CAPÍTULO 13
V. 1 - Ao sair do templo, disse-lhe um de seus
discípulos:
Mestre! Que pedras, que construções!
V. 2 - Mas Jesus lhe disse: Vês estas grandes
construções?
Não ficará pedra sobre pedra que não
seja derrubada.
V. 3 - No Monte das Oliveiras, defronte do
templo, achava-se Jesus assentado,
quando Pedro, Tiago, João e André
lhe perguntaram em particular:
V. 4 - Dize-nos quando sucederão estas cousas, e
que sinal haverá
quando todas elas estiverem para
cumprir-se.
V. 5 - Então Jesus passou a dizer-lhes: Vede que
ninguém vos engane.
V. 6 - Muitos virão em meu nome, dizendo: Sou
eu; e enganarão a muitos.
V. 7 - Quando, porém, ouvirdes falar de guerras
e rumores de guerras,
não vos assusteis; é necessário
assim acontecer, mas ainda não é o fim.
V. 8 - Porque se levantará nação contra nação, e
reino contra reino.
Haverá terremotos em vários lugares
e também fomes:
estas cousas são o princípio das
dores.
No capítulo 13 do Evangelho de Marcos encontram-se ensinos éticos de
Jesus, desenvolvidos segundo eventos proféticos que incluem o futuro próximo de
Jerusalém, do Estado Judeu, do Judaísmo e também a sua volta. Embora estes
ensinos tenham surgido como resultado de uma pergunta que reflete a curiosidade
dos discípulos a respeito do final dos tempos, a resposta do Mestre não teve o
objetivo de criar neles uma expectativa doentia dos eventos finais, mas de
alertá-los sobre a necessidade de serem vigilantes e de estarem preparados para
a sua vinda. Pois ele virá em dia que ninguém sabe, senão Deus, e numa hora que
o mundo não espera. Portanto, o que devemos aprender das suas palavras aqui não
é investigar a data da sua chegada, mas estar prontos moral e psicologicamente
para a sua manifestação, a fim de não nos afastarmos dele envergonhados, quando
ele vier.
O Templo de Jerusalém era uma maravilha arquitetônica, obra prima de
engenharia da época de Herodes, o Grande, que executou na Judéia um extenso
programa de construção e restauração de edifícios, de melhoramentos urbanos e
de obras estratégicas. Os seus muros tinham blocos de pedra de até treze metros
de comprimento por quatro de altura e seis de largura. A fachada oriental do
edifício, onde se localizava o Santo dos Santos, ou o Lugar Santíssimo, era revestida de chapas de ouro
que refletiam os raios do sol com toda a intensidade. As partes não recobertas
refletiam a cor branca das pedras que , de longe, assemelhavam-se a um paredão
de neve. Para Israel, o Templo era o centro nacional da adoração a Deus. Era
também o local da sua habitação no meio do povo (2Crônicas 7:16). Do Monte das
Oliveiras, que fica em frente, do outro lada do vale do Cedrom, a vista era
simplesmente maravilhosa e devia impressionar fortemente aqueles discípulos
galileus. Apesar de ser praticamente o terceiro Templo desde que Salomão
construiu o primeiro, era difícil conceber como poderia ser destruída uma
construção tão sólida, de dimensões e de beleza tão impressionantes e ainda tão
sagrada. Então os discípulos interrogaram Jesus sobre quando aconteceria a sua
destruição, e que sinais haveria quando estivesse para se cumprir tudo o que
ele havia predito.
Embora a pergunta tenha sido levantada pelos quatro discípulos mais
íntimos, ela reflete o desejo de saber de todos eles. Hoje estamos cientes de
que a destruição de Jerusalém e do Templo ocorreram no ano 70 DC e que isto
representa o fim do Estado Judeu e do Judaísmo profetizado por Jesus na
parábola dos lavradores maus que vimos no capítulo 12. Tudo aconteceu porque a
nação não rendeu a Deus o devido fruto, como Jesus mostrou na parábola da
figueira que secou. Mas o último ato de culpa foi não terem recebido o Messias.
Antes, o mataram.
A resposta de Jesus aos discípulos começa com uma exortação para não se
deixarem enganar. Um primeiro perigo é representado por pessoas que se
apresentam com falsas pretensões, afirmando serem o Cristo. Mas também eles
poderiam ter as suas mentes perturbadas por notícias de guerras, fomes e
cataclismos, pensando que o fim houvesse chegado. Pessoas que se apresentam com
a autoridade de Cristo constituem realmente um problema, pois os falsos
profetas sempre se manifestaram no meio do povo de Deus. Em Atos 8:9-10 temos o
caso de Simão, o mágico de Samaria que, com seus truques, ilidia o povo e este
pensava que ele representasse o poder de Deus, e lhe chamava “O Grande Poder”.
