sábado, 13 de abril de 2013

CAPÍTULO 15


CAPÍTULO  15

 

V.  1 -  Logo pela manhã entraram em conselho os principais sacerdotes

            com os anciãos, escribas e todo o Sinédrio; e amarrando a Jesus, 

            levaram-no e o entregaram a Pilatos.

V.  2 -  Pilatos o interrogou: És tu o rei dos judeus?  Respondeu Jesus: Tu o dizes.

V.  3 -  Então os principais sacerdotes o acusavam de muitas cousas.

V.  4 - Tornou Pilatos a interrogá-lo: Nada respondes? Vê quantas acusações te fazem.

V.  5 - Jesus, porém, não respondeu palavra, a ponto de Pilatos muito se admirar.

V.  6 - Ora, por ocasião da festa, era costume soltar ao povo

            um dos presos, qualquer que eles pedissem.

V.  7 -  Havia um, chamado Barrabás, preso com amotinadores,

            os quais em um tumulto haviam cometido homicídio.

V.  8 - Vindo a multidão, começou a pedir que lhes fizesse como de costume.

V.  9 - E Pilatos lhes respondeu, dizendo: Quereis que eu vos solte o rei dos judeus?  

V.10 - Pois ele bem percebia que por inveja os principais sacerdotes

           lho haviam entregado.

V.11 - Mas estes incitaram a multidão no sentido de que

           lhes soltasse de preferência Barrabás.

V.12 - Mas Pilatos lhes perguntou: Que farei, então,

           deste a quem chamais o rei dos judeus?

V.13 - Eles, porém clamavam: Crucifica-o! 

V.14 - Mas Pilatos lhes disse: Que mal fez ele?

          E eles gritavam cada vez mais: Crucifica-o! 

V.15- Então Pilatos, querendo contentar a multidão, soltou a Barrabás;

          e, após mandar açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado.

 

 

O tribunal formado pelos judeus e que condenou Jesus, havia-se reunido irregularmente durante a noite, quando ele foi julgado réu de morte. De manhã voltaram a reunir-se os membros do Sinédrio, para confirmar a resolução tomada, dando-lhe aparência de legalidade, e para levar a questão a Pilatos, o único que tinha poderes para ditar a sentença de morte a qual também só podia ser executada por autoridades romanas.

Apesar desta reunião do Sinédrio ter sido feita durante o dia, ela contrariava a lei dos judeus que não permitiam atividades daquele tribunal durante as grandes festas, e este era o primeiro dia dos Pães Asmos, uma das principais festas da nação.

A acusação de que Jesus afirmou ser o Filho de Deus e o Messias não tinha valor para justificar o julgamento por parte das autoridades romanas, visto que esta era uma questão particular, ligada à religião dos judeus. O governo romano tratava de fatos políticos e sociais que pusessem em risco a segurança do Império. Por esta razão os inimigos de Jesus levaram-no à presença de Pilatos, sob a acusação de ser ele agitador do povo e de perverter a nação, impedindo pagar tributo a César e também de afirmar ser rei (cf.Lucas 23:1-2). Segundo o registro de Marcos, Pilatos percebia que eles o entregavam por inveja. Portanto, tratava-se de uma grande mentira.

Pilatos era o Procurador Romano na Judéia e exerceu esta função entre os anos 26 e 36 D.C. Estes acontecimentos se passaram no ano 33. Como Governador, a sua residência oficial era Cesaréia, mas ele subiu a Jerusalém, supostamente para garantir a ordem durante as festividades da Páscoa. Ele é descrito por Herodes Agripa I em uma carta ao imperador Calígula, como sendo inflexível, auto determinado, implacável, vingativo e cruel. E ainda, como culpado de repetidas execuções sem julgamento. Apesar disso, conforme observa Henry Turlington no Comentário Broadman da Bíblia, os relatos dos Evangelhos não são tão severos com ele como Filo e Josefo, ambos, judeus famosos daquela época. O primeiro, filósofo e teólogo judaísta de Alexandria e o segundo, historiador da Palestina que mais tarde passou para a corte do Império em Roma, o qual relata como Pilatos foi afastado do cargo por causa do assassinato injustificado que cometeu de um grupo de samaritanos.

