sábado, 13 de abril de 2013

CAPÍTULO 2


CAPÍTULO  2

 

V . 1 - Dias depois, entrou Jesus de novo em Cafarnaum, e logo correu que ele

           estava em casa.

V . 2 - Muitos afluíram para ali, tantos que nem mesmo junto à porta eles achavam

           lugar; e anunciava-lhes a palavra.

V . 3 - Alguns foram ter com ele, conduzindo um paralítico,

           levado por quatro homens.

V .4 - E, não podendo aproximar-se dele, por causa da multidão, descobriram o eirado no

          ponto correspondente ao em que ele estava e, fazendo uma abertura, baixaram o

          leito em que jazia o doente.

V. 5 -Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Filho, os teus pecados

         estão perdoados.

 

O ministério de Jesus prossegue na Galiléia. O servo do Senhor que se esvaziou para servir aos homens sai no poder do Espírito pelas cidades, pelos campos e pelas aldeias investido da plenitude de Deus: expulsando demônios, curando, ensinando e pregando o seu evangelho. Esta força do filho está na dependência do Pai. Como ele mesmo diz em João 5:19-20, “...o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este fizer, o Filho também semelhantemente o faz. Porque o pai ama ao Filho e lhe mostra tudo o que faz”.

Nem mesmo a oração interrompida afetou a sua comunhão com Deus naquela madrugada, quando os discípulos o procuraram. Nestas condições ele podia prosseguir a jornada, desempenhando o seu serviço no interior, nas povoações vizinhas de Cafarnaum, para cumprir a missão de que estava incumbido. A sua coragem estava firmada nesta verdade que declarou: “...aquele que me enviou está comigo, não me deixou só...” (João 8:29a).

Voltar para Cafarnaum, onde todos o procuravam, não estava no plano de Deus naquele momento. Grandes multidões da Galiléia, Decápolis, Jerusalém, Judéia e de além do Jordão o esperavam, e ele precisava atendê-las. Depois da cura do leproso a sua fama cresceu tanto que ele não podia entrar nas cidades, sem causar grandes aglomerações populares. O Mestre não queria causar distúrbios sociais, nem criar problemas que prejudicassem o seu ministério. Qualquer suspeita de que ele fosse um revolucionário poria em risco o seu trabalho, pois as autoridades romanas estavam sempre atentas a quaisquer rumores de guerra e de revolução, enquanto os exércitos romanos estavam prontos para dissolver qualquer concentração popular que comprometesse a ordem pública. Além do mais, a Galiléia era um antro de revolucionários.

Mas agora, passados dias, ele entrou de novo em Cafarnaum. Quantos dias se passaram, não sabemos. Foi o tempo necessário para percorrer as povoações vizinhas pregando, expelindo demônios e realizando curas, como no caso do leproso que o cercou no caminho. Agora ele estava na cidade, em uma casa, onde pregava a palavra. A julgar pela narração, a sua entrada em Cafarnaum deve ter sido sigilosa e a casa em que ele estava deve ter sido aquela em que ele residiu durante o tempo que permaneceu na Galiléia. Mas a quantidade de gente que veio procurá-lo era tão grande que até mesmo a porta estava abarrotada.

Agora, na cura do paralítico, a partir do verso 3, observamos uma série de surpresas. Os que conduziam o doente vinham em busca de cura para ele. Mas, não podendo levá-lo à presença de Jesus, subiram pela escada lateral da casa, que conduzia ao terraço. Ali desmontaram uma parte da laje da cobertura, abrindo um espaço, por onde baixaram o leito em que se encontrava o paralítico. Jesus não interpretou essa ação como se fosse um desaforo praticado contra ele em sua própria casa. Nem tão pouco pensou no reparo dos danos, nos gastos, ou na limpeza que viriam depois. Ele simplesmente considerou a fé que moveu aqueles homens na realização de tal esforço. Eles tinham certeza da que, chegando à sua presença, receberiam a bênção. E Jesus os honrou por isso. Não é em vão que afirmam as Escrituras: “...quem nele crer não será de modo algum envergonhado” (!Pedro 2:6).

