anteriores, nas quais os bens perdidos, a ovelha e a moeda são diligentemente procurados por uma pessoa, o pastor e a mulher. Agora trata-se de uma pessoa, o filho mais moço que, deliberadamente se afastou da casa paterna, tomando rumo desconhecido, sem deixar ao pai nenhuma pista do lugar para onde ia. Isto impedia o velho pai, na parábola, entenda-se bem, de tomar a iniciativa de mandar buscá-lo. Por isso, ele só poderia guardar ansiosamente a esperança da sua volta (Confira V.20 que diz que o pai o avistou de longe e correu para recebê-lo com beijos e abraços).
A intenção de voltar ao lar ocorreu num momento de introspecção, quando ele caiu em si e considerou a sua condição presente, cuidando de porcos imundos, empregado de um patrão gentio estranho ao seu povo, morrendo de fome, enquanto os empregados do seu pai tinham alimento suficiente para comer e armazenar para o futuro (cf perisseuö e correlatos no Grego). Que diferença do tempo em que ele viva em casa. Ele não culpou ninguém pelo que aconteceu. A situação criada era de sua própria responsabilidade. Mas como corrigir o erro para assegurar um futuro melhor? Então ele resolveu voltar ao pai, confessar o pecado que cometera contra Deus (contra o céu) e contra ele pessoalmente, e também pediria que o pai o tratasse como um dos seus empregados, porque ele perdera a dignidade de filho que tinha antes.

V.20 - E, levantando-se, foi para seu pai. Vinha ele ainda longe, quando seu pai
           o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou.
V.21 - E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou
           digno de ser chamado teu filho.

A intenção de voltar não ficou só na imaginação. O jovem levantou-se e foi para seu pai. A cena da chegada é comovedora. Ao que parece, o pai olhava diariamente para o caminho, a ver se vislumbrava a figura do filho. Quando isso aconteceu, o velho apressou-se ao seu encontro, precipitou-se sobre seus ombros, e queria sufocá-lo com seus beijos.

V.22 - O pai, porém, disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa,
           vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés;
V.23 - trazei também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos,
V.24 - porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi
          achado. E começaram a regozijar-se.

Quando o filho iniciou a confissão que exprime o seu arrependimento, o pai interrompeu-o e deu ordens aos seus servos a respeito dele. O que o pai ordenou mostra que o filho recebeu alvíssaras que ele não merecia e não esperava, e também, que ele não foi tratado como um simples empregado assalariado. O pai ordenou que o vestissem com a melhor roupa, a mais fina e limpa, digna de hóspedes honrados, no lugar daquela que ele usava como tratador de porcos; que lhe pusessem um anel no dedo, símbolo da dignidade de filho e de opulência; que lhe pusessem sandálias nos pés, para entrar na casa calçado adequadamente, pois ele chegara descalço. Ainda mais, o pai mandou matar o novilho cevado, aquele tratado com todo o cuidado na cocheira, diferente dos garrotes rústicos do pasto, reservado especialmente para uma festa à altura do acontecimento.
A alegria naquela casa era intensa, pois o pai dizia: “Comamos e regozijemo-nos”. Jesus também confirma: “E começaram a regozijar-se”. Mas não podia ser de outro modo! E o pai explica por quê: “porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado”.
A descrição da alegria nesta parábola é mais enfática do que nas duas anteriores, porque não se trata de exemplo da vida comum, como acontece em todas as parábolas. A pessoa do filho tem mais valor do que a ovelha ou a dracma perdida. Mas, em se tratando do ensino espiritual, a alegria é a mesma, porque é salvação de um pecador.

V.25 - Ora, o filho mais velho estivera no campo; e, quando voltava, ao
           aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
V.26 - Chamou um dos criados e perguntou-lhe que era aquilo.
V.27 - E ele informou: Veio teu irmão, e teu pai mandou matar o novilho
           cevado, porque o recuperou com saúde.
V.28 - Ele se indignou e não queria entrar; saindo, porém, o pai, procurava
           conciliá-lo.
V.29 - Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo sem jamais
           transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para
           alegrar-me com os meus amigos;
V.30 - vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com
           meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado.

Durante a ausência do filho mais novo, o mais velho permanecia sob o teto do pai, esforçando-se para não violar nenhuma regra, para observar as tradições, vivendo uma vida rigorosa e escrupulosa, achando que merecia pelo menos um cabrito para festejar com seus amigos. Ele estava revoltado porque cuidava do campo do pai, enquanto o outro cuidava de porcos em território alheio. Por isso, não queria entrar na casa e participar da alegria da festa. Ele sentia-se ofendido, em vista do dano moral e material causado pelo irmão, agora recebido com tão boas-vindas. E o pai foi até ele, tentando conciliá-lo. Espiritualmente ele estava tão longe do pai, como seu irmão estivera. Eles se constratavam entre si, como os dois irmãos da parábola de Mateus 21:28-32. O mais velho, enciumado, ao receber informação de um dos criados sobre o motivo da festa com cantos, danças e com sons instrumentais, tipificava bem a posição dos fariseus, diante da acolhida que Jesus deu aos publicanos e pecadores (V.1-2).  