Marcos não isenta de responsabilidade a nenhum dos que tomaram parte no que aconteceu com Jesus, embora ele enfatize especialmente o pecado ou a dureza de coração visível do traidor, dos líderes judeus e mesmo dos discípulos que fugiram, especialmente de Pedro, que repudiou o Mestre. Mas também Pilatos, a multidão instigada clamando por sangue e os soldados romanos são tratados como participantes do crime. O Governador foi reservado ao ouvir dos judeus as acusações contra Jesus, e lhe pediu apenas a confirmação dos argumentos apresentados. A sua pergunta “És tu o rei dos judeus?” reflete uma surpresa. Rei, para ele, era alguém que exercia funções de Tetrarca, de rei vassalo, ou o augusto Imperador que, em Roma, se vestia de púrpura. Mas como podia ser rei este que estava diante dele? Contudo Jesus confirmou as suas palavras, respondendo: “Tu o dizes”. Esclarecendo ainda a natureza espiritual do seu reino, deu-lhe plena garantia de que não fazia nenhuma concorrência com os reinos políticos e materiais terrenos, pronunciando estas palavras: “O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (João 18: 36). Portanto ele não representava nenhum perigo para o Império Romano. Porém as acusações dos principais sacerdotes não cessavam e ele  não respondia a nenhuma delas, a ponto de Pilatos muito se admirar. Apesar de ter demonstrado uma momentânea compreensão dos fatos, a posição final assumida por Pilatos só pode ser qualificada de imoral e injusta. Sabendo que o réu estava sendo entregue por inveja, mas querendo contentar a multidão, libertou um criminoso e condenou um inocente.

A justiça não estava mesmo sendo levada em consideração. O que fica claro no texto é que havia uma disputa entre Pilatos e os líderes judeus. Por um lado o Governador queria frustrar o propósito dos principais sacerdotes, tentando jogar contra eles a multidão, quando perguntou: “Quereis que eu vos solte o rei dos judeus?” Por outro lado, aqueles líderes chegaram a ponto de se misturar ao povo que eles consideravam ralé e diziam ser plebe maldita (cf. João 7:49), para tentar conseguir a soltura de Barrabás e a condenação de Jesus. Quando a multidão insistiu na libertação do bandido, Pilatos ainda perguntou o que ele deveria fazer com o chamado Rei dos Judeus. Isto indica a sua aparente disposição de soltar Jesus ao mesmo tempo que Barrabás. Mesmo depois do novo pedido de crucificação ele insistiu em perguntar que mal ele havia feito. É muito estranha a atitude de um homem cruel como Pilatos, acostumado a matar, que agora, diante de Jesus, mostra-se hesitante em condená-lo. Mas em Mateus 27:19 encontramos uma informação que esclarece o seu comportamento. É que, em meio a esta disputa com os judeus sobre Jesus e Barrabás, ele recebeu ali mesmo no tribunal um recado de sua esposa, que dizia: “Não te envolvas com esse justo, porque hoje, em sonho, muito sofri por seu respeito”. Mas a injustiça, afinal, conseguiu mais uma vantagem pela aclamação da multidão que entoava em coro: “Crucifica-o”. Pilatos não estava preocupado com o que devia acontecer com Jesus ou com Barrabás. Pela sua decisão ele contentou a multidão, libertou o criminoso e entregou Jesus para ser açoitado e crucificado.

O açoite era uma punição horrivelmente dolorosa, imposta a escravos e às vezes, a pessoas comuns das províncias, mas nunca aos cidadãos romanos. O chicote utilizado para isto continha várias tiras de couro, com pedaços de metal ou de osso presos  às pontas. A vítima era amarrada, estendida contra um pilar, e então fustigada. Os destinados à crucificação, normalmente eram levados antes para receber açoites.

Tudo isso Jesus sofreu por nós, o Justo, pelos injustos, para nos conduzir a Deus (cf. Hebreus 2:10-13).

 

V.16 – Então os soldados o levaram para dentro do palácio, que é o pretório,

            e reuniram todo o destacamento.

V.17 – Vestiram-no de púrpura e, tecendo uma coroa de espinhos,

            lha puseram na cabeça.

V.18 – E o saudavam, dizendo: Salve, rei dos judeus!

V.19 – Davam-lhe na cabeça com um caniço, cuspiam nele e,

            pondo-se de joelhos, o adoravam.

V.20 – Depois de o terem escarnecido, despiram-lhe a púrpura

            e o vestiram com as suas próprias vestes.

            Então conduziram Jesus para fora, com o fim de o crucificarem.