Com que palavras Jesus respondeu à fé daqueles homens? Esta é a maior das surpresas. Ele disse ao paralítico: Filho, os teus pecados estão perdoados”, e não o curou imediatamente. Aquele doente poderia até achar que não receberia a cura do corpo, porque a sua alma estava em débito para com Deus, pois a mentalidade judaica defendia a opinião que ninguém recebia de Deus uma cura, sem ter recebido, antes, o perdão de pecados. Por outro lado, todos afirmavam que só Deus pode perdoar pecados. Isto é bem verdade! Mas agora, aquele que prega o evangelho do reino, expulsa demônios e cura toda sorte de enfermidades está reivindicando para si a autoridade de Deus de perdoar pecados. Que reação causou isto nos adversários ali presentes? Esta é mais uma surpresa que veremos a seguir.

 

V . 6 -  Mas alguns dos escribas estavam assentados ali e arrazoavam em seus corações:

V .  7 - Por que fala ele deste modo? Isto é blasfêmia! Quem pode perdoar 

            pecados, senão um, que é Deus?

V . 8 -  E Jesus, percebendo logo por seu espírito que eles assim arrazoavam,

            disse-lhes: Por que arrazoais sobre estas cousas em vossos corações?

V . 9 - Qual é mais fácil, dizer ao paralítico: Estão perdoados os teus pecados,

           ou dizer: Levanta-te, toma o teu leito e anda?

V.10 - Ora, para que saibais que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade

           para perdoar pecados - disse ao paralítico:

V.11 - Eu te mando: Levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa.

V.12 - Então ele se levantou e, no mesmo instante, tomando o leito, retirou-se

           à vista de todos, a ponto de se admirarem todos e darem glória a Deus,

           dizendo: Jamais vimos cousa assim.

 

Os escribas estavam ali acompanhados de fariseus, conforme registro de Lucas 5:17. Eles funcionavam como uma comissão de espiões dos sacerdotes, e procuravam averiguar as atividades dos adversários para descobrir neles alguma falha e depois acusá-los. Aqui eles já começam a envolver-se com Jesus. Estavam diante do Filho de Deus, mas não reconheciam a sua autoridade. Estavam diante do Messias mas não discerniam a sua unção. Estavam diante do Servo do Senhor, mas recusavam o seu serviço. Por isso não podiam compreender as suas palavras. E, se não admitiam que ele pode perdoar pecados, tinham que pensar que ele estava blasfemando. Percebendo o dilema que se passava no íntimo deles, Jesus deu-lhes a oportunidade de saberem que ele é o Filho do homem e tem poder para perdoar pecados. Para isso, curou o paralítico diante dos presentes. Isto provocou a admiração de todos e uma aclamação geral de glória a Deus.

Uma outra surpresa é o fato informado aqui pelo evangelista, que Jesus conhece os pensamentos humanos. Mas também um novo ingrediente é acrescentado neste parágrafo que acabamos de estudar. Trata-se de uma raiz de conflito entre Jesus e seus adversários. Começa com os escribas e fariseus, mas vai-se estendendo para os herodianos, saduceus e sacerdotes, até que conseguem prendê-lo e condená-lo à morte por meio de um julgamento forjado da noite para o dia e, enfim, crucificá-lo. Bem cedo planejaram tirar-lhe a vida, mas ele só a entregou no tempo certo, para depois reavê-la, como ele mesmo explica: “Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou. Tenho autoridade para a entregar e também para reavê-la. Este mandato recebi de meu Pai” (João 10:18).

 

V . 13 - De novo saiu Jesus para junto do mar, e toda a multidão vinha ao seu

             encontro, e ele os ensinava.

V . 14 - Quando ia passando, viu a Levi, filho de Alfeu, sentado na coletoria e

             disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu.

