sábado, 13 de abril de 2013

CAPÍTULO 8


CAPÍTULO  8

 

V. 1 - Naqueles dias, quando outra vez se reuniu grande multidão,

          e não tendo eles  que comer, chamou Jesus os discípulos e lhes disse:

V. 2 - Tenho compaixão desta gente, porque há três dias

          que permanecem comigo e não têm o que comer.

V. 3 - Se eu os despedir para suas casas em jejum, desfalecerão pelo caminho;

           e alguns deles vieram de longe.

V.  4 - Mas os seus discípulos lhe responderam:

          Donde poderá alguém fartá-los de pão neste deserto?

V.  5 -E Jesus lhes perguntou: Quantos pães tendes?

          Responderam eles: Sete.

V.  6 -Ordenou ao povo que se assentasse no chão. E, tomando os sete pães,

          partiu-os, após ter dado graças, e os deu aos seus discípulos

          para que estes os distribuíssem, repartindo entre o povo.

V.  7 -Tinham também alguns peixinhos; e, abençoando-os,

          mandou que estes igualmente fossem distribuídos.

V.  8 -Comeram e se fartaram; e dos pedaços restantes

          recolheram sete cestos.

V.  9 -Eram cerca de quatro mil homens. Então Jesus os despediu.

V.10 -Logo a seguir, tendo embarcado juntamente com seus discípulos,

          partiu para as regiões de Dalmanuta.

 

O capítulo 8 do Evangelho de Marcos está colocado numa posição estratégica da narrativa. Ele parece situar-nos diante de uma plataforma da qual está sendo lançado um foguete para as regiões celestiais. Pois, a partir dos acontecimentos narrados aqui, observamos um crescimento cada vez maior dos discípulos no conhecimento do Mestre, através da compreensão da sua pessoa e dos ensinos a respeito da sua obra redentora.

Embora o segundo milagre da multiplicação dos pães pareça semelhante ao primeiro, há diferenças fundamentais entre eles. Enquanto o primeiro aconteceu em território dos judeus da Galiléia, este aconteceu em Decápolis, um território considerado praticamente de gentios. A multidão que se reuniu a Jesus desta vez era de outros sentimentos, pois já fazia três dias que estava com ele, o que significa uma forte motivação espiritual. Eles não estavam em busca de pão, mas de Jesus mesmo, enquanto os do primeiro milagre saíram à procura dele por causa de comida. O que levou Jesus a alimentar o povo desta vez foi o mesmo sentimento de compaixão que ele teve da outra vez, mas agora ele demonstra cuidado especial com aqueles que vieram de longe e não podiam ser despedidos em jejum. Para os discípulos permanecia o mesmo clima de apreensão: “Donde poderá alguém fartá-los de pão neste deserto?” Eles não se lembraram do que Jesus fez na outra vez, porque não entenderam o significado. Mas também eles não eram incrédulos como os fariseus. Tratava-se apenas de uma questão de tempo para tudo se resolver, uma vez que eles perseveravam em seguir o Mestre. A proporção do pão multiplicado nos dois milagres é diferente. Na primeira vez, entre os judeus, foi de cinco pães para cinco mil homens. Desta vez, entre os gentios, foi de sete pães, para quatro mil, quase o dobro. As sobras recolhidas na primeira vez foram doze cestos dos pequenos, e desta vez foram sete cestos grandes, conforme se pode ver na língua original em que o texto foi escrito. Com isto Marcos quer mostrar em seu Evangelho que Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Servo do Senhor, tem poder e habilidade para alimentar também todos os gentios, e com abundância. Verdadeiramente ele é o pão que desceu do céu.

 

V.11 - E, saindo os fariseus, puseram-se a discutir com ele;

           e, tentando-o, pediram-lhe um sinal do céu.

V.12 - Jesus, porém, arrancou do íntimo do seu espírito um gemido,

           e disse: Por que pede esta geração um sinal? Em verdade vos digo que

           a esta geração não se lhe dará sinal algum.

V.13 - E, deixando-os, tornou a embarcar e foi para o outro lado.

V.14 - Ora, aconteceu que eles se esqueceram de levar pães e,

           no barco, não tinham consigo senão um só.

V.15 - Preveniu-os Jesus, dizendo: Vede, guardai-vos

           do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes.

V.16 - E eles discorriam entre si: É que não temos pão.

V.17 - Jesus, percebendo-o, lhes perguntou:

           Por que discorreis sobre o não terdes pão? ainda não considerastes,

           nem compreendestes? tendes o coração endurecido?