 

Agora, depois de receber os açoites, Jesus se encontra sob o tratamento da guarda palaciana de Pilatos. Seiscentos soldados escolhidos formavam o destacamento que guardava o palácio do governador em Jerusalém, o chamado Pretório. Esta era a sua residência oficial na cidade. Ali ele dava audiências e lavrava sentenças. Os soldados levaram Jesus lá para dentro, reuniram o destacamento e, enquanto se preparava a cruz, ele sofreu uma série de abusos que de costume eram praticados contra todos os condenados à morte. Mas algo de muito singular se passava no tratamento dado a Jesus. Era a crueldade dos soldados, ou da Corte Italiana, ou de províncias que não a Judéia. Semelhante crueldade devia ter um fundo de sentimentos contrários a judeus, e de lealdade a César e às águias do Império Romano.

A única idéia que conseguia impressionar aquelas mentes rústicas de homens terrenos e naturais era a acusação de que Jesus era um possível rival de César, porque ele afirmava ser Rei. Por isso o olhavam com desprezo e o humilhavam. Vestiram-no com um manto de púrpura escarlate como se fosse um manto real; colocaram-lhe na cabeça uma coroa de espinhos que representava a coroa de louros usada pelos imperadores e puseram-lhe na mão direita um caniço, como se fosse um cetro de rei. Assim escarneciam dele, saudando-o com a expressão: “Salve, Rei dos judeus!”, ajoelhando-se diante dele, como se fosse  diante de César. Depois tomaram o caniço e começaram a bater-lhe na cabeça, sobre a coroa de espinhos. Toda esta pantomima era impregnada de uma arrogância que se evidencia nos gestos de fazerem mesuras diante dele, e de cuspirem nele. Estas grosserias feitas a um condenado tinham também a finalidade de excitar psicologicamente os soldados, criando neles a disposição necessária para aplicar ao réu a pena de morte. Terminada a preparação da cruz, seguindo a praxe, um destacamento de quatro soldados comandados por um centurião conduziu Jesus para fora, com o fim de o crucificarem.

As atrocidades praticadas contra ele, que devem ser vistas por todo cristão como o que existe de mais repugnante, e a humildade com que ele tudo suportou só podem ser compreendidas do ponto de vista seguinte: por um lado, a atividade do inimigo que usa todos os meios com o fim de impedir o plano de Deus de salvação do homem; e por outro lado, a longanimidade de Deus Pai, Todo Poderoso ao lado do Filho obediente, até completar a obra redentora. Com isto conferem as palavras do profeta que diz: “Não desanimará nem se quebrará até que ponha na terra o direito; e as terras do mar aguardarão a sua doutrina” (Isaías 42:4).

 

V.21 – E obrigaram a Simão Cireneu que passava, vindo do campo,

            pai de Alexandre e de Rufo, a carregar-lhe a cruz.

 

Quando um condenado marchava para a crucificação, ia carregando, ele mesmo, a sua cruz. Mas quando se cansava, bastava que um dos soldados que o acompanhavam tocasse com sua lança qualquer dos homens dentre o povo, para lhe ordenar que tomasse a cruz. Ele teria que obedecer prontamente. Isto causava revolta nos judeus que se sentiam humilhados. Muitas vezes eles eram surpreendidos desta maneira para carregar a mochila ou qualquer outra carga de um soldado. É como Jesus disse:      “Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas” (Mateus 5:41). Simão vinha do campo, mas parece que não era nenhum lavrador ou que residisse em alguma aldeia próxima de Jerusalém. É mais provável que ele fosse um judeu peregrino vindo de Cirene, do norte da África, e que estivesse hospedado fora da cidade que, naqueles dias de Páscoa ficava superlotada de visitantes. Talvez ele estivesse bem vestido, entrando com satisfação na cidade santa, para cumprir o seu desejo ardente de estar um dia na grande festa, e de participar ali da refeição pascal, o que era uma aspiração de todo judeu piedoso. A viagem a Jerusalém podia ter-lhe custado as economias da vida inteira. Mas dentro da sua compreensão tradicional ele trazia no coração o sincero propósito de adorar a Deus bem de perto. Mas eis que o toque inesperado da lança irônica de um soldado romano atingiu as suas costas e, sem nenhuma resistência, ele foi obrigado a carregar a cruz de Cristo. O que ele sentiu naquele instante não sabemos, mas ele tornou-se o símbolo do discípulo que toma a cruz do Mestre. A inclusão deste acontecimento no relato de Marcos com referência à origem de Simão, seu nome e os de seus filhos não tem outra explicação a não ser o fato dele e de sua família terem-se tornado bem conhecidos da igreja primitiva, especialmente em Roma, onde este evangelho foi escrito, quase trinta anos depois que tudo aconteceu.

