A CRUCIFICAÇÃO
MARCOS 15:22-32 (Mateus 27:33-44; Lucas 23:33-43; João 19:17-27)
V.22 - E levaram Jesus para o Gólgota, que quer dizer Lugar da Caveira.
V.23 - Deram-lhe a beber vinho com mirra, ele, porém, não tomou.
V.24 - Então o crucificaram, e repartiram entre si as vestes dele,
Lançando-lhes sorte para ver o que levaria cada um.
V.25 - Era a hora terceira quando o crucificaram.
V.26 - E, por cima estava, em epígrafe, a sua condenação: O REI DOS JUDEUS.
V.27 - Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita,
e outro à sua esquerda.
V.28 - [E cumpriu-se a Escritura que diz:
Com malfeitores foi contado.]
V.29 - Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo:
Ah! Tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas!
V.30 - Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz.
V.31 - De igual modo os principais sacerdotes com os escribas, escarnecendo,
entre si diziam: Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se;
V.32 - desça agora da cruz o Cristo, o Rei de Israel, para que vejamos e
creiamos. Também os que com ele foram crucificados o insultavam.
Os Evangelhos não dão detalhes do percurso seguido por Jesus para chegar ao local da crucificação. Mas outras fontes informam que os romanos escolhiam um longo trajeto para que o condenado fosse visto pelo maior número possível de pessoas, que deviam tomar aquilo por advertência. Era um espetáculo dantesco, mais triste e impressionante do que um cortejo fúnebre. Um soldado, à frente, carregava um cartaz em que estava inscrita a causa da condenação. E mais tarde ele era afixado ao topo do madeiro.
Lucas descreve em seu Evangelho uma cena que se passou no caminho, com as seguintes palavras: “Seguia-o numerosa multidão de povo, e também mulheres que batiam no peito e o lamentavam. Porém Jesus, voltando-se para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas e por vossos filhos. Porque dias virão em que se dirá: Bem-aventuradas as estéreis, que não geraram nem amamentaram. Nesses dias dirão aos montes: Caí sobre nós, e aos outeiros: cobri-nos. Porque, se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco? E também eram levados outros dois, que eram malfeitores, para serem executados com ele” (Lucas 23:27-32). Estas mulheres seguiam Jesus bem de perto, batendo no peito, lamentando-o. Era a compaixão na expressão da sensibilidade feminina, mais do que do discernimento dos tempos. Talvez fosse até um ritual oportuno ligado às obras meritórias do legalismo. Mas o Filho de Deus, como Castelo Forte, Rocha da Nossa Salvação, sendo atendido e fortalecido na súplica que fez quando agonizava no Getsêmani, não atentando para as cousas que sofria, era capaz de advertir aquelas mulheres quanto ao futuro dos que o conduziam à paixão e à morte. Por isso ele explica: Se um inocente é levado a suportar tão grande sofrimento como a lenha verde que não serve para ser queimada mas estão queimando, qual não será o fim dos culpados pela sua condenação? Certamente será tanto maior quanto o fogo produzido pela lenha seca própria para ser queimada. Naqueles dias as mulheres sentir-se-iam melhor se fossem estéreis e não tivessem filhos por quem chorar. Menor sofrimento haveria em ser soterrado por uma avalanche caindo dos montes, do que suportar o que sobreviria a Jerusalém. De fato, quando estudamos o capítulo treze deste Evangelho, vimos o que foi a grande tribulação para os judeus na invasão da cidade pelos romanos, no ano 70 DC.
Mas estas palavras de Jesus alcançam toda a humanidade impenitente, porque ele não estava ali somente por causa dos que o mataram naquele dia, isto é, os principais sacerdotes, os anciãos, os escribas, o traidor, Pilatos, a multidão, os soldados romanos e outros coniventes. Mas todos nós estávamos implicados no seu sofrimento e na sua morte, por causa dos nossos pecados individuais. Ele estava ali exatamente propiciando a solução da dívida pessoal de cada um para com Deus, porque “todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixar impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Romanos 3:23-26).
Portanto, a oportunidade está aberta para todo homem de bom senso, amante da verdade, antes que a ira de Deus venha definitivamente sobre os que não amam a vinda do Senhor Jesus, quando igualmente eles dirão aos montes: Caí sobre nós, e aos outeiros: Cobri-nos, que o sofrimento será menor.
O local da crucificação, denominado Gólgota, Calvário e Lugar da Caveira, nos Evangelhos, não pode ser identificado atualmente com precisão, embora haja dois pontos apresentados como prováveis. Do mesmo modo, não se pode reconstituir perfeitamente a crucificação com base nos relatos sagrados. Mas há duas possibilidades aceitas como costumeiras na época.
A primeira é que Jesus tivesse carregado a cruz inteira desde o início da Via Dolorosa, até chegar ao Calvário. Neste caso ele teria sido cravado de mãos e pés, nela deitada no chão. Só depois o madeiro teria sido levantado e assentado no lugar definitivo. Para evitar que se rasgassem as mãos no baque do assentamento, havia uma espécie de selim para apoio dos pés, que suportava o peso do corpo.
Este apoio auxiliava na elevação da cruz, mas prolongava o sofrimento da vítima que acabava morrendo de fraqueza, fome e sede depois de até uma semana de tortura e agonia. Quando o peso do corpo era suportado pelos braços, e não pelo selim, os músculos provocavam a asfixia, e a morte era mais rápida. Por isso era costume quebrarem-se as pernas dos condenados que tinham os pés cravados e apoiados, evitando assim um sofrimento prolongado. Mas isto não aconteceu com Jesus (cf. João 19:31-37).
A outra possibilidade é que Jesus tenha carregado apenas a peça horizontal que constitui os braços da cruz. Neste caso a parte vertical já se encontrava fincada no lugar definitivo da crucificação. Então a parte horizontal era instalada no ato de cravar o condenado. Muitas vezes eram pregadas somente as mãos com pregos rústicos da época chamados “cravos”, enquanto os pés eram simplesmente amarrados sobre um apoio. Mas no caso de Jesus foram traspassados tanto os pés quanto as mãos, conforme a profecia do Salmo 22:16, confirmada em Lucas 24:39-40.
Amigos, simpatizantes, mulheres piedosas e até mesmo seguidores de Jesus podem ter sido aqueles que prepararam vinho com mirra para lhe oferecer. A mirra era entorpecente, e por isso ele recusou. Não convinha que esta espécie da anestesia viesse a anular os sofrimentos que ele ainda devia suportar para a nossa redenção. Aqui está um alerta para aqueles que pregam o “evangelho facilitado”, no qual a graça de Deus é oferecida a baixo custo, isto é, sem os cuidados necessários para desenvolver a verdadeira fé na pessoa e na obra redentora de Cristo, que Deus exige para a salvação. Pouco antes de expirar, Jesus aceitou que lhe dessem a beber vinagre, mas sem entorpecente, porque tinha sede. E assim se cumpriu mais uma profecia a seu respeito (João 19:28-30; Salmo 69:21). Os soldados, que tinham direito de se apossar daquilo que o réu tivesse sobre o corpo, dividiram entre si as peças do seu vestuário. Mas a túnica que não tinha costuras e não podia ser retalhada porque era muito cara, foi decidida por sorteio, cumprindo-se a profecia do Salmo 22:18, confirmada em João 19:23-24.
Eram nove horas da Sexta Feira da Paixão, quando Jesus foi crucificado. No alto da cruz estava afixada a epígrafe com a acusação que o levou à morte: “O Rei dos Judeus”, e que, nada mais era, senão a expressão da verdade que ele confirmou diante de Pilatos, dizendo: “... para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade...” (João 18:37). Na sua glória, à sua direita e à sua esquerda, lugares cobiçados por Tiago e João, ficaram aqueles para quem estava preparado, isto é, dois ladrões que os discípulos não puderam ver, a não ser João, porque estavam foragidos (cf. João 19:26-27).
O Redentor foi incluído entre os malfeitores por aqueles que o julgaram, cumprindo-se a profecia de Isaías 53:12. Todos podiam conferir isto naquele espetáculo grotesco que mal se pode imaginar. Ele consentiu que isto acontecesse para salvar o mundo que Deus amou, mundo que não o conheceu. A justiça divina exigia aquele sacrifício tão merecedor e de tão alto preço, a favor do pecador. A sua graça e a sua misericórdia a favor dos que não merecem são maiores do que todos os sofrimentos envolvidos neste processo.
É como diz o Espírito na boca do profeta: “...ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar...” (Isaías 53:10).
Qualquer um que passasse por aquele caminho do Calvário haveria de ver sobre a colina três cruzes em pé. De um lado estava crucificado um ladrão, do outro lado, outro ladrão, e no meio, o Filho de Deus, o Rei dos judeus. Diante deste quadro que resume a atuação de Deus na história da humanidade para redimir todo o universo, eram diferentes as atitudes dos que ali estavam e dos que por ali passavam. De longe, as mulheres que vieram da Galiléia olhavam para o Mestre com tristeza e desesperação. Os que estavam mais próximos, que com ele foram crucificados, o insultavam. Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: “Ah! Tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz”. De igual modo, os principais sacerdotes com os escribas, escarnecendo entre si, diziam: “Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se; desça agora da cruz, o Cristo, o rei de Israel, para que vejamos e creiamos”.
Alguém disse no passado: “Porque Jesus não desceu da cruz é que cremos nele”. De fato ele já havia previsto que a sua morte seria assim. Era esta a maneira dele atrair todos para si mesmo, como está escrito; “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo” (João 12:32). Era importante que ele fosse levantado num madeiro, do mesmo modo que Moisés levantou a serpente no deserto, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna (cf. João 3:14-15). Deus demonstrou assim a intensidade do seu amor pelo mundo, e não há nada que ele não queira fazer para resgatar o pecador. É no fato dele ter oferecido o seu Filho Unigênito para morrer numa cruz maldita e vergonhosa que podemos medir o tamanho do seu amor pelo homem, pois ali ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si, carregando ele mesmo sobre o seu corpo os nossos pecados. Assim foi que ele venceu e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz (Colossenses 2:15).