Ainda no Livro de Atos 5:36-37 temos o depoimento de Gamaliel sobre Teudas, que
insinuava ser alguma cousa, e também Judas, o Galileu. Ambos iludiram muitas
pessoas que os seguiram mas, depois, sofreram a frustração. O primeiro grande
pretendente ao lugar do Messias conhecido na História foi Bar-Cochba, da
primeira metade do segundo século, que afirmava categoricamente ser o Cristo.
As guerras e rumores de guerras são figuras usadas freqüentemente na literatura
apocalíptica judaica e também nas profecias do Velho Testamento, como
indicativo do final dos tempos. Assim também o quarto cavaleiro do Apocalipse
capítulo 6, traz a morte pela espada. Terremotos e fome sempre houve em vários
lugares do mundo ao longo dos tempos. Os cristãos do primeiro século foram
contemporâneos de grande fome na Judéia e de uma grave rebelião dos judeus
contra os romanos no ano 66, quatro anos antes da invasão e destruição de
Jerusalém. Eles testemunharam também os distúrbios militares causados pelos
partas ao império romano, viram a destruição de Laodicéia por um terremoto em
61 DC e assistiram ao sepultamento de Herculano e Pompéia pelas lavas do
Vesúvio no ano 62. Nós também convivemos atualmente com guerras, fome, miséria,
cataclismos de toda espécie e com desastres ecológicos que eles desconheceram.
Jesus faz uma tríplice exortação que precisa ser bem notada nestas
palavras do verso 7: “Quando, porém, ouvirdes falar de guerras e rumores de
guerras, não vos assusteis; é necessário assim acontecer, mas ainda não é o
fim”. A primeira é: guerras e rumores de guerras não devem assustar os
discípulos, porque estas cousas estão dentro do esquema de tratamento de Deus
para com os homens, devido às suas inclinações naturais e às obras do mal com
que a humanidade se envolve. Os discípulos precisam aprender a ver estas
cousas, sem alarmar-se. A segunda exortação é que assim é necessário acontecer. Isto significa
que a maneira determinada pela justiça de Deus para tratar do caso é através da
sua ira, e não há outra alternativa. Assim como era necessário Jesus ir a
Jerusalém para sofrer lá muitas cousas, assim também é necessário que toda
estas cousas aconteçam no mundo. Nada poderá impedir ou evitar as catástrofes
que atingem o homem, pois não é Deus quem as provoca, e ele não tem nenhuma
responsabilidade sobre elas. Por isso mesmo, esta afirmação de Jesus não deve
levar a pensar que não se deva fazer todo esforço possível para alcançar ou
para manter a paz. A atuação dos pacificadores pode, sim, alterar o curso dos
acontecimentos que trazem o mal sobre a humanidade. Mas dentro de um estado de
maldição como este de guerras e tragédias, os discípulos não devem ter medo de
que Deus os tenha abandonado, ainda que o mundo comece a desabar, e a
humanidade entre em ebulição. A terceira exortação de Jesus é sobre a
afirmação de que o fim tenha chegado ou
que estas calamidades estejam introduzindo o fim. Em suas palavras, a
consumação dos séculos não depende destas cousas. Elas são apenas o princípio
das dores, como a mulher que entra em trabalho de parto, mas ainda precisa
esperar que tudo se complete. Tudo isto é sintoma da entrada do mundo no
desfecho final da sua história.
V. 9 - Estai vós de sobreaviso, porque vos
entregarão aos tribunais
e às sinagogas; sereis açoitados e
vos farão comparecer à presença
de governadores e reis, por minha
causa, para lhes servir de testemunho.
V.10 - Mas
é necessário que primeiro o evangelho seja pregado a todas as nações.
V.11 -
Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis
com o que haveis de dizer, mas o que
vos for concedido naquela hora,
isso falai; porque não sois vós que
falais, mas o Espírito Santo.
V.12 - Um
irmão entregará à morte outro irmão, e o pai ao filho;
filhos haverá que se levantarão
contra os progenitores e os matarão.
V.13 -
Sereis odiados de todos por causa do meu nome;
aquele, porém, que perseverar até o
fim, este será salvo.
Na seqüência dos ensinos aos seus discípulos, Jesus os previne dos
sofrimentos por que deverão passar pessoalmente, das perseguições e dos
confrontos com autoridades a que seriam entregues por causa do nome dele.
Todavia ele lhes garante a assistência do Espírito Santo no momento em que
tiverem de dar testemunho diante delas.