Estudando a expansão do cristianismo no Livro de Atos dos Apóstolos, notamos que alguns discípulos estavam pregando em Antioquia, na Síria, após a dispersão da igreja de Jerusalém devida às perseguições levantadas pelos judeus, que levaram Estêvão ao martírio (Atos 11:19-20). Entre eles estavam alguns que eram de Chipre e de Cirene pregando a gregos, enquanto outros pregavam somente a judeus. Os de Cirene já constituíam uma nova geração de cristãos procedentes do norte da África, menos de vinte anos após Simão ter tomado a cruz. Eles pregavam a gentios, antes mesmo de Paulo e Barnabé terem saído para a primeira viagem missionária. Foi assim que se formou a igreja de Antioquia da Síria, constituída tanto de judeus como de gentios. Quando Paulo escreve a carta aos Romanos, cerca de vinte e cinco anos após o incidente de Simão Cireneu em Jerusalém, ele saúda entre os irmãos de Roma a Rufo, chamado eleito no Senhor e sua mãe, por quem o Apóstolo mostra grande afeição, afirmando que ela era mãe para ele também (Romanos 16:13). Simão não é mencionado. Possivelmente o Senhor já o tivesse recolhido para a glória. Mas, naquele encontro que tivera com Cristo, o cireneu não se limitou a carregar o madeiro só por um momento. Compreendendo que devia tomar aquela cruz por toda a vida, pode assim, satisfazer o ardente desejo do seu coração, de adorar o seu Deus bem de perto.

É possível que Simão Cireneu tenha permanecido em Jerusalém após o Pentecoste, perseverando com os discípulos na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações. Mas depois ele tornou-se um missionário com toda a sua família. Esta é apenas uma pequena demonstração do poder redentor que emana da cruz de Cristo.

 

V.22 - E levaram Jesus para o Gólgota, que quer dizer Lugar da Caveira.

V.23 -Deram-lhe a beber vinho com mirra, ele, porém, não tomou.

V.24 -Então o crucificaram, e repartiram entre si as vestes dele,

          Lançando-lhes sorte para ver o que levaria cada um.

V.25 -Era a hora terceira quando o crucificaram.

V.26 -E, por cima estava, em epígrafe, a sua condenação: O REI DOS JUDEUS.

V.27- Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita,

          e outro à sua esquerda.

V.28 -[E cumpriu-se a Escritura que diz:

               Com malfeitores foi contado.]

V.29 -Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo:

          Ah! Tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas!

V.30 -Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz.

V.31 -De igual modo os principais sacerdotes com os escribas, escarnecendo,

          entre si diziam: Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se;

V.32 -desça agora da cruz o Cristo, o Rei de Israel, para que vejamos e creiamos.

         Também os que com ele foram crucificados o insultavam.

 

Os Evangelhos não dão detalhes do percurso seguido por Jesus para chegar ao local da crucificação. Mas outras fontes informam que os romanos escolhiam um longo trajeto para que o condenado fosse visto pelo maior número possível de pessoas, que deviam tomar aquilo por advertência. Era um espetáculo dantesco, mais triste e impressionante do que um cortejo fúnebre. Um soldado, à frente, carregava um cartaz em que estava inscrita a causa da condenação. E mais tarde ele era afixado ao topo do madeiro.

 