V.18 - tendo olhos, não vedes? e, tendo ouvidos, não ouvis? não vos lembrais

V.19 - de quando parti os cinco pães para os cinco mil,

           quantos cestos cheios de pedaços recolhestes? Responderam eles: Doze.

V.20 - E de quando parti os sete pães para os quatro mil,

           quantos cestos cheios de pedaços recolhestes? Responderam:Sete.

V.21 - Ao que lhes disse  Jesus: Não compreendeis ainda?

 

O segundo milagre da multiplicação dos pães não havia ainda despertado a compreensão dos discípulos a respeito do Mestre. Por isso ele pergunta: “...tendes o coração endurecido? tendo olhos não vedes? e, tendo ouvidos, não ouvis?...Não compreendeis ainda?” Embora a questão tenha sido levantada em forma de pergunta, Jesus está afirmando que estes fatos são reais. A razão deles não entenderem as suas palavras era mesmo a dureza de coração. Este problema revela a condição espiritual dos discípulos, comparável à daquele surdo e gago que foi curado. E agora voltam aqueles fariseus cuja má vontade os levava àquele estado de incredulidade. Diante de uma situação  como esta, que Deus não tolera, foi que Jesus arrancou do íntimo do seu espírito um gemido. O sinal que eles pediram não tem lugar no propósito de Deus para incrédulos. Mas uma cousa é certa: Aqueles discípulos ainda com corações endurecidos não podiam ficar expostos à influência dos fariseus. Um outro perigo que podia ameaçar a confiança dos discípulos no Mestre era a força política de Herodes. Foi por isso que Jesus falou:

“...guardai-vos do fermento dos fariseus e do fermento de Herodes”. Os discípulos mostraram mais uma vez a sua incompreensão, interpretando esta parábola como pão e fermento de pão.

A causa de alguém não compreender as palavras de Cristo é uma deficiência espiritual que ele diagnostica nos versos 17 e 18: “coração endurecido”, “cegueira” e “surdez espiritual”. Mas Jesus cura também estas enfermidades, como veremos a seguir.

 

V.22 - Então chegaram a Betsaida; e lhe trouxeram um cego,

           rogando-lhe que o tocasse.

V.23 - Jesus, tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia e,

           aplicando-lhe saliva aos olhos e impondo-lhe as mãos,   

           perguntou-lhe: Vês alguma cousa?

V.24 - Este, recebendo a vista, respondeu:

           Vejo os homens, porque como árvores os vejo, andando.

V.25 - Então novamente lhe pôs as mãos nos olhos,

           e ele, passando a ver claramente, ficou restabelecido;

           e tudo distinguia de modo perfeito.

V.26 - E mandou-o Jesus embora para casa, recomendando-lhe:  Não entres na aldeia.

 

Com este milagre, Marcos nos coloca frente a um dos pontos altos da narrativa do seu Evangelho. Acura do cego em duas etapas mostra exatamente como Jesus vinha tratando do problema dos discípulos. Assim como o cego numa primeira etapa passou a ver os homens e a interpretá-los como simples árvores em movimento, assim também os discípulos passariam a conhecer uma parte do caráter messiânico de Cristo, o que já lhes permitiria aceitá-lo como o Redentor de Israel. Mas ainda não poderiam compreender perfeitamente em que consistia a sua missão, e como a vida de um apóstolo ou de um discípulo está relacionada com a missão de Cristo. E, do mesmo modo que o cego passou a ver perfeitamente numa segunda etapa do milagre, aos discípulos também seria dado compreender toda a verdade sobre o Messias, quando eles estivessem totalmente curados. Também eles veriam claramente o homem, o valor que Deus dá ao ser humano, e como isso está relacionado com o Messias, com a sua missão aqui na Terra, e com a própria missão dos apóstolos. Mas esta segunda etapa do milagre só aconteceu depois da ressurreição, quando eles alcançaram plena convicção de tudo.

 

V.27 - Então Jesus e seus discípulos partiram para as aldeias de Cesaréia de Felipe;

           e, no caminho, perguntou-lhes: Quem dizem os homens que sou eu?

V.28 - E responderam: João Batista; outros: Elias; mas outros: Algum dos profetas.

V.29 - Então lhes perguntou: Mas vós, quem dizeis que eu sou?

           Respondendo, Pedro lhe disse: Tu és o Cristo.