V . 15 - Achando-se Jesus à mesa na casa de Levi, estavam juntamente com

             ele e com seus discípulos muitos publicanos e pecadores; porque estes

             eram em grande número, e também o seguiam.

V . 16 - Os escribas dos fariseus, vendo-o comer em companhia dos pecadores e

              publicanos, perguntavam aos discípulos dele: Por que come [e bebe]

              ele com os publicanos e pecadores?

V . 17 - Tendo Jesus ouvido isto, respondeu-lhes: Os sãos não precisam de

              médico, e, sim, os doentes; não vim para chamar justos, e, sim, pecadores.

 

O texto afirma que, de novo, ele vai para junto do mar. As casas e o centro da cidade não eram ambiente apropriado para um ministério de tão grande vulto. As sinagogas logo saíram do seu plano porque o seu ensino não era bem recebido ali entre pessoas que davam mais valor à formalidade, à religião de aparências e às estruturas tradicionais humanas. O Evangelho de Marcos descreve três cenas de Jesus dentro das sinagogas. A primeira, em Cafarnaum (Marcos 1:21); a segunda, em local não especificado (Marcos 3:1); e a terceira, em Nazaré, de onde foi expulso pelos ouvintes enfurecidos que o levaram a um precipício, para, de lá o precipitarem para baixo (Marcos 6:1-2; cf. Lucas 4:16-30).

Por estas razões, e ainda porque o seu ministério vai-se expandindo tão prodigiosamente, ele planeja uma mudança no cenário das suas pregações e passa a dar preferência a lugares mais amplos, onde todo tipo de pessoas é bem-vindo e onde as multidões podem aglomerar-se ao seu redor sem problemas.

E ele os ensinava.

Um dia ia passando e viu Levi sentado na coletoria. Esta não era um prédio no centro da cidade. Talvez fosse alguma cousa parecida com um posto de guardas localizado em  ponto estratégico da rota por onde passavam as caravanas de mercadores com seus rebanhos, carros, jumentos e camelos carregados de mercadorias. Ali trabalhavam para o governo romano os fiscais chamados publicanos, conferindo as cargas, taxando os produtos e recolhendo os impostos. Levi, ou Mateus, estava entre eles. Qual era a sua função, não sabemos. A julgar pela descrição da sua postura no verso 14, ele tinha uma posição bem elevada. Consta que ele estava “sentado”na coletoria, e esta expressão é freqüentemente usada no Novo Testamento para destacar a importância da pessoa (Cf. Mateus 5:1; 23:2). Mas pelo menos duas de suas características podemos afirmar com certeza: o rigor no conferir as cousas e a capacidade de fazer bem os seus apontamentos. Estas habilidades adquiridas no exercício da sua profissão, ele aplicou mais tarde no exercício do seu ministério.

De fato, lendo o seu Evangelho, observamos que ele relata muitos acontecimentos da vida de Jesus, confere-os com as profecias do Velho Testamento e, em seguida, cita essas profecias. Com isto ele quer mostrar aos judeus conhecedores das Escrituras que Jesus é o Messias prometido nelas. Além disso, ele anotou com tanto cuidado os ensinos do Mestre e os arranjou tão bem no seu livro, que o Evangelho de Mateus é merecidamente chamado de “O Evangelho Didático”, sendo , por isso, muito apropriado para o ensino nas igrejas.

Ao ser chamado por Jesus, Mateus levantou-se e o seguiu sem hesitação. Esta decisão rápida e definitiva dá a entender que ele já conhecia o Senhor pelas cousas que aconteceram ali em Cafarnaum e pelas notícias que chegavam dos lugares por onde ele andava. Como já sabemos, as coletorias eram situadas em rotas percorridas por gente vinda de todas as partes. Por um lado, é muito provável que Mateus já estivesse a caminho da convicção de que Jesus é o Messias e, por outro lado, Jesus sabia o que se passava em seu coração.