Lucas descreve em seu Evangelho uma cena que se passou no caminho, com as seguintes palavras: “Seguia-o numerosa multidão de povo, e também mulheres que batiam no peito e o lamentavam. Porém Jesus, voltando-se para elas, disse: Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas e por vossos filhos. Porque dias virão em que se dirá: Bem-aventuradas as estéreis, que não geraram nem amamentaram. Nesses dias dirão aos montes: Caí sobre nós, e aos outeiros: cobri-nos. Porque, se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco? E também eram levados outros dois, que eram malfeitores, para serem executados com ele” (Lucas 23:27-32). Estas mulheres seguiam Jesus bem de perto, batendo no peito, lamentando-o. Era a compaixão na expressão da sensibilidade feminina, mais do que do discernimento dos tempos. Talvez fosse até um ritual oportuno ligado às obras meritórias do legalismo. Mas o Filho de Deus, como Castelo Forte, Rocha da Nossa Salvação, sendo atendido e fortalecido na súplica que fez quando agonizava no Getsêmani, não atentando para as cousas que sofria, era capaz de advertir aquelas mulheres quanto ao futuro dos que o conduziam à paixão e à morte. Por isso ele explica: Se um inocente é levado a suportar tão grande sofrimento como a lenha verde que não serve para ser queimada mas estão queimando, qual não será o fim dos culpados pela sua condenação? Certamente será tanto maior quanto o fogo produzido pela lenha seca própria para ser queimada. Naqueles dias as mulheres sentir-se-iam melhor se fossem estéreis e não tivessem filhos por quem chorar. Menor sofrimento haveria em ser soterrado por uma avalanche caindo dos montes, do que suportar o que sobreviria a Jerusalém. De fato, quando estudamos o capítulo treze deste Evangelho, vimos o que foi a grande tribulação para os judeus na invasão da cidade pelos romanos, no ano 70 DC.

Mas estas palavras de Jesus alcançam toda a humanidade impenitente, porque ele não estava ali somente por causa dos que o mataram naquele dia, isto é, os principais sacerdotes, os anciãos, os escribas, o traidor, Pilatos, a multidão, os soldados romanos e outros coniventes. Mas todos nós estávamos implicados no seu sofrimento e na sua morte, por causa dos nossos pecados individuais. Ele estava ali exatamente propiciando a solução da dívida pessoal de cada um para com Deus, porque “todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação,mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixar impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e justificador daquele que tem fé em Jesus” (Romanos 3:23-26).

Portanto, a oportunidade está aberta para todo homem de bom senso, amante da verdade, antes que a ira de Deus venha definitivamente sobre os que não amam a vinda do Senhor Jesus, quando igualmente eles dirão aos montes: Caí sobre nós, e aos outeiros: Cobri-nos, que o sofrimento será menor.

O local da crucificação, denominado Gólgota, Calvário e Lugar da Caveira, nos Evangelhos, não pode ser identificado atualmente com precisão, embora haja dois pontos apresentados como prováveis. Do mesmo modo, não se pode reconstituir perfeitamente a crucificação com base nos relatos sagrados. Mas há duas possibilidades aceitas como costumeiras na época.

A primeira é que Jesus tivesse carregado a cruz inteira desde o início da Via Dolorosa, até chegar ao Calvário. Neste caso ele teria sido cravado de mãos e pés, nela deitada no chão. Só depois o madeiro teria sido levantado e assentado no lugar definitivo. Para evitar que se rasgassem as mãos no baque do assentamento, havia uma espécie de selim para apoio dos pés, que suportava o peso do corpo.

 

Este apoio auxiliava na elevação da cruz, mas prolongava o sofrimento da vítima que acabava morrendo de fraqueza, fome e sede depois de até uma semana de tortura e agonia. Quando o peso do corpo era suportado pelos braços, e não pelo selim,os músculos provocavam a asfixia, e a morte era mais rápida. Por isso era costume quebrarem-se as pernas dos condenados que tinham os pés cravados e apoiados, evitando assim um sofrimento prolongado. Mas isto não aconteceu com Jesus (cf. João 19:31-37).                                          

A outra possibilidade é que Jesus tenha carregado apenas a peça horizontal que constitui os braços da cruz. Neste caso a parte vertical já se encontrava fincada no lugar definitivo da crucificação. Então a parte horizontal era instalada no ato de cravar o condenado. Muitas vezes eram pregadas somente as mãos com  pregos rústicos da época  chamados “cravos”, enquanto os pés eram simplesmente amarrados sobre um apoio. Mas no caso de Jesus foram traspassados tanto os pés quanto as mãos, conforme a profecia do Salmo 22:16, confirmada em Lucas 24:39-40.