 V.31 - Então, lhe respondeu o pai: Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o
           que é meu é teu.
V.32 - Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos,
           porque esse teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi
           achado.

As palavras do pai ao filho mais velho mostram a mesma ternura com que ele acolheu o mais moço. Ele estava satisfeito com a permanência dele em casa, e tinha-o constituído co-participante de todas as propriedades e de todos os seus negócios. Além do mais, o que havia sido estabelecido em acordo, continuava valendo (tu sempres estás comigo, tudo o que é meu é teu). O pai confessa que ama o filho pródigo que volta arrependido, do mesmo modo que ama a ele também, e procura convencê-lo de que a volta daquele filho é motivo de alegria e que ele deve entendê-lo como se fosse a sua volta à vida, ou a recuperação de um bem muito precioso que havia sido alienado.
Desde que nesta parábola o filho mais velho representa os fariseus, e o mais novo representa os publicanos e pecadores, devem-se observar os seguintes detalhes:
  1. A alegria na festa da volta do pródigo, representa o acolhimento que Jesus dá aos  publicanos e pecadores nos V.1 e 2.
  2. A revolta do filho mais velho representa a murmuração dos fariseus e escribas no V.2,  contra Jesus, condenando-O e comentando entre si em alta voz.
  3. A ida do pai para fora de casa, para procurar conciliá-lo, representa a vinda de Jesus,  como enviado de Deus, para tentar a reconciliação dos fariseus e escribas com Deus.
  4. Sobre a argumentação do pai, dizendo que o filho estava morto e reviveu, estava perdido  e foi achado, confira Efésios 2:1-5 e Lucas 19:9-10.

OBS: É oportuno observar, no V.25, que a palavra “música” não comparece no texto original de Lucas. Jesus usou a palavra “sinfonia” (symphönia). É fácil entender por quê. A palavra “música” nunca foi usada em toda a Bíblia, por nenhum dos escritores inspirados, porque ela faz alusão às “musas”, divindades mitológicas gregas que eram inspiradoras das belas artes em geral, e também ao deus “Músico”, que é o mesmo deus Baco dos romanos, ou Dionísio dos gregos, o deus do vinho. Jesus não iria usar essa palavra, porque Deus proibiu introduzir o nome de qualquer deus pagão, ou qualquer traço dos seus cultos na adoração em Israel (cf Êxodo 23:13; Deuteronômio 12:29-32; Salmo 16:4). Se Jesus tivesse usado esse termo, os fariseus teriam-nO acusado com razão        (cf Salmo 16:4). O que acontece é que muitas traduções não observam esse preceito. Nos próprios títulos dos Salmos, onde aparece esta palavra, a tradução não confere com o original hebraico. Por exemplo, onde aparece traduzido: “ao músico mor” ou “ao mestre de música”, o correto é: “ao mestre de canto” etc..
A palavra “música” entrou para o vocabulário da igreja, como sinônimo de louvor, por influência do culto de Baco nos primeiros séculos da igreja, quando a música era tributo de louvor a esse deus. Os seus adoradores chamados “bacantes” saíam pelas ruas das cidades, à noite, embriagados, cantando ao som de instrumentos musicais (cf Efésios 5:18; I Tessalonicenses 5:5-7; I Pedro 4:3).  
A tradição consagrou esse termo e hoje o conceito de louvor é o mesmo de música, e ninguém tem vontade de eliminar esta tradição. Hoje, a música é um monstro sagrado intocável, dentro da igreja, aceito como expressão de cultura, mas é, também, o maior estigma do humanismo no meio de um povo que deve ser totalmente devotado a Deus. Para distinguir música de louvor é necessário muito discernimento espiritual porque música som sem mensagem a Deus. O louvor é produzido por Deus nos seus filhos, quando eles estão cheios do Espírito Santo (Efésios 5:19; Hebreus 13:15).
A música é uma arte humana, comparável a escultura (cf Atos 17:23a, 29), que consiste em organizar os sons, e utilizá-los para exprimir as emoções e as paixões da alma, segundo a definição da arte musical, cousa que Deus nunca pediu para sua adoração, nem no Tabernáculo, nem no Novo Testamento. Os instrumentos musicais foram introduzidos e tolerados por Deus, somente mais tarde, após a construção do Templo de Jerusalém por Salomão.
Resumindo, como técnica humana, a música é comparável à escultura ou à pintura, em que o artista trabalha com a matéria prima criada por Deus, no caso, a pedra ou as cores, para produzir cousas da sua imaginação (Atos 17:29). Mas ninguém pensa em levar um artista ao culto de adoração para esculpir uma estátua ou pintar um quadro em louvor a Deus, porque isto Ele não pede e não aceita. O mesmo acontece com a música, ou sons musicais. O que Deus quer é o sacrifício de louvor que é fruto de lábios que confessam o seu nome (Hebreus 13:15).