CAPÍTULO 7
V. 1 - Ora, reuniram-se a Jesus os fariseus e
alguns escribas, vindos de Jerusalém.
V. 2 - E, vendo que alguns dos discípulos dele
comiam o pão com as mãos impuras,
isto é, por lavar
V. 3 - (pois os fariseus e todos os judeus,
observando a tradição dos anciãos,
não comem sem lavar cuidadosamente
as mãos;
V. 4 - quando voltam da praça, não comem sem se
aspergirem;
e há muitas outras cousas que
receberam para observar,
como a lavagem de copos, jarros e vasos de
metal [e camas]),
V. 5 - interpelaram-no os fariseus e os
escribas: Por que não andam
os teus discípulos de conformidade
com a tradição dos anciãos,
mas comem com as mãos por lavar?
V. 6 - Respondeu-lhes: Bem profetizou Isaías, a
respeito de vós, hipócritas,
como está escrito:
Este povo honra-me com os lábios, mas o seu
coração está longe de mim.
V. 7 - E em vão me adoram, ensinando doutrinas que
são preceitos de homens.
V. 8 - Negligenciando o mandamento de Deus,
guardais a tradição dos homens.
Esta é mais uma situação
especial do ministério de Jesus que Marcos registra para mostrar a sua
habilidade, também especial, de tratar com problemas complicados. Não é somente
pelo poder e pela autoridade que ele revela nessas ocasiões, que nós
reconhecemos a sua divindade. É também pela maneira impecável que ele se conduz
em meio a um ambiente social e religioso minado por preconceitos e regras
capazes de fazer tropeçar qualquer ser humano, por mais precavido que fosse.
Quanto às forças naturais, ele já demonstrou o poder de controlar até a
gravidade, andando sobre o mar. Agora ele enfrenta uma situação crítica dos
inimigos pertinazes, escribas e fariseus, que voltam a fazer oposição ao seu
ministério, lançando contra seus discípulos e, evidentemente contra ele, uma
acusação pública de desobediência à Tradição dos Anciãos.
Estes seus adversários vinham
criando uma série de controvérsias relacionadas com a sua conduta. Eles vinham
observando as suas atitudes sistematicamente como temos visto, desde os
capítulos 2 e 3 deste Evangelho. As
críticas que faziam a Jesus eram geralmente baseadas na tradição religiosa que
cultivavam, a chamada “Tradição dos Anciãos”, que nada mais era do que um
conjunto sem fim de preceitos religiosos, aplicados a todas as áreas da conduta
humana. Os judeus acreditavam que esses preceitos foram entregues a Moisés no
Monte Sinai, e que os profetas os transmitiram inalteradamente a cento e vinte
homens chamados “A Grande Sinagoga” e, assim por diante, eles foram repassados
a anciãos e a rabinos autorizados. Deste modo, a Tradição tinha para os judeus
o mesmo valor da Lei de Moisés. Com esse conjunto de regras os escribas levantavam
uma enorme barreira contra a Lei de Deus, favorecendo a inclusão de preceitos
para regulamentar todos os atos humanos. Foi daí que resultou a atitude
legalista do judeu para com a Lei de Deus, de modo a enfatizar a letra, e a
desprezar o espírito da Lei. Nos versos 3 e 4 temos o exemplo da lavagem ritual
observada segundo a Tradição, para purificação de objetos, e também a lavagem
das mãos e a aspersão do corpo. É importante notar que tais práticas nada
tinham a ver com medidas de higiene, mas eram meras cerimônias religiosas que,
quando não praticadas, resultavam em pretenso pecado para o faltoso. Foi neste
ponto que os fariseus e os escribas se apegaram para denunciar a atitude dos
discípulos de Jesus, como quebra da tradição dos anciãos , por comerem sem
observar o rito da lavagem das mãos.
Jesus responde a essas acusações, fazendo uma aplicação da profecia de
Isaías, bem adequada às atitudes deles. Havia uma discrepância evidente entre
aquilo que eles aparentavam ser e aquilo que eles realmente eram. Guardar a
Tradição dos Anciãos era uma maneira aparente de servir a Deus, sem o
compromisso íntimo da verdadeira adoração. Daí a razão de Jesus chamá-los
hipócritas e afirmar no verso 6: “Bem profetizou Isaías, a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo
honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. Aparentemente
eles honravam a Deus com suas palavras. Isto, porém, estava em total
desacordo com o que se passava no coração deles. Seu comportamento era oposto
às suas atitudes mentais. A reverência que demonstravam exteriormente não
correspondia ao sentimento que traziam no interior. O que se passava com eles
agora era semelhante ao que se passava nos dias do profeta, quando se
praticavam rituais frívolos e sem significado, como se isso agradasse a Deus.
Mas Jesus ainda leva a censura a um grau de maior seriedade, quando cita outras palavras do profeta no verso 7: “Em
vão me adoram, ensinando preceitos de homens”.
Ainda que
houvesse sinceridade na intenção dos fariseus e dos escribas, a sua adoração e
as suas observâncias não tinham nenhum significado para Deus, e a posição deles
era insustentável, tendo em vista que os seus ensinos eram preceitos humanos, e
por isso careciam de autoridade.
V. 9 - E disse-lhes ainda: Jeitosamente
rejeitais o preceito de Deus
para guardardes a vossa própria
tradição.
V.10 -
Pois Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe, e:
Quem maldisser a seu pai ou a sua
mãe, seja punido de morte.
V.11 -
Vós, porém, dizeis: Se um homem disser a seu pai ou a sua mãe:
Aquilo que poderias aproveitar de
mim é Corbã, isto é, oferta para o Senhor,
V.12 -
então o dispensais de fazer qualquer cousa em favor de seu pai ou de sua mãe;
V.13 -
invalidando a palavra de Deus pela vossa tradição que vós mesmos transmitistes;
e fazeis muitas outras cousas
semelhantes.
Nestes últimos versos percebemos como os escribas e os fariseus usavam
recursos, por exemplo o Corbã, para introduzir preceitos da Tradição,
invalidando a palavra de Deus. Assim tiravam proveito próprio, desobrigando-se
de obedecer a Deus. A Lei de Moisés ordena aos filhos que honrem os pais. Isto
significa que além do carinho, do respeito e da consideração que deviam ter
pelos progenitores, eles deviam também cuidar dos pais, tanto na velhice, como
em casos de necessidade, oferecendo-lhes todos os recursos que fossem
necessários, inclusive ajuda financeira. Mas através de uma inversão de valores
introduzida pela Tradição dos Anciãos era possível fazer uma oferta ao Templo,
correspondente ao valor ou parte do valor que devia ser dado aos pais, e assim
ficar desobrigados da atenção ou da assistência a que eles faziam jus. Este era
um tipo de ofertas chamadas “Corbã”, muito comuns no primeiro século, e o seu
valor financeiro era irrisório. Com isto a palavra de Deus era invalidada, isto
é, não estava sendo aplicada na vida do povo.
Preceitos do tipo Corbã levam o homem a estabelecer uma barreira
religiosa contra a responsabilidade moral e contra os princípios divinos de
amor e de misericórdia. Então Jesus denunciou o procedimento dos fariseus e dos
escribas, dizendo que eles estavam longe da verdadeira adoração devida a Deus,
porque se utilizavam das tradições humanas para fugir das verdadeiras
obrigações.
V. 14 -
Convocando ele de novo a multidão, disse-lhes: Ouvi-me todos e entendei.
V. 15 -
Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar;
mas, o que sai do homem é o que o
contamina.
V. 16 -
[Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça.]
V. 17 - Quando
entrou em casa, deixando a multidão,
os seus discípulos o interrogaram
acerca da parábola.
V. 18 -
Então lhes disse: Assim vós também não
entendeis? Não compreendeis
que tudo o que de fora entra no
homem não o pode contaminar,
V. 19 -
porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e sai para lugar escuso?
E assim considerou ele puros todos
os alimentos
V. 20 -E
dizia: O que sai do homem, isso é o que o contamina.
V. 21
-Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem
os maus desígnios, a prostituição,
os furtos, os homicídios, os adultérios,
V. 22 -a
avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a blasfêmia, a soberba, a loucura:
V. 23
-Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem.
Depois de falar aos escribas e aos fariseus, Jesus dirigiu palavras à
multidão e, em casa, aos discípulos em particular. Ainda que aqueles seus
adversários tivessem silenciado quando Jesus denunciou a hipocrisia religiosa
deles, uma questão ficou pendente e precisava ser esclarecida. É que, se o
ritual da purificação ordenada pela Tradição realmente fosse válido, então os
discípulos de Jesus estavam condenados, porque comeram sem lavar as mãos. Para
desfazer a dúvida da multidão presente ele convocou todo o povo para ouvir e
entender o que ele ia dizer, e por meio de uma parábola atacou em cheio
estes princípios da Tradição dos
Anciãos. Foi quando ele disse: “Nada há fora do homem que, entrando nele o
possa contaminar; mas, o que sai do homem, é o que o contamina”. Esta
afirmação de Jesus é frontalmente contrária aos ensinos dos rabinos e anciãos.
Eles sustentavam que toda contaminação provinha de uma fonte exterior chamada
“mãe da contaminação”. E, saindo daí, entrava no homem e o tornava impuro.
Jesus ensina que a verdade não é esta. Não é pelo que entra no organismo que
alguém se torna impuro ou condenado. Mas o homem se condena por aquilo que sai
de dentro dele. Em outras palavras, a fonte de condenação está no seu interior.
É o coração.
Há uma grande diferença entre o modo de pensar dos fariseus e o de Jesus.
Para eles, deixar de cumprir a cerimônia de lavar as mãos antes de comer era
pecado. Para Jesus, o motivo de condenação está em pecados tais como os que
estão exemplificados na lista dos versos 22 e 23.
Quando mais tarde, em casa, os discípulos interrogaram o Mestre a
respeito destes ensinos em forma de parábola, ele lhos esclareceu. Nesta sua
atitude devemos reconhecer a necessidade dos guias das igrejas esclarecerem os
ensinos bíblicos aos seus membros, especialmente quando forem interrogados por
eles. Pois a leitura das Sagradas Letras incentiva os discípulos a procurarem o
significado das palavras, das doutrinas, dos símbolos e dos fatos históricos
contidos na narrativa. A busca de tal compreensão é uma atitude de nobreza de
espírito, como afirma Atos 17:1, e também um esforço que tem por recompensa a
edificação espiritual através da revelação do mistério do reino de Deus.
Continuando a explicação da parábola aos discípulos, Jesus afirma que o
que entra pela boca não pode contaminar o homem, porque não atinge o coração.
Entenda-se que o coração é uma figura do homem interior, onde está o seu
espírito no controle das suas atitudes. É, pois, perfeitamente compreensível
que, se alguém ingerir qualquer impureza juntamente com o alimento por não ter
lavado as mãos, não terá o coração
contaminado. O que se come vai para o ventre, onde é digerido, depois é
lançado fora e não produz contaminação espiritual. Aqui Marcos aproveita a
oportunidade para ensinar que, com estas palavras, Jesus eliminou a distinção
que se fazia de alimentos considerados cerimonialmente puros e impuros entre os
judeus.
Convém esclarecer alguns conceitos que Jesus emite nos versos 21 e 22,
que constituem práticas condenáveis:
Maus
desígnios - Maus propósitos ou projetos, provenientes de pensamentos
perversos.
Prostituição
- Vício sexual pertencente a uma categoria que abrange muitos outros vícios
tais como relação sexual ilícita, imoralidade, impureza, impudicícia,
incontinência sexual e outros que tais.
Furtos -
Roubos de pequena monta, praticados por ladrões comuns, não perigosos.
Homicídios
- Pecados de tirar a vida de seres humanos. Caim foi homicida.
Adultérios
- Referem-se à infidelidade conjugal.
Avareza -
Pecada da idolatria dos bens materiais: Apego ao dinheiro e a outros bens.
O avarento
deposita a confiança nas cousas que possui, deixando de confiar em Deus.
Dolo - Atitude
daquele que age com segunda intenção, que tem procedimento enganoso, que age
traiçoeiramente.
Lascívia -
Pecado de indisciplina tal, que o indivíduo não reconhece mais restrições.
Entregando-se desenfreadamente às suas paixões, perde o senso moral da vergonha
e não se incomoda mais com o que significa para os outros o seu comportamento.
A lascívia é um dos estados mais deploráveis do comportamento humano. Ela está
sempre associada a algum outro tipo de pecado, reforçando-o. Associada à
avareza, leva à cobiça irrefreável de alcançar riqueza a qualquer custo e por
qualquer meio como mentiras, trapaças, subornos, homicídios e até guerras.
Associada ao sexo produz aberrações assumidas francamente pelo indivíduo que se
torna ávido por práticas sexuais.
Inveja -
Literalmente traduzido, significa “olho mau”. É o pecado do indivíduo que não
pode ver o bem, o progresso, a felicidade do próximo, com alegria. Antes,
alegra-se em ver o seu mal.
Blasfêmia -
É o pecado de proferir palavras ofensivas contra Deus. Mas pode referir-se
também a insultos contra pessoas através de calúnias ou de termos impróprios.
Soberba -
Atitude do indivíduo que se sente superior aos outros e por isso os despreza.
Pode ser também um sentimento de oposição a Deus. Tiago 4:6 afirma: “Deus
resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes”.
Loucura -
Aqui não se refere à doença mental, mas ao fato de agir insensatamente, sem
ponderar os fatos, ou sem refletir.
Jesus revela nestes ensinos que é assustador o que existe no coração do
homem. Bem disse o profeta: “Enganoso é o coração, mais do que todas as
cousas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá? Eu, o Senhor,
esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um
segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações” (Jeremias 17:9-10).
Aquele que pratica atos como estes a que Jesus se refere nestes ensinos é
homem que não tem condições de aproximar-se de Deus para servi-lo, isto é, para
adorá-lo. Se alguém deseja reverter a situação deve atender à palavra de Deus
que diz: “Chegai-vos a Deus e ele se chegará a vós outros. Purificai as
mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o coração” (Tiago
4:8).
Enfim, só Jesus pode realizar a obra de purificação do coração dos homens
para apresentá-los a Deus. Como Autor da salvação ele diz ao Pai: “A meus
irmãos declarei o teu nome,...Eis aqui estou eu, e os filhos que Deus me deu”
(Hebreus 2:12-13).
Para permitir a obra de Jesus no coração humano é necessário deixar toda
sorte de religiosidade, formalismo e tradições humanas e apegar-se firmemente
aos seus ensinos, como fizeram seus verdadeiros discípulos, em contraste com os
escribas e os fariseus
V. 24 -
Levantando-se, partiu dali para as terras de Tiro [e Sidom].
Tendo entrado numa casa, queria que
ninguém o soubesse,
no entanto não pode ocultar-se,
V. 25 -
porque uma mulher cuja filhinha estava possessa de espírito imundo,
tendo ouvido a respeito dele, veio
e prostrou-se lhe aos pés.
V. 26 -
Esta mulher era grega, de origem sírio-fenícia,
e rogava-lhe que expelisse de sua
filha o demônio.
V. 27 -
Mas Jesus lhe disse: Deixa primeiro que se fartem os filhos, porque
não é bom tomar o pão dos filhos e
lança-lo aos cachorrinhos.
V. 28 -
Ela, porém, lhe respondeu: Sim, Senhor, mas os cachorrinhos,
debaixo da mesa, comem das migalhas
das crianças.