Amigos, simpatizantes, mulheres piedosas e até mesmo seguidores de Jesus podem ter sido aqueles que prepararam vinho com mirra para lhe oferecer. A mirra era entorpecente, e por isso ele recusou. Não convinha que esta espécie da anestesia viesse a anular os sofrimentos que ele ainda devia suportar para a nossa redenção. Aqui está um alerta para aqueles que pregam o “evangelho facilitado”, no qual a graça de Deus é oferecida a baixo custo, isto é, sem os cuidados necessários para desenvolver a verdadeira fé na pessoa e na obra redentora de Cristo, que Deus exige para a salvação. Pouco antes de expirar, Jesus aceitou que lhe dessem a beber vinagre, mas sem entorpecente, porque tinha sede. E assim se cumpriu mais uma profecia a seu respeito (João 19:28-30; Salmo 69:21). Os soldados, que tinham direito de se apossar daquilo que o réu tivesse sobre o corpo, dividiram entre si as peças do seu vestuário. Mas a túnica que não tinha costuras e não podia ser retalhada porque era muito cara, foi decidida por sorteio, cumprindo-se a profecia do Salmo 22:18, confirmada em João 19:23-24.

Eram nove horas da Sexta Feira da Paixão, quando Jesus foi crucificado. No alto da cruz estava afixada a epígrafe com a acusação que o levou à morte: “O Rei dos Judeus”, e que, nada mais era, senão a expressão da verdade que ele confirmou diante de Pilatos, dizendo: “... para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade...” (João 18:37). Na sua glória, à sua direita e à sua esquerda, lugares cobiçados por Tiago e João, ficaram aqueles para quem estava preparado, isto é, dois ladrões que os discípulos não puderam ver, a não ser João, porque estavam foragidos (cf. João 19:26-27).

O Redentor foi incluído entre os malfeitores por aqueles que o julgaram, cumprindo-se a profecia de Isaías 53:12. Todos podiam conferir isto naquele espetáculo grotesco que mal se pode imaginar. Ele consentiu que isto acontecesse para salvar o mundo que Deus amou, mundo que não o conheceu. A justiça divina exigia aquele sacrifício tão merecedor e de tão alto preço, a favor do pecador. A sua graça e a sua misericórdia a favor dos que não merecem são maiores do que todos os sofrimentos envolvidos neste processo.

É como diz o Espírito na boca do profeta: “...ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar...” (Isaías 53:10).

 

Qualquer um que passasse por aquele caminho do Calvário haveria de ver sobre a colina três cruzes em pé. De um lado estava crucificado um ladrão, do outro lado, outro ladrão, e no meio, o Filho de Deus, o Rei dos judeus. Diante deste quadro que resume a atuação de Deus na história da humanidade para redimir todo o universo, eram diferentes as atitudes dos que ali estavam e dos que por ali passavam. De longe, as mulheres que vieram da Galiléia olhavam para o Mestre com tristeza e desesperação. Os que estavam mais próximos, que com ele foram crucificados, o insultavam. Os que iam passando, blasfemavam dele, meneando a cabeça e dizendo: “Ah! Tu que destróis o santuário e em três dias o reedificas! Salva-te a ti mesmo, descendo da cruz”. De igual modo, os principais sacerdotes com os escribas, escarnecendo entre si, diziam: “Salvou os outros, a si mesmo não pode salvar-se; desça agora da cruz, o Cristo, o rei de Israel, para que vejamos e creiamos”.

Alguém disse no passado: “Porque Jesus não desceu da cruz é que cremos nele”. De fato ele já havia previsto que a sua morte seria assim. Era esta a maneira dele atrair todos para si mesmo, como está escrito; “E eu, quando for levantado da terra,  atrairei todos a mim mesmo” (João 12:32). Era importante que ele fosse levantado num madeiro, do mesmo modo que Moisés levantou a serpente no deserto, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna (cf. João 3:14-15). Deus demonstrou assim a intensidade do seu amor pelo mundo, e não há nada que ele não queira fazer para resgatar o pecador. É no fato dele ter oferecido o seu Filho Unigênito para morrer numa cruz maldita e vergonhosa que podemos medir o tamanho do seu amor pelo homem, pois ali ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si, carregando ele mesmo sobre o seu corpo os nossos pecados. Assim foi que ele venceu e, despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz.

 

V.33- Chegada a hora sexta, houve trevas sobre toda a terra, até a hora nona.

V.34- À hora nona clamou Jesus em alta voz: Eloi, Eloi, lama sabactâni?

          que quer dizer: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?

V.35- Alguns dos que ali estavam, ouvindo isto, diziam: Vede, chama por Elias.

 

Chegada a hora sexta, que é o meio dia, houve trevas sobre a terra até a hora nona, que são três horas da tarde. Nesta hora clamou Jesus em alta voz: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” É neste momento que nos encontramos diante do acontecimento mais significativo da história da Redenção. Mas nunca poderemos compreender totalmente o significado destas palavras de Jesus, porque tudo o que se passou ali ele suportou sozinho, em meio à escuridão de trevas, separado de Deus. Podemos até entender que a sua agonia no Getsêmani foi uma antecipação desta hora que é o ponto central da cruz. Mas que idéia podemos fazer do desamparo que ele sentiu de Deus? Escrevendo a este respeito no Comentário Tyndale do Novo Testamento, diz Alan Cole: “Nenhuma explicação satisfará melhor do que a opinião tradicional, de que naquela hora de trevas a ira de Deus caiu sobre ele.  ...  o que significa que aquela comunhão transparente com o Pai, desfrutada desde a eternidade, foi quebrada. Se o inferno é em essência a separação eterna de Deus, então ele sofreu ali toda a angústia do inferno. Ele estava carregando os nossos pecados, como um cordeiro, no sacrifício. Ele se fez maldição em nosso lugar. Ali ele foi feito oferta pelo pecado, a nosso favor. Se havia naquela hora

uma barreira entre o Pai e o Filho, só podia ser por causa do pecado, mas ele não conheceu  pecado. Portanto, só podia ser o nosso pecado, que custou para ele aquela agonia”.

Alguns dos que ali estavam, ouvindo o que ele falava, diziam: “Vede, chama por Elias”.

 

V.36 - E um deles correu a embeber uma esponja em vinagre e,

           pondo-a na ponta de um caniço, deu-lhe de beber, dizendo:

          Deixai, vejamos se Elias vem tirá-lo.

V.37- Mas Jesus, dando um grande brado, expirou.

V.38- E o véu do santuário rasgou-se em duas partes, de alto a baixo.

V.39- O centurião que estava em frente dele, vendo que assim expirara, disse:

          Verdadeiramente este homem era Filho de Deus

V.40- Estavam também ali algumas mulheres, observando de longe;

          entre elas, Maria  Madalena, Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé;.

V.41- as quais, quando Jesus estava na Galiléia, o acompanhavam e serviam; e, além

          destas, muitas outras que haviam subido com ele para Jerusalém.

 

Quando Marcos inicia a narrativa do seu Evangelho, ele dá ênfase às seguintes palavras: “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”. E quando chegamos aos capítulos 14, 15 e 16 vamos tomando consciência de que ele está apresentando o resumo final da história. E, pouco a pouco, a essência do Evangelho vai-se consubstanciando em três fatos indispensáveis e inseparáveis, que são: a crucificação, a morte, e a ressurreição de Jesus. O que Marcos pretende com o seu relato é fazer-nos compreender os fatos e as razões que levaram o Filho de Deus a esta morte na cruz, seguida da sua imediata ressurreição. Depois de exposto todo o drama que conduziu à tragédia final, a ressurreição aparece como algo surpreendente. Tão surpreendente quanto ela, é o maior milagre realizado por Deus, a Redenção, sem a qual todos nós teríamos permanecido eternamente naquela tragédia, sem esperança de salvação. Na realidade, é isto que se passa com aqueles que não compreendem o evangelho, ou não têm oportunidade de conhecê-lo. Pela providência divina tudo foi registrado, a fim de que creiamos que Jesus Cristo é o Filho de Deus e, crendo, tenhamos vida em seu nome (cf. João 20:31).

Conforme se desenrolam os acontecimentos na narrativa de Marcos, percebemos que a morte de Jesus foi resultado da rejeição apontada bem cedo no seu ministério. Foi numa sinagoga da Galiléia, logo no capítulo 3, quando ele curou o homem da mão ressequida num sábado, que os fariseus e os herodianos entraram em conspiração, para lhe tirarem a vida. Aqui eles deram início ao conflito que atingiu a sua família, estendeu-se aos habitantes de Nazaré, penetrou a esfera do poder temporal de Herodes, envolveu a mentalidade geral nas questões do divórcio, do tributo e de doutrinas como a dos saduceus, avolumou-se nos confrontos diretos com os líderes judeus após a purificação do Templo e culminou com a crise no seu ministério, quando um dos discípulos manifestou-se como traidor, e os outros todos desertaram. Totalmente rejeitado, ele se encontra agora pendurado na cruz, para onde marchou sozinho. Embora a narrativa nos dê todas estas informações, e ainda as explicações de Jesus da necessidade de se cumprirem as escrituras, o contexto também mostra que a sua morte satisfazia a necessidades mais profundas. Se por um lado a morte é bem caracterizada como resultado de articulações humanas de origem diabólica, a ressurreição fica bem evidenciada como uma providência necessária da parte de Deus. Pois o ambiente em que transcorreu o ministério de Jesus estava tão pervertido que era necessária a intervenção divina no sentido da “transformação”. Esta é, portanto, a primeira necessidade mais profunda da morte de Jesus – a transformação.  Perversão é a condição geral de todos os homens. Todo o conflito que Jesus suportou, inclusive as blasfêmias e insultos que ouviu na cruz, é resultado deste estado de cousas. Até mesmo a falta de capacidade dos discípulos compreenderem o Mestre enquadra-se nesta situação.