V.30 - Advertiu-os Jesus de  que a ninguém dissessem tal cousa a seu respeito.

 

A cura do surdo e gago de Decápolis e a do cego de Betsaida mostram como Jesus vinha realizando a obra nos seus discípulos, de modo que eles chegassem à convicção, embora imperfeita por enquanto, de que ele é o Messias. Mas, afinal, esta compreensão veio também através de uma revelação de Deus. Apesar deles terem andado todo aquele tempo com o Mestre e de terem visto tudo o que ele fazia, isto ainda não bastava para a compreensão correta que precisavam ter dele.

Pelo simples processo  intelectual é impossível alguém chegar a esse conhecimento, a essa compreensão, porque as conclusões da mente acontecem em nível humano, de carne e sangue, enquanto que o Filho de Deus precisa ser interpretado do ponto de vista de Deus. É por isso que Mateus relata o episódio da confissão de Pedro do seguinte modo:

“Indo Jesus para as bandas de Cesaréia de Felipe, perguntou a seus

 discípulos: Quem diz o povo ser o Filho do Homem? E eles responderam:

 Uns dizem: João Batista; outros: Elias; e outros: Jeremias, ou algum

 dos profetas. Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?

 Respondendo Simão Pedro , disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.

 Então Jesus lhe afirmou: Bem -aventurado és, Simão Barjonas, porque

 não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai que está nos céus”

(Mateus 16:13-17).

O discípulo não pode conhecer o Mestre do mesmo modo que o não- discípulo, ou do modo que as multidões o conhecem. As multidões vêm procurá-lo, mas não o seguem. Elas o querem para satisfação das necessidades materiais, mas não o buscam para a prosperidade da alma. Por isso Deus dá aos discípulos a revelação necessária para que eles o conheçam como o Cristo de Deus, e não, como o Cristo dos homens.

 

V.31 - Então começou ele a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem

            sofresse muitas cousas, fosse rejeitado pelos anciãos,

            pelos principais sacerdotes e pelos escribas,

            fosse morto e que depois de três dias ressuscitasse.

V.32 - E isto ele expunha claramente. Mas Pedro,

           chamando-o à parte, começou a reprová-lo.

V.33 - Jesus, porém, voltou-se e, fitando os seus  discípulos,

           repreendeu a Pedro, e disse: Arreda ! Satanás,

           porque não cogitas das cousas de Deus, e, sim das dos homens.

 

Nestes versos estão contidos ensinos muito importantes a respeito da missão do Messias, que os discípulos precisavam saber. Conhecer o Messias como o Cristo de Deus significa, em primeiro lugar, que não se deve interpretá-lo como um grande milagreiro, e também não basta compará-lo a algum dos profetas. É necessário conhecer o significado da sua morte, e ser solidário com ela. Afinal, por que Jesus teve que morrer? A resposta está contida na mensagem fundamental do evangelho em 1Corintios 15:3, conforme palavras do apóstolo Paulo: “... Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras”. Mas é preciso conhecer também o significado da sua ressurreição. Por que Cristo ressuscitou? Em romanos 4:25 Paulo afirma que Cristo ressuscitou “...por causa da nossa justificação”. O que significa isto? Significa que todo aquele que olha para o Cristo ressuscitado e tem fé no poder de Deus que o ressuscitou dos mortos, alcança justificação por meio desta fé.

Todavia, mesmo depois de ter dado o grande passo no conhecimento de Cristo, através da revelação que receberam de Deus, os discípulos ainda não entendiam que ele veio para sofrer e morrer. Em certos aspectos, a idéia que eles faziam do Messias era a mesma idéia das multidões. E talvez com um certo sentimento de comoção, o próprio Pedro que havia reconhecido em primeiro lugar quem é Jesus, passou a reprová-lo pelos ensinos que acabavam de receber sobre a sua missão futura. Mas eles precisavam compreender isto! Por esta razão Pedro foi repreendido severamente na presença de todos os outros discípulos e eles tiveram oportunidade de presenciar como Satanás age por meio daquele que interpreta Jesus do ponto de vista humano, e não do ponto de vista divino.

 

V.34 - Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes:

           Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.

V.35 - Quem quiser, pois, salvar a sua vida, perdê-la-á; e quem perder a vida

           por causa de mim e do evangelho, salvá-la-á.

V.36 - Que aproveita ao homem, ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?

V.37 - Que daria um homem em troca de sua alma?

V.38 - Porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim

           e das minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele,

           quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos.