CAPÍTULO 6
V. 1 - Tendo Jesus partido dali,
foi para a sua terra
e os seus discípulos o acompanharam.
V. 2 - Chegando o sábado, passou a ensinar na
sinagoga;
e muitos, ouvindo-o, se
maravilhavam, dizendo:
Donde vêm a este estas cousas? Que
sabedoria é esta que lhe foi dada?
e como se fazem tais maravilhas por suas mãos?
V. 3 - Não é este o carpinteiro, filho de Maria,
irmão de Tiago, José, Judas e
Simão? e não vivem aqui entre nós
suas irmãs? E escandalizavam-se nele.
V. 4 - Jesus, porém, lhes disse: Não há profeta
sem honra
senão na sua terra, entre os seus
parentes, e na sua casa.
V. 5 - Não
pode fazer ali nenhum milagre, senão curar
uns poucos enfermos, impondo-lhes as
mãos.
V. 6 -
Admirou-se da incredulidade deles. Contudo
percorria as aldeias circunvizinhas a
ensinar.
O episódio narrado neste último trecho refere-se a um acontecimento muito
especial no ministério de Jesus. È o dia da visita a Nazaré, a sua cidade de
origem. Nascido em Belém da Judéia, ele passou toda a sua infância,
adolescência e juventude naquela outra cidade da Galiléia depois que voltou do
Egito com seus pais, para que se cumprissem as Escrituras (cf. Mateus 2:23).
Deus quis que seu Filho fosse criado em Nazaré.
Esta não era uma cidade importante, mas também não era nenhuma aldeia
insignificante. Sua população devia ultrapassar dez mil habitantes. Estava
localizada numa pequena depressão entre colinas, nas encostas mais baixas da
Galiléia, perto da planície de Jesreel, a menos de 40 km de distância de
Cafarnaum. Suas casas e seus muros eram de coloração clara, construídos com
pedras calcáreas da região. Nos quintais e jardins cresciam flores,
trepadeiras, árvores frutíferas, entre elas a romã, e na primavera ofereciam um
lindo espetáculo de formas e de cores. Com facilidade podia-se chegar até o
alto das colinas, de onde se descortinava um maravilhoso panorama de muitos
quilômetros de extensão por todos os lados, com seus campos de cereais,
plantações de figos e de oliveiras e tantas outras paisagens encantadoras. Um
estudioso da Bíblia chamado Sir George Adam Smith descreve assim o cenário que
se vê de lá do alto:
“Diante dos
olhos do observador descortinava-se a história de Israel. Divisava-se a
planície de Esdraelom, onde pelejaram Débora e Baraque; onde Gideão alcançou
vitórias; onde Saul lutou e sucumbiu; Onde Josias morreu na batalha; via-se a
vinha de Nabote e o lugar onde Jeú fez matar Jezabel; via-se Schumem, o lugar
onde vivera Elias; via-se o Carmelo, onde Elias entrou em disputa com os
profetas de Baal, e mais distante divisava-se o grande Mar Mediterrâneo com as
suas ilhas”.
Mas não era somente o passado e a paisagem que se descortinavam ao redor
das colinas de Nazaré. Ali o mundo todo estava ao seu alcance, pois perto das
suas encostas passavam três grandes rotas importantes. A primeira, a rota para
o sul, era o caminho dos peregrinos que se dirigiam a Jerusalém. A segunda, a
famosa rota do mar entre o Egito e Damasco, era caminho de caravana de
mercadores. A terceira, a grande rota do oriente, era onde transitavam as
caravanas da Arábia e marchavam as legiões dos exércitos romanos em direção às
fronteiras orientais do Império. Portanto, Jesus não viveu retraído em algum
lugar isolado. Nazaré era uma cidade bem situada. A vida lá era tranqüila e
aprazível, bem diferente da vida nos grandes centros, como Jerusalém.
Pouco tempo depois de ter deixado o seu domicílio ali na condição de
simples carpinteiro pertencente a uma família comum, ele volta á cidade mas,
agora, famoso pelas cousas que fazia, e sua intenção era falar aos seus
concidadãos a respeito do reino de Deus. Ele havia saído de Cafarnaum, depois
de ter curado aquela mulher enferma no meio da multidão e depois de ressuscitar
a filha de Jairo. Em companhia de seus discípulos subiu para Nazaré,
percorrendo cerca de 40 km e vencendo um desnível de pelo menos 612m, visto que
o mar da Galiléia, onde se localizava Cafarnaum, ficava numa depressão a 212m
abaixo do nível do mar, enquanto que a base das colinas em que se localiza
Nazaré está a 400m acima do nível do mar.
Chegando o sábado, Jesus foi à sinagoga e começou a ensinar. A reação dos
ouvintes é descrita por meio de duas expressões que parecem opostas entre si
mas que, na realidade, se combinam para denunciar o sentimento que levou os
nazarenos a rejeitarem o Mestre. Marcos afirma que eles se “maravilhavam” e ao
mesmo tempo se “escandalizavam” nele. Por um lado não havia como contestar as
suas obras, porque foram feitas à vista de muitos e certamente habitavam ali pessoas que viram alguns dos seus milagres,
como por exemplo o de Caná, que fica bem próximo a Nazaré (cf. João 2:1-12). A
sua sabedoria também era evidente e qualquer um podia percebê-la ouvindo-o
pregar e ensinar. Então se maravilhavam, porque as cousas que ele falava e
fazia eram próprias do Messias. Por outro lado eles levantavam dúvidas a seu
respeito dizendo: “Donde vêm a este estas cousas?”
É na palavra
“este” que vamos encontrar a raiz das acusações que insinuavam a respeito dele.
Como poderia fazer estas cousas “este” conhecido como homem comum, um simples
carpinteiro, filho de Maria, irmão de quatro moços e outras quantas moças,
todos bem identificados ali naquela cidade como pertencentes a uma família
simples e sem nenhuma expressão? É bem possível até que eles estivessem
insinuando algo de negativo, para causar má impressão sobre a ascendência de
Jesus. “Este”, que eles julgavam desta maneira e que há pouco tempo vivia entre
eles, não podia ser aceito no estado em que agora voltava à cidade, famoso
pelas cousas que realizava. Não! insinuavam eles. “Este” não pode ser o
Messias.
Então vem a suspeita: De onde vem a “este” “estas” cousas? Que sabedoria
é “esta” que lhe foi dada? Como se fazem “tais maravilhas” por suas mãos? Pouco
tempo antes, os escribas e fariseus desceram de Jerusalém para a Galiléia e
fizeram uma vasta campanha difamatória
contra Jesus, dizendo que ele estava possesso de Belzebu e que expelia demônios
pelo maioral dos demônios. Não é difícil acreditar que esses boatos tenham chegado a Nazaré. De qualquer
maneira entendemos que o motivo que os levou a se escandalizarem em Jesus era
um só: Eles suspeitavam que as suas obras e a sua sabedoria provinham do
maligno. Por isso, ao mesmo tempo em que se maravilharam, escandalizaram-se
nele. Se reconhecessem que ali estava um instrumento de Deus com poder e
sabedoria do alto, não haveria motivo de escândalo. Mas Jesus foi para eles a
pedra na qual tropeçaram. As falsas hipóteses que levantaram a seu respeito
fizeram que eles chegassem a conclusões erradas, através de uma interpretação
distorcida, produzida por suas mentes carnais. Por isso não se submeteram a
ele. A resposta de Jesus a esta atitude é simples: “Não há profeta sem honra
senão na sua terra, entre os seus parentes, e na sua casa”.
O motivo da rejeição de um profeta nestas circunstâncias é humano, e
sempre o mesmo: a inveja! O povo de Nazaré julgava que aceitar a doutrina de
Jesus seria reconhecer a inferioridade deles e a superioridade do Mestre. Eles
queriam enquadrá-lo no modo de ser deles mesmos, isto é, queriam que ele fosse
como eles eram. Se o reconhecessem como instrumento de Deus, teriam que aceitar
os seus ensinos como vontade de Deus e submeter-se a eles. Mas isto é
exatamente o que eles não queriam. Por isso o rejeitaram.
A razão de Jesus não fazer milagres ali foi a dureza daqueles corações.
Tal era a
incredulidade deles que, mesmo vendo, não aceitariam o que vissem e ainda o
atribuiriam ao maligno. Com isso receberiam maior condenação (cf. Mateus
11:21-24). Jesus, porém , não queria complicar ainda mais a situação deles que
já era difícil diante de Deus. Então se limitou a curar alguns doentes,
impondo-lhes as mãos. Se ele não pode fazer ali mais do que isso, é porque Deus
não opera no meio de incrédulos. E os discípulos aprenderam mais uma
característica de Jesus que é a sua recusa de operar diante da incredulidade.
Este fato é incluído na narrativa do Evangelho de Marcos como ponto importante
do ensino e treinamento dos discípulos durante o ministério do Mestre.
Depois disso ele foi para as
aldeias vizinhas, dando continuidade ao seu trabalho.
V. 7 - Chamou Jesus os doze e passou a enviá-los
de dois a dois,
dando-lhes autoridade sobre os
espíritos imundos.
V. 8 - Ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
exceto
apenas um bordão; nem pão, nem
alforje, nem dinheiro;
V. 9 - que fossem calçados de sandálias, e não
usassem duas túnicas.
V. 10- E
recomendou-lhes: Quando entrardes em alguma casa,
permanecei aí até vos retirardes do
lugar.
V. 11- Se
nalgum lugar não vos receberem nem vos ouvirem,
ao sair dali, sacudi o pó dos vossos
pés, em testemunho contra eles.
V. 12-
Então, saindo eles, pregavam ao povo que se arrependesse;
V. 13-
expeliam muitos demônios e curavam numerosos enfermos,
ungindo-os com óleo.
Depois da visita a Nazaré, Jesus segue no cumprimento do seu ministério,
ensinando nas aldeias mais próximas. Observando os seus movimentos pela
Galiléia notamos que ele está sempre acompanhado de multidões. Os Evangelhos
revelam o seu sentimento de compaixão por aquela população itinerante, pois
afirma que ele os via como ovelhas que não têm pastor. Antes de pronunciar o
Sermão do Monte, vendo as multidões, Jesus subiu à montanha e começou a ensinar
aos discípulos as doutrinas do reino dos céus , para que eles as transmitissem
ao povo (Mateus 5:1-2). No capítulo 9, dos versos 35 a 38, Mateus escreve no
seu Evangelho:
“E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas
sinagogas, pregando o evangelho
do reino e curando toda sorte
de doenças e enfermidades.
Vendo ele as multidões, compadeceu-se
delas, porque estavam aflitas e
exaustas como ovelhas que não têm
pastor. E então se dirigiu aos
seus discípulos: A seara na verdade é
grande, mas os trabalhadores
são poucos.Rogai, pois, ao Senhor da
seara que mande trabalhadores para a sua seara”.
A finalidade com que Jesus separou doze dentre os seus discípulos era
mesmo atender às necessidades do povo, enviando-os a pregar e a exercer
autoridade de expelir demônios. Este era o momento que ele achou oportuno para
dar o treinamento necessário, como preparação para as responsabilidades que
eles deveriam assumir no futuro. Até aqui já havia decorrido tempo suficiente
para que aprendessem do Mestre tudo o que precisavam para esta missão, vendo as
suas obras e ouvindo os seus ensinos. Assim, eles foram chamados e enviados com
uma série de instruções.
Esta é a primeira vez que Jesus
envia os discípulos para um trabalho apostólico. E já nesta primeira missão eles
participam do mesmo poder exercido pelo Mestre no seu ministério, recebendo
autoridade sobre os espíritos imundos e poder para realizar curas, ungindo com
óleo.
As limitações impostas aos preparativos para a viagem estão ligadas não
somente à prioridade da missão, mas também à confiança que deviam depositar em
Deus. Não precisavam preocupar-se em levar comida, nem bolsa para carregar
objetos ou dinheiro. Também não deviam assemelhar-se a judeus que saiam aos
pares recolhendo ofertas, donativos e esmolas. Estavam proibidos até de levar
uma segunda muda de roupa, a túnica, para trocar no caminho. Em face dos
costumes orientais da época, sabemos que eles tinham hospedagem garantida, uma
vez que não deviam tomar o rumo dos gentios, nem entrar em cidades de samaritanos,
mas de preferência procurar as ovelhas perdidas da casa de Israel neste
primeiro treinamento (cf. Mateus 10:5-6).
Uma outra instrução do Mestre é que eles não deviam estar passando de uma
casa para outra à procura de melhores condições de hospedagem, mas que
permanecessem na casa em que fossem acolhidos, até se retirarem do lugar. E se
em algum lugar não fossem recebidos e os moradores não quisessem ouvir a sua
mensagem, deviam adverti-los de que estavam nas mesmas condições dos gentios
que não têm Deus. Esta advertência está no gesto de sacudir o pó dos pés, como
faziam os judeus, quando passavam por terreno de gentios.
A mensagem que levavam era entregue através da pregação ao povo para que se arrependesse. Eles não foram
enviados para levantar questões teológicas ou para tecer considerações
filosóficas a respeito da salvação, mas para pregar, de maneira a conduzir o
povo ao arrependimento. Embora não haja um relatório detalhado das atividades
dos apóstolos durante este treinamento, Mateus informa que eles estavam
capacitados também para ressuscitar mortos e purificar leprosos (Mateus 10:8).
A unção com óleo representa a unção do Espírito Santo operando a cura divina.
V. 14 - Chegou isto aos ouvidos do rei Herodes, porque o nome de Jesus
já se tornara notório, e alguns
diziam: João Batista ressuscitou
dentre os mortos e, por isso, nele
operam forças miraculosas.
V. 15
-Outros diziam: É Elias; ainda outros: É profeta, como um dos profetas.
V. 16
-Herodes, porém, ouvindo isto, disse: É João, a quem eu mandei decapitar,
que ressuscitou.
Estes três versículos mostram a repercussão que já tinha alcançado o
ministério de Jesus, acrescido ainda mais agora, pelo trabalho dos discípulos.
No entanto as opiniões a seu respeito eram divergentes. Pela enorme impressão
que ele causava, muitos imaginavam que se tratasse de João Batista ressuscitado
dentre os mortos. Embora este profeta não tivesse feito nenhum milagre, ele era
conhecido justamente como homem da verdade e cotado como um que iriam
ressuscitar dentre os mortos e operaria maravilhas. Outros pensavam que fosse
Elias, o profeta que marcou a história de Israel. E havia os que o qualificavam
como um dos profetas da antigüidade. A campanha dos apóstolos aumentou ainda
mais o volume das notícias a respeito de Jesus que chegaram aos ouvidos do rei
Herodes Antipas, sob cuja jurisdição estava o território da Galiléia.
Este Herodes era filho de Herodes, o Grande, que tentou matar Jesus,
quando ainda pequenino (Mateus 2:13). Com a consciência pesada por ter mandado
decapitar João Batista, Antipas estava assombrado pelas notícias que ouvia de
Jesus, e por isso disse: “É João a quem eu mandei decapitar, que
ressurgiu”.
Enquanto isso os apóstolos continuavam percorrendo a Galiléia e só um
pouco mais tarde voltaram à presença de Jesus.
V. 17 -
Porque o mesmo Herodes, por causa de Herodias,
mulher de seu irmão Felipe,
porquanto Herodes se casara com ela,
mandara prender a João e atá-lo no
cárcere.
V. 18 -
Pois João lhe dizia: Não te é lícito possuir a mulher de teu irmão.
V. 19 - E
Herodias o odiava, querendo matá-lo, e não podia.
V. 20 -
Porque Herodes temia a João, sabendo que era homem justo e santo,
e o tinha em segurança. E quando o
ouvia ficava perplexo,
escutando-o de boa mente.
V. 21 - E,
chegando um dia favorável em que Herodes no seu
aniversário natalício dera um
banquete aos seus dignitários,
aos oficiais militares e aos
principais da Galiléia,
V. 22-
entrou a filha de Herodias, e, dançando, agradou a Herodes
e aos seus convivas. Então disse o
rei à jovem: Pede-me
o que quiseres e eu to darei.
V. 23 -E
jurou-lhe: Se pedires mesmo que seja a metade do meu reino,
eu ta darei.
V. 24
-Saindo ela, perguntou à sua mãe: Que pedirei?
Esta respondeu: A cabeça de João
Batista.
V. 25- No
mesmo instante, voltando apressadamente para junto
do rei, disse: Quero que, sem
demora, me dês num prato
a cabeça de João Batista.
V. 26
-Entristeceu-se profundamente o rei; mas
por causa do juramento
e dos que estavam com ele à mesa,
não lha quis negar.
V. 27- E,
enviando logo o executor, mandou que lhe trouxessem a cabeça de João.
Ele foi e o executou no cárcere,
V.28 - e,
trazendo a cabeça num prato, a entregou á jovem,
e esta, por sua vez, à sua mãe.
V.29 - Os
discípulos de João, logo que souberam disto, vieram,
levaram-lhe o corpo e o depositaram
no túmulo.
Enquanto os apóstolos não chegam, Marcos intercala no texto a narrativa da morte de João Batista
que não precisa de maiores esclarecimentos. Devemos porém observar as trágicas
circunstâncias em que se deu o fim daquele que foi o precursor do
evangelho, predecessor do Messias e
grande testemunha da verdade. O seu galardão nos céus é grande e garantido.
A denúncia feita ao rei pelo profeta provavelmente está baseada em Levítico 18:16 e 20:21.
V. 30 - Voltaram os apóstolos à presença de Jesus
e lhe relataram tudo quanto haviam
feito e ensinado.
V. 31 - E
ele lhes disse: Vinde repousar um pouco, à parte,
num lugar deserto; porque eles não tinham tempo nem para comer,
visto serem numerosos os que iam e
vinham.
V. 32 -
Então foram sós no barco para um lugar solitário.
V. 33 -
Muitos, porém, o viram partir e, reconhecendo-os, correram para lá,
a pé, de todas as cidades, e
chegaram antes deles.
V. 34 - Ao
desembarcar, viu Jesus uma grande multidão
e compadeceu-se deles, porque eram
como ovelhas
que não têm pastor. E passou a
ensinar-lhes muitas cousas.
V. 35 - Em
declinando a tarde, vieram os discípulos a Jesus e lhe disseram:
É deserto este lugar, e já avançada
a hora;
V. 36 - despede-os
para que, passando pelos campos ao redor
e pelas aldeias, comprem para si o
que comer.
V. 37 -
Porém ele lhes respondeu: Dai-lhes vós mesmos de comer.
Disseram-lhe: Iremos comprar
duzentos denários de pão
para lhes dar de comer?
V. 38 - E
ele lhes disse: Quantos pães tendes? ide ver. E, sabendo-o eles,
responderam: Cinco pães e dois
peixes.
V. 39 -
Então Jesus lhes ordenou que todos se assentassem em grupos
sobre a relva verde.
V. 40 - E
o fizeram, repartindo-se em grupos de cem em cem,
e de cinqüenta em cinqüenta.
V. 41 -
Tomando ele os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos
ao céu, os abençoou; e, partindo os pães deu-os aos discípulos
para que os distribuíssem; e por
todos repartiu também os peixes.
V. 42 -
Todos comeram e se fartaram;
V. 43 - e
ainda recolheram doze cestos cheios de pedaços de pão e de peixe.
V .44 - Os
que comeram dos pães eram cinco mil
homens.
A tarefa dos discípulos não deve ter sido fácil. Vendo-os cansados, Jesus
teve o desejo de levá-los a um lugar à parte, onde pudessem estar juntos e
descansar, pois ali onde estavam era muito grande a afluência de pessoas, de
tal modo que não podiam nem comer. Por isso tomaram um barco e foram para um
lugar solitário. O descanso foi apenas relativo durante a viagem de barco, num
percurso de 15 a 20 km, pois quando
chegaram ao lugar deserto pelas bandas de Betsaida, já encontraram lá a multidão
que chegou primeiro. Correndo pela beira do lago, o povo atraía ainda mais
gente das cidades por onde passavam.
O coração do Mestre não é insensível. Eis por que ele se comoveu de
compaixão por aquele enorme rebanho que necessitava de pastor. Então ele deixou
de lado o repouso planejado e passou a ensinar-lhes muitas cousas. Os
discípulos, porém, descansavam enquanto o ouviam e o observavam. Mas, ao cair
da tarde, eles começaram a preocupar-se com a questão da alimentação do
povo, e sugeriram que Jesus os despedisse para que, saindo pelos campos e
aldeias, comprassem alimento, pois estavam em um lugar deserto. Foi quando o
Mestre lhes informou que eles mesmos podiam alimentar toda aquela massa humana,
sem necessidade de dispersá-la. Afinal, eles estavam voltando de um amplo
treinamento em que exerceram grandes poderes, até de ressuscitar mortos. Mas os
seus pensamentos se voltaram para os custos do processo. E onde achar dinheiro?
Ali estavam cinco mil homens. Se considerarmos as mulheres e as crianças,
podemos contar umas doze mil almas no total. Lembrando que eles comeram e se
fartaram, e que uma refeição popular custa hoje por volta de cinco Reais,
devemos calcular que seriam necessários cerca de sessenta mil Reais para
satisfazer a multidão. Isto equivale aos duzentos denários de pão que eles imaginaram.
Os discípulos não sabiam como alimentar a multidão porque não estavam
suficientemente desenvolvidos para compreender que o alimento estava no meio
deles. Jesus então os instruiu para que dividissem a multidão em grupos
pequenos de cem e cinqüenta, e que os mandassem sentar-se tranqüilamente na
relva verde. Depois orou ao Senhor da ceara, aquele que manda trabalhadores
para o campo, e abençoou os cinco pães e os dois peixes que havia entre eles. E
o alimento emanava das mãos do Filho de Deus que o repassava para eles. Assim
aprenderam que Jesus é quem multiplica e reparte o alimento e os
próprios discípulos o distribuem.
O que sobrou da repartição foram doze cestos cheios, exatamente um para
cada apóstolo. É o que eles deviam carregar durante o seu futuro ministério,
para alimentar o povo. A idéia que Marcos quer apresentar de Jesus neste
episódio do seu ministério é que ele alimenta as multidões do mundo inteiro por
meio do trabalho dos seus discípulos.
V. 45 - Logo a seguir, compeliu
Jesus os seus discípulos a embarcar
e
passar adiante para o outro lado, a Betsaida,
enquanto ele despedia a multidão.
V. 46 - E,
tendo-os despedido, subiu ao monte para orar.
Há três aspectos importantes a considerar nestes versos:
1 - Jesus
forçou os discípulos a embarcarem e a passarem para o outro lado.
2 - Depois,
despediu a multidão.
3 - Em
seguida , subiu ao monte para orar.
A razão destas medidas é
esclarecida em João 6:14-15, onde somos informados de que a reação do povo após
o milagre da multiplicação dos pães foi arrebatar Jesus, para o proclamarem
rei. Esta era para ele a mesma tentação com que o diabo o ameaçou no deserto:
Se, prostrado, prestasse culto a Satanás, receberia em troca todos os reinos da
Terra. Mas o propósito de Jesus não está relacionado com reinos deste mundo e,
sim, com o reino de Deus. Ele não se deixou levar pela proposta de receber
apoio popular em troca de resolver problemas sociais e materiais. Ficou claro
que ele era procurado por causa de comida, e não por causa das necessidades
espirituais referentes à vida eterna.
Os discípulos também não deviam ficar expostos aos pensamentos das
multidões para não se contaminarem com a sua psicologia humana. Por isso Jesus
os despediu e subiu ao monte para orar. Ele previa ali um momento de crise no
seu ministério. De fato o povo o encontrou no dia seguinte, do outro lado do
mar, e juntou-se a ele, depois de tê-lo procurado incessantemente. Mas ele,
conhecendo as suas intenções, disse: “...Vós me procurais não porque vistes
sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes. Trabalhai (esforçai-vos)
não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual
o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com o seu próprio
selo” (João 6:26-27).
A raiz de oposição que começou a manifestar-se quando Jesus pronunciou a
parábola do semeador cresceu e, em Nazaré, vimos a sua rejeição. Agora
assistimos ao declínio da sua popularidade perante as multidões. A partir daqui
o seu ministério entra numa nova fase que alguns estudiosos chamam “O Ano da
Oposição”, em contraste com “O Ano do Favor Público”, que viemos acompanhando
até agora. O capítulo 6 do Evangelho de João dá muitos detalhes a respeito do
que aconteceu em seguida a esta primeira multiplicação dos pães.
V. 47 - Ao cair da tarde, estava o barco no meio do mar
e ele sozinho em terra.
V. 48 - E,
vendo-os em dificuldade a remar, porque o vento lhes era contrário,
por volta da quarta vigília da
noite, veio ter com eles,
andando por sobre o mar; e queria
tomar-lhes a dianteira.
V. 49 -
Eles, porém, vendo-o andar sobre o mar
pensaram tratar-se de um fantasma,
e gritaram.
V. 50 -
Pois todos ficaram aterrados à vista dele. Mas logo lhes falou e disse:
Tende bom ânimo! sou eu. Não
temais.
V. 51 - E subiu para o barco para estar com
eles, e o vento cessou.
Ficaram entre si atônitos,
V. 52 - porque não haviam compreendido o
milagre dos pães,
antes o seu coração estava endurecido.
Enquanto prosseguimos no estudo do ministério de Jesus de acordo com este
Evangelho, vamos conhecendo cada vez mais o maravilhoso personagem principal do enredo, Jesus Cristo, o Filho de
Deus, com surpresas, uma após a outra, que Marcos prepara caprichosamente para
nos revelar o Salvador com todo o seu poder, autoridade, sabedoria e
diligência.
Este último acontecimento, mais do que impressionante, é simplesmente
assombroso. Nele Jesus se revela sobrenaturalmente, num aspecto ainda não
conhecido nesta narrativa, quando também manifesta o seu amor cheio de
compreensão pelos discípulos envoltos num estado de completo descontrole
emocional. Ao anoitecer eles estavam no barco, tentando atravessar o mar. Jesus
estava sobre o monte em oração, enquanto os via em dificuldade. Não há no texto
nenhuma indicação de que ele os estivesse vendo milagrosamente, apesar de que o
fato se deu por volta de três horas da madrugada, quando começa a terceira
vigília da noite. Se o Senhor permanecia em terra, em atitude de oração diante
do Pai, já os doze, cumprindo o plano traçado pelo Mestre, deviam passar além,
ao outro lado, deixando para trás o perigo de assimilarem ou de se submeterem
aos interesses das multidões, ou seja, de resolver os seus problemas materiais,
colocando em segundo plano as necessidades prioritárias da vida eterna. Naquele
momento eles estavam sendo provados na presença do Senhor. No cumprimento da
missão que receberam, estavam lutando com dificuldade, mas convinha que eles
verificassem por si e para si mesmos qual era o estágio de desenvolvimento que
haviam alcançado na fé e no conhecimento do Mestre. Eles estavam sendo
introduzidos no ensino prático sobre provação e livramento, uma experiência
constante na vida dos discípulos.
As circunstâncias em que se encontravam os doze naquele momento eram
bastante desfavoráveis. Ia alta a noite, e o barco era um simples barco de
pesca. Embora não estivessem em meio a uma tempestade como da outra vez quando
navegaram para a terra dos gerasenos, agora também o vento era contrário e tão
forte que não podiam progredir. E as ondas começavam a encapelar o mar. No
esforço de vencer as dificuldades eles se torturavam manejando os remos, e com
grande tormento tentavam controlar o barco numa hora tão incomum. Todavia eles
estavam cumprindo as ordens do Senhor. Ele estava longe, a mais de 5 km de
distância sobre o monte, separado pelas águas. Quem poderia salvá-los? E para
piorar ainda mais a situação, agora aparece um vulto andando por cima do mar!
Não era um espírito mas, de qualquer forma, era uma figura fantástica,
estranha, como nunca tinham visto antes. Teria vindo para ajudá-los? Como? se
já estava passando adiante do barco! Então gritaram desesperadamente. Doze
homens fortes, acostumados a trabalhos pesados e a tarefas difíceis, de repente
ficaram aterrados e, perdendo o controle emocional, entraram em pânico!
Mas logo ouviram uma voz confiável e serena dizendo: “Tende bom ânimo!
sou eu. Não temais!”. A expressão “Sou Eu” identifica-o imediatamente com Jeová, o Senhor. Naquele momento ele se
revelava aos discípulos de uma maneira como eles ainda não o conheciam. Ele é o
Deus Eterno, que chama à existência as cousas que não existem, que faz os
fatos acontecerem. Mas esta revelação se dá numa dimensão em que eles ainda não
haviam penetrado e por isso não podiam compreendê-la na sua totalidade. Porém
esta iniciação era necessária para que eles pudessem compreendê-lo mais tarde.
E quando chegaram à conclusão de que
realmente estavam na presença do Messias, então ele lhes revelou a sua glória
no monte da transfiguração. Todavia só a três deles, os que o seguiam mais de
perto.
Jesus subiu no barco para os
acalmar, e o vendaval cessou.
Aquele que se recusou a fazer milagres em Nazaré por causa da
incredulidade dos presentes; aquele a quem o rei Herodes temia terrivelmente
como se fosse o vingador da morte de João Batista; aquele que rejeitou o pleito
de ser proclamado rei pelas multidões, agora vem e entra no barco para socorrer
os seus humildes discípulos. Ele viu as suas dificuldades e ouviu-lhes os
gritos que não eram de súplica, nem de clamor, mas de terror. Ele conhece os
problemas do ser humano e socorre os seus, ainda que estejam com as mentes fora
do lugar, como aconteceu com aqueles doze que ainda estavam atônitos quando ele
entrou no barco. E tudo voltou à calma!
Jesus transcende à compreensão de qualquer um que não o receba de coração
aberto. A dureza do coração dos discípulos foi a causa deles não terem
compreendido o milagre da multiplicação dos pães. Agora também não o
reconheceram sobre as águas do mar: confundiram-no com um fantasma, produto da
sua imaginação. Dureza de coração era o problema dos escribas e fariseus, e
também daqueles que ouviram as parábolas e não permaneceram junto dele para
conhecer o mistério do reino de Deus. Mas para os que estão ao seu lado,
seguindo-o de perto, Jesus reverte a
situação, revelando-lhes o mistério do reino de Deus e conduzindo-os dia a dia
a uma compreensão mais completa de quem ele é.
V. 53 -
Estando já na outra banda, chegaram à terra
em Genesaré,
onde aportaram.
V. 54 -
Saindo eles do barco, logo o povo reconheceu Jesus;
V. 55 - E,
percorrendo toda aquela região, traziam em leitos
os enfermos, para onde ouviam que
ele estava.
V. 56 -
Onde quer que ele entrasse nas aldeias, cidades ou campos,
punham os enfermos nas praças,
rogando-lhe que os deixasse tocar
ao menos na orla da sua vete; e quantos a tocavam ficavam curados.
O presente parágrafo é como se fosse um resumo do que acontecia com Jesus
por toda parte onde ele andava. Bastava ser reconhecido pelo povo para que se
reunissem multidões ao seu redor trazendo enfermos, e procurando aproximar-se
dele para tocarem na orla da sua veste e serem curados.
A orla era uma barra na parte inferior da veste usada pelos judeus. Esta
parte da roupa tinha para eles um significado simbólico muito importante,
porque a sobrepeliz do sumo sacerdote tinha a orla bordada com romãs em estofo
azul carmesim e linho retorcido, sendo as romãs intercaladas com sinos de ouro
que soavam quando ele andava. Vendo a manifestação do poder de Deus em Jesus,
os doentes vinham, por isso, tocar a orla da sua veste, para serem curados.
Não é registrado aqui no texto que Jesus pregasse ou ensinasse nesta
ocasião em que se encontrava nas cercanias de Genesaré, se bem que isto deva
ter ocorrido. Todavia, no ato de curar indistintamente os enfermos que se
apresentavam a ele, estava implícito o ensino sobre o amor, a misericórdia de
Deus, e a sua disposição de salvar todos aqueles que o buscam. É oportuno
esclarecer aqui que os verbos “curar” e “salvar” da língua portuguesa são
tradução de uma única palavra da língua original em que foi escrito o Novo
Testamento. Portanto, a cura de um enfermo é figura da disposição de Deus
salvar esse indivíduo.
Já vimos, até pelas palavras do Mestre, que as multidões o procuravam
para buscar solução para diversos problemas materiais. Apesar da compaixão que
ele demonstrava, o povo se afastava numa atitude de extrema ingratidão. Eram
relativamente poucos os que voltavam e assumiam o firme compromisso de se
tornarem seus discípulos. Mesmo assim Jesus não parava de trabalhar, nem mesmo
para descansar. Antes ele prosseguia fazendo o bem por toda parte. Embora tenha
censurado Corazim, Betsaida e Cafarnaum, cidades da Galiléia, por não se
arrependerem à vista de tantos milagres que lá se realizaram, ele nunca
contrariou a sua natureza divina e as suas palavras, segundo as quais “mais
bem aventurado é dar que receber” (Atos 20:35).