Considerando tudo isto, entende-se que Marcos não deseja apresentar apenas o lado negativo da questão. Antes ele está apontando o remédio ali mesmo, ao lado dos enfermos. O próprio Evangelho que ele escreve, resultado de anotações das reminiscências de Pedro, é prova da transformação ocorrida no meio dos discípulos que cedo  passaram  a  produzir o  fruto,  o  trabalho  incansável  no  sentido  de  transformar  a           

humanidade. Em virtude de em todos os tempos os homens serem o que são, a necessidade da morte de Jesus estende-se a todos, proporcionando a todos a oportunidade da transformação.

Mas há  outro ponto a considerar, que é a justiça de Deus. Também sob este aspecto, a morte de Jesus era absolutamente necessária. Este foi o sacrifício perfeito que agradou a Deus, conforme Hebreus 10:5-10. E foi também o sacrifício representativo de todo o povo de Deus, o Justo pelos injustos, para nos conduzir a Deus (cf. 1Pedro 3:18), “carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos aos pecados, vivamos para a justiça; por suas chagas fomos sarados” (1Pedro 2:24).

 

V.42 - Ao cair da tarde, por ser o dia da preparação, isto é, a véspera do sábado,

V.43 - vindo José de Arimatéia, ilustre membro do Sinédrio, que também esperava

           o reino de Deus, dirigiu-se resolutamente a Pilatos e pediu o corpo de Jesus.

V.44 - Mas Pilatos admirou-se de que ele já tivesse morrido.

           E, tendo chamado o centurião, perguntou-lhe se havia muito que morrera.

V.45 - Após certificar-se pela informação do comandante, cedeu o corpo a José.

V.46 - Este, baixando o corpo da cruz, envolveu-o em um lençol que comprara,

           e o depositou em um túmulo que havia sido aberto numa rocha;

           e rolou uma pedra para a entrada do túmulo.

V.47 - Ora, Maria Madalena e Maria, mãe de José, observaram onde ele foi posto.

 

Era sexta-feira, quando Jesus morreu às três horas da tarde. Os judeus já estavam no período de preparação para o descanso, pois o sábado começava às seis horas, quando ninguém mais podia trabalhar. Um homem influente e expedito chamado José de Arimatéia foi corajosamente até Pilatos e pediu o corpo de Jesus. Ele não queria ver aquele corpo santo passar pela indignidade de ficar exposto, sem receber sepultura durante o sábado. Pilatos certificou-se de que ele estava morto e depois atendeu ao pedido de José.

Este personagem que só aparece neste episódio é identificado nos Evangelhos como homem ilustre, bom, justo, discípulo de Jesus embora ocultamente, rico, que esperava o reino de Deus, e membro do Sinédrio. Conforme registrado por Lucas em seu Evangelho, ele não votou a favor da condenação de Jesus (Lucas 23:51). Indo ao Calvário, ele retirou o corpo da cruz e o envolveu num lençol de linho finíssimo. Nicodemos estava junto e havia levado quarenta litros de mirra e aloés, com que ungiram o corpo de Jesus (João 19:39-40). José de Arimatéia o sepultou num sepulcro novo de sua propriedade, cravado na rocha, que nunca havia sido usado (Mateus 27:59-60). Talvez ele não soubesse que estava cumprindo a profecia de Isaias 53:9, que diz “Designaram-lhe a sepultura com os perversos, mas com o rico esteve na sua morte, posto que nunca fez injustiça, nem dolo algum se achou em sua boca”. Maria Madalena, Maria, mãe de José,   e as outras mulheres que vieram com Jesus da Galiléia, observaram onde o seu corpo foi depositado (cf. Lucas 23:55).