V. 29 -
Então lhe disse: Por causa desta palavra, podes ir;
o demônio já saiu de tua filha.
V. 30 -
Voltando ela para casa, achou a menina deitada sobre a cama,
pois o demônio a deixara.
Depois das exaustivas e agitadas atividades de Jesus que vimos nos
capítulos 6 e 7, ele resolve ir para um território estrangeiro. Quem sabe se lá
encontraria um pouco de descanso, longe das grandes multidões, livre da perseguição sem trégua dos fariseus, e até
daqueles rumores populares atribuídos a Herodes que diziam ser ele alguém
que se levantou para tomar vingança por
causa da morte de João Batista.
Então, levantou-se e partiu dali. Mas ele não conseguia andar às
escondidas. E por isso não podia descansar. Mesmo não querendo que soubessem
onde ele estava, sempre havia um que aparecia para quebrar o sigilo. Desta vez
foi uma mulher. E que mulher! Grega, de origem sírio-fenícia. Isto significa
que ela era uma autêntica gentia. E para agravar a situação, Mateus ainda
acrescenta que se tratava de uma cananéia, e que os próprios discípulos pediram
que Jesus a mandasse embora (Mateus 15:22-23). Para os fariseus, mais do que
desprezível, ela era um verdadeiro lixo. Se algum deles passasse pela sua
sombra, teria que tomar um caprichoso banho de lavagem de purificação, caso
contrário iria juntamente com ela para o inferno. E agora esta mulher
prostra-se aos pés de Jesus, rogando-lhe que expulsasse o demônio de sua
filhinha. Convinha atendê-la? Jesus cria propositadamente um clima de suspense,
antes de dar resposta ao seu pedido. Ele afirma
que veio primeiramente para atender às ovelhas perdidas da casa de
Israel (Mateus 15:24). Por isso disse: “Deixa
primeiro que se fartem os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e
lançá-lo aos cachorrinhos”. Isto ele disse porque viu a fé daquela mulher e
queria retirar um testemunho do seu coração que confirmasse as palavras da sua
boca, pois Mateus informa que ela vinha atrás dele pelo caminho, clamando:
“Senhor, Filho de Davi, tem compaixão de mim”. É certo que ela não o conhecia, mas ouvira falar dele, e daí nasceu a sua fé.
Convém observar que a expressão “cachorrinhos” usada por Jesus não é ofensiva e
sim afetiva, lembrando mais ou menos o que sentem as crianças por esses animaizinhos.
Agora, ligando os fatos: Aqueles fariseus que discutiam com Jesus há
poucos dias, afirmavam que para aproximar-se de Deus era necessário seguir os
rituais de purificação, a fim de eliminar qualquer possibilidade de entrar no
homem a contaminação. Para aquela mulher isto era uma cousa impossível porque,
como gentia, ela não tinha o direito de praticar aqueles rituais. Portanto,
para os fariseus, ela estava condenada sem apelação. Jesus, porém, mostrou
anteriormente que o que contamina o homem é toda aquela série de cousas más que
saem do coração. E o que foi que saiu do coração daquela mulher? A fé! Para
Jesus, é isto que aproxima o pecador de Deus. É mediante a fé que ele o salva,
e pela fé ele o santifica. Aquela mulher não perdeu a oportunidade de
testemunhar diante de todos os presentes a sua confiança no Senhor. Por isso
respondeu: “Sim, Senhor; mas os cachorrinhos, debaixo das mesas, comem das
migalhas das crianças”. Então Jesus a confortou e honrou a sua fé,
concedendo a bênção que ela buscava..
Neste episódio, o Evangelho de Marcos demonstra que o amor de Jesus não se
limita às fronteiras de Israel, mas estende-se a todas as nações. Também
entendemos nestas figuras, que os gentios estão no propósito divino de serem
alimentados com o pão do céu. Como vemos neste caso, os poderes do reino já se
manifestam entre eles.
A propósito, a região de Tiro e Sidom fazia parte dos territórios que
Josué devia conquistar para o reino de Israel (Josué, 13:5-6). Mas ele não a
conquistou. Foi Jesus quem incorporou aquele povo ao reino de Deus agora.
V. 31 - De novo se retirou das terras de Tiro, e foi por Sidom
até ao mar da Galiléia, através do
território de Decápolis.
V.32 -
Então lhe trouxeram um surdo e gago,
e lhe suplicaram que impusesse a mão
sobre ele.
V.33 - Jesus,
tirando-o da multidão, à parte, pôs-lhe os dedos nos ouvidos,
e lhe tocou a língua com saliva;
V.34 -
depois, erguendo os olhos ao céu, suspirou e disse:
Efatá, que quer dizer: Abre-te.
V.35 -
Abriram-se-lhe os ouvidos, e logo se lhe soltou o empecilho da língua
e falava desembaraçadamente.
V.36 - Mas
lhes ordenou que a ninguém o dissessem;
contudo, quanto mais recomendava,
tanto mais o divulgavam.
V.37 -
Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo:
Tudo ele tem feito esplendidamente
bem:
não somente faz ouvir os surdos, como
falar os mudos.
Esta próxima etapa do ministério de Jesus acontece no território de
Decápolis, aquela região do outro lado do mar da Galiléia, onde vivia o
endemoninhado geraseno que foi liberto da legião de demônios.
Saindo das terras de Tiro, Jesus foi mais adiante, por Sidom, e depois
voltou em direção a Decápolis. Estando lá, trouxeram-lhe um surdo e gago para
ser curado, e uma multidão estava reunida à sua volta. Ele já era conhecido de
muitos dali, porque antes iam à Galiléia à sua procura. Mas também o geraseno
que fora liberto da legião de demônios foi por todo o território de Decápolis,
proclamando o que Jesus fez por ele. Tudo isso incentivava as multidões.
O surdo e gago que lhe trouxeram é também descrito como mudo. Isto
significa que ele não aprendeu a falar porque não podia ouvir, mas podia emitir
sons com a boca, como se fosse gago. É de se notar a fé daqueles que o
trouxeram, como no caso do paralítico que foi curado em Cafarnaum. Jesus,
entretanto, tratou-o de modo que ele mesmo entendesse que ia ser curado e,
assim, alcançasse fé para ser salvo. Por isso ele pôs os dedos nos seus
ouvidos, o lugar onde estava localizada a deficiência, e tocou-lhe a língua com
saliva, porque estava desativada. E, para que ele soubesse que Jesus opera com
o poder de Deus, ergueu os olhos ao céu, mostrou o mover do Espírito dentro
dele através do suspiro, e então ordenou a cura. A ordem foi para o ouvido,
dizendo: Abre-te. Com a abertura dos ouvidos, a língua ficou desimpedida sem
nenhuma ordem específica, visto que o problema estava nos ouvidos. Bastou o
toque da saliva do Mestre para ela ser ativada. Então o homem que era surdo e
não sabia falar, passou a ouvir e a falar livremente.
Aqui notamos mais uma vez o insistente pedido de Jesus para que não
divulgassem os milagres e as curas que ele fazia. Por um lado entendemos que
era uma medida de prudência, para evitar aglomerações e tumultos, o que
dificultava o seu trabalho. Mas por outro lado, também, ele não desejava ser
conhecido como um simples operador de milagres, uma vez que o seu ministério
tinha como objetivo a salvação de almas, e isto é mais importante. Eis aqui um
alerta para que as igrejas não se promovam diante do mundo como uma espécie de
pronto socorro de curas, mas que se façam conhecer antes de tudo, como agências
de salvação.
A obra de Jesus, pela sua perfeição, é comparável à obra da criação: “Viu
Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gênesis 1:31). Agora
Jesus, pelo poder de Deus, faz tantas cousas diante dos homens, e eles dizem: “Tudo
ele tem feito esplendidamente bem: não somente faz ouvir os surdos, como falar
os mudos”.