Mas há nestes fatos uma cousa que causa grande impressão. É a alegria demonstrada por Mateus de ter sido chamado pelo Mestre. Não demorou que ele aprontasse um grande banquete e convidasse os seus colegas e amigos para dar-lhes a oportunidade de um encontro com Jesus. Isto aconteceu na sua própria casa. Se ele não era muito rico, era pelo menos abastado. Além de ter uma casa que comportava muita gente, ele podia arcar com as despesas do banquete que não deviam ser poucas. Segundo o costume da época, as portas estavam abertas para todos, porque ali se apresentava um grande mestre, trazendo os seus ensinos. Até mesmo os escribas dos fariseus estavam presentes.

Quem eram os colegas e os amigos de Mateus convidados para o banquete? Os colegas eram os publicanos, da mesma profissão que ele. Os amigos eram os pecadores. Mas que tipo de gente era essa? Os publicanos eram aqueles funcionários do governo romano que cobravam impostos em todas as províncias do Império. Geralmente eram pessoas naturais dessas províncias, mas comumente eram desprezadas e até mesmo odiadas

pelos seus concidadãos que as consideravam antipatriotas, por causa dos abusos que muitas delas cometiam, taxando exageradamente ou extorquindo os contribuintes. Nada consta de Mateus neste sentido, que desabone a sua reputação.Mas ele pertencia a essa classe profissional odiada e desprezada pela sociedade. Os pecadores, por sua vez, constituíam uma classe bem especial de pessoas em Israel, nos tempos de Jesus. Era aquela parte da população que não obedecia à Lei de Moisés, não freqüentava as sinagogas, não participava das festividades religiosas e nem comparecia ao Templo para oferecer sacrifícios. Os publicanos e os pecadores eram o tipo de pessoas com  quem Mateus se associava. eles eram exatamente o oposto dos escribas e dos fariseus. Os escribas eram também chamados “doutores da Lei”, ou “intérpretes da Lei de Moisés”. Eles estudavam como os advogados de hoje e exerciam a função de juízes nos tribunais dos judeus. Eram orgulhosos e arrogantes e consideravam-se os donos da interpretação da Lei. Os fariseus do tempo de Cristo eram os remanescentes de uma seita ortodoxa muito severa do judaísmo que no decorrer do tempo foi descambando para o formalismo, para o ritualismo, enfim, para o legalismo. As suas atitudes encobriam as suas verdadeiras intenções, com uma máscara de aparência exterior. Por isso Jesus os denunciou como iníquos e hipócritas. Naqueles tempos os fariseus exerciam bastante influência política na Judéia e, juntamente com os escribas, mantinham forte autoridade religiosa sobre a população, além do que nutriam sentimento de superioridade sobre os publicanos e pecadores.

Ali na casa de Mateus estavam presentes dois mundos opostos. Por um lado, o dos pecadores e publicanos, desprezados, considerados como representantes da ilegalidade e filhos indignos da pátria. Por outro lado, o dos escribas e fariseus, representantes do tradicionalismo e do estabelecimento humanos, da empresa religiosa e do imperialismo espiritual. Ignorando as verdadeiras necessidades do povo, consideravam-se os seus guias perfeitos.

Com tanta incoerência ao mesmo tempo, havia festa na casa de Mateus e alegria em sua alma. Era a presença do Mestre, oferecendo a todos uma nova opção. Não um reino como os reinos deste mundo, mas o reino dos céus. Todavia Jesus é censurado pelos escribas dos fariseus por aceitar ao seu lado os publicanos e pecadores. Ele esclarece que isso fazia parte da sua missão. Como médico que cuida de doentes, ele tem o remédio de que os pecadores necessitam e, como enviado de Deus, ele veio chamá-los para serem justificados.

Mas os escribas dos fariseu não entendiam estas cousas porque, como disse Jesus, eram cegos, guias de cegos que, inutilmente, tentavam justificar-se com suas formalidades, rituais e sacrifícios. Mais tarde Mateus recorda que Jesus, nesta ocasião, aconselhou-os a estudarem melhor a Palavra de Deus, para avaliarem a sua atitude. A passagem indicada por ele e que foi anotada pelo evangelista é a de Oséias 6:6 que se encontra inserida em Mateus 9:13.

Nesta apreciação que estamos fazendo do ministério de Jesus segundo o Evangelho de Marcos é oportuno observar que o escritor apresenta o Filho de Deus de maneira toda especial na sua capacidade de trabalho, no seu envolvimento com o povo, com seus discípulos e com os seus adversários, num estilo jornalístico e pictórico que cria no leitor atencioso uma imagem muito impressiva da pessoa de Jesus. No entanto isto não contradiz o fato de seu ministério ser especialmente caracterizado pelos ensinos que ele transmitiu durante as suas pregações ao público e durante as conversações que manteve com os discípulos e com outras pessoas em particular. Como mestre, ele é considerado o “Mestre por Excelência”. Nunca houve e nem haverá alguém que se aproxime dele pelas suas qualidades didáticas, pelo seu conhecimento de psicologia humana e pela sua habilidade de transmitir ensinos tão elevados por meio de linguagem e de figuras facilmente compreensíveis a pessoas de qualquer nível de instrução. Como pregador, quem o poderá avaliar? Ele é a própria Palavra da Deus. A seu respeito disse certo estudioso da Bíblia: “Deus tem um único Filho, e este foi pregador”.

Mas o seu ministério transcorreu em meio a tanta agitação e turbulência que constantemente ele tinha que tomar decisões e atitudes sábias, rápidas e enérgicas, enquanto ia transmitindo seus ensinos, proclamando a verdade e fazendo milagres. Em outras palavras, em meio a muitos contratempos, ele ia espalhando o conhecimento de Deus.

O Evangelho de Marcos fotografa Jesus em vários “flashes” nos quais vemos o Filho do homem em plena atividade e com toda performance, desempenhando o seu trabalho e resolvendo as situações mais diversas, da melhor maneira possível. Na cura do paralítico em Cafarnaum foi captado um quadro de Jesus sendo observado pelos escribas e fariseus que arrazoavam em seus corações sobre a sua autoridade de perdoar pecados. Na casa de Mateus uma nova situação é focalizada: os escribas dos fariseus questionavam a atitude do Mestre por receber pecadores e publicanos em sua companhia. Nos próximos parágrafos veremos a preocupação de Marcos documentar novas ocorrências no ministério de Jesus, que mostram o crescente desenvolvimento dos conflitos com seus adversários, o que só tem fim no desfecho deste Evangelho, quando ele é levado à morte.

 

V . 18 - Ora, os discípulos de João e os fariseus estavam jejuando. Vieram alguns

              e lhe perguntaram: Por que motivo jejuam os discípulos de João e os dos

              fariseus, mas os teus discípulos não jejuam?

V . 19 - Respondeu-lhes Jesus: Podem, porventura, jejuar os convidados para o

              casamento, enquanto o noivo está com eles? Durante o tempo em que

              estiver presente o noivo, não podem   jejuar.

V . 20 - Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo;

              e nesse tempo jejuarão.

V . 21 - Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha; porque o remendo

              novo tira parte da veste velha, e fica maior a rotura.

V . 22 - Ninguém põe vinho novo em odres velhos; do contrário o vinho romperá os

              odres; e tanto se perde o vinho, como os odres. Mas põe-se vinho novo

              em odres novos.

 

Primeiramente convém notar que este parágrafo não está trazendo nenhum ensino a respeito do jejum, como também não há aqui nenhuma censura sobre o jejum dos fariseus e dos discípulos de João. Quanto ao costume dos judeus jejuarem, sabemos que a Lei de Moisés prescrevia um único jejum coletivo por ano, no Dia da Expiação Nacional (Levítico 23: 27,29). Depois do exílio foram acrescentados mais quatro e, ainda, mais alguns outros individuais. Nos tempos de Jesus os fariseus observavam outros dois jejuns semanais. No caso aqui relatado não sabemos qual deles estava sendo observado. Os discípulos de João e os dos fariseus provavelmente traziam uma aparência forjada de tristeza e de sofrimento, enquanto notavam os discípulos de Jesus passando bem e alegrando-se na presença do Mestre. Foi isto que levou alguns deles a se dirigirem diretamente a Jesus para o interrogarem a esse respeito.

Esta mudança para melhor que se observa no comportamento dos discípulos de Jesus e que os outros não conseguiam entender, nem aceitar, é resultado da superioridade da doutrina e da nova ordem de cousas do reino de Deus, que havia chegado. A presença do Messias, o noivo, é motivo de alegria e de festa. Portanto, não se justificava jejum ou aflição. Com uma profecia Jesus antecipa a sua morte como necessária e acrescenta que naquele dia, quando o noivo fosse retirado, seus discípulos haveriam de jejuar.

Nos versos 21 e 22 Jesus esclarece que a rigidez das velhas tradições judaicas impedia que os fariseus recebessem os seus ensinos, que eram uma novidade. Seria como colocar remendo novo em pano velho ou vinho novo em odres velhos, onde se perde tanto uma cousa como a outra.

 

V . 23 - Ora, aconteceu atravessar Jesus, em dia de sábado, as searas,

              e os discípulos ao passar colhiam espigas.

V . 24 - Advertiram-no os fariseus: Vê! Por que fazem o que não é

             lícito aos sábados?

V . 25 - Mas Jesus lhes respondeu: Nunca lestes o que fez Davi, quando

             se viu em necessidade, e teve fome, ele e seus companheiros?

V . 26 - Como entrou na casa de Deus, no tempo do sacerdote Abiatar

             e comeu os pães da proposição, os quais não é lícito comer,

             senão só aos sacerdotes, e deu também aos que estavam com ele?

V . 27 - E acrescentou: O sábado foi estabelecido por causa do homem,

             e não o homem por causa do sábado;

V . 28 - de sorte que o Filho do Homem é senhor também do sábado.

 

Um outro incidente é registrado em seguida, desta vez, com relação ao sábado.

As tradições rabínicas haviam estabelecido centenas de preceitos minuciosos e rigorosos para proteger a guarda do sétimo dia da semana. Assim, as pessoas sentiam-se tão escravizadas diante dele, como diante de um senhor muito severo. Entre 39 tipos de trabalho proibidos constavam os de colher cereais, abanar, moer e preparar comida no sábado. Embora não estivessem ceifando, os discípulos de Jesus foram considerados criminosos por debulharem com as mãos e esfregarem as espigas que colheram para comer. Então os fariseus deram um passo adiante na investida contra Jesus, dirigindo-se contra ele, desta vez já com acusação. Mas eles erravam no seu modo de compreender. Os homens não podem criar mitos em torno do sábado, nem estabelecer regras que lhes impeçam de satisfazer as suas próprias necessidades por causa dele. Isto contraria os princípios da misericórdia. O exemplo do que ocorreu nos tempos do sumo sacerdote Abiatar é para mostrar que não houve violação da lei de Deus,quando deram a Davi e a seus companheiros famintos os pães sagrados, que só os sacerdotes podiam comer.

Convém esclarecer que Jesus não se levantou contra a instituição do sábado e, sim, contra o acúmulo de tradições criadas em torno dele. É fora de dúvida que ele mesmo guardava esse dia, mas ele o fazia dentro do espírito com que ele foi instituído e não como os fariseus que, com suas tradições, anulavam a lei de Deus. O Mestre não podia deixar-se envolver por articulações humanas a esse respeito, devido ao conhecimento que tinha de Deus e da Lei de Moisés. Se o Deus criador que criou o homem, e o sábado para o homem, é senhor destas cousas que criou, então o Filho de Deus igualmente o é. Por isso ele afirmou: “O Filho do Homem é senhor também do sábado”.

Neste ponto Marcos apresenta Jesus em seu Evangelho, como aquele que tem autoridade para dar instruções a respeito do sábado.