O perigo representado pelos falsos Cristos e pelos distúrbios físicos e
sociais vistos anteriormente corresponde a ameaças que poderiam desviar da fé
os discípulos, mas não os constrangeriam moralmente, embora lhes pudessem
causar preocupações. Agora, porém, Jesus os adverte contra o perigo dos
sofrimentos produzidos com a intenção de prová-los diante dos tribunais, das
sinagogas, dos governadores e reis, e ainda com açoites. A exortação: “Estai
vós de sobreaviso” significa o cuidado que eles deviam ter de si mesmos,
olhando por si mesmos. Isto se justifica em vista da forte pressão que haveriam de suportar de parte dos inimigos
para forçá-los a desistirem da fidelidade ao Mestre. O resumo do quadro apresentado
aqui é que os discípulos seriam presos e levados a julgamento perante as
autoridades. Os tribunais chamados “Sinédrio” eram constituídos de vinte e três
membros cada um, sendo às vezes das comunidades judaicas locais, ou de
Jerusalém.
Em 2Coríntios 11:24-25 Paulo
afirma ter sido açoitado cinco vezes pelos judeus com uma quarentena de açoites
menos um. Isto significa cinco vezes trina e nove, ou sejam cento e noventa e
cinco açoites. Os judeus tinham por norma dar trinta e nove açoites ao invés de
quarenta, para não correrem o risco de ultrapassar o número de quarenta, o que
era ilegal. Os açoites eram dados com chicotes de três tiras de couro, cada uma
das quais tinha um nó na ponta com pequenas ramificações. Alem disso o Apóstolo
foi três vezes fustigado com vara, tudo por causa do nome de Jesus.
Depois da cura do coxo na Porta Formosa do Templo, Pedro e João foram
presos e levados à presença das autoridades que os proibiram de falar de
Cristo. Desta vez foi sem punição (Atos 4:1-3). Mas quando começaram a
acontecer os milagres em massa em Jerusalém, as mesmas autoridades, por inveja,
mandaram prender no cárcere todos os apóstolos. À noite foram soltos por um anjo e, posteriormente,
foram levados perante o Sinédrio e, depois de açoitados, foram soltos novamente
(Atos 5:17-42).
Os governadores a que Jesus se refere no verso 9 são as autoridades
estrangeiras do Império como Pilatos, Félix e Festo, que são os mais envolvidos
com a história da igreja, mas também os procuradores, os procônsules e os
magistrados romanos.Os reis da época na Palestina ainda eram os Herodes, e os
mais conhecidos no Novo Testamento são: Herodes Antipas, que matou João Batista
e perseguiu Jesus; Herodes Felipe, seu irmão; e Herodes Agripa II. Paulo foi
levado à presença de Félix, Festo e do rei Hrodes Agripa II, quando estava
preso em Cesaréia, quase trinta anos depois de Jesus ter feito estas profecias.
Os fatos relativos a estes acontecimentos encontram-se registrados nos
capítulos 24, 25 e 26 do Livro de Atos dos Apóstolos.
A fidelidade ao nome de Jesus e ao evangelho era o motivo das
perseguições e a razão do testemunho dos discípulos. Ao dar prova da sua fé
diante das autoridades, os discípulos mostravam em si o poder da Palavra e do
Espírito Santo, ao mesmo tempo em que estavam pregando o evangelho, pois, antes
que chegue o fim é necessário que ele seja pregado a todas as nações. O que se
conclui é que o conhecimento do evangelho entre todos os povos tem prioridade
sobre o final dos tempos e até sobre os sofrimentos dos filhos de Deus, e mesmo
do seu próprio Filho que não poupou a vida para trazer esta mensagem de
salvação para todo o mundo. A promessa da ajuda do Espírito Santo é um estímulo
para que os discípulos não fiquem perturbados quando tiverem que enfrentar
tribunais e outras autoridades para testemunhar de Cristo, pois o socorro vem
do alto, através de uma capacitação
especial dada por Deus. Pedro falou ousadamente diante das autoridades de
Jerusalém, cheio do Espírito Santo, como informa Atos 4:8. Paulo fez tão brilhante
defesa e pregação do evangelho em Cesaréia diante dos governadores Félix e
Festo e do rei Agripa, que este afirmou faltar pouco para que ele se tornasse
cristão (Atos 26:28). E assim será com todos os discípulos fiéis ao passarem
por tais provações, pois, tanto as profecias sobre a perseguição como a
promessa da ajuda do Espírito Santo ainda estão em vigor. É necessário entender
que os sofrimentos não indicam o final dos tempos, porque eles são necessários
para a pregação do evangelho a todas as nações. Também, o próprio Espírito
levou os apóstolos à compreensão de que os seus sofrimentos pessoais, bem como
os sofrimentos da igreja são extensão dos sofrimentos de Cristo (cf. 1Pedro
1:11; 4:13; Filipenses 3:10).
As divisões na família por causa do seu nome são preditas com tal
realidade por Jesus, que ele aponta traições e denúncias de parentes os mais
próximos contra os discípulos, mesmo sabendo que isto pode levá-los à morte. Em
grande medida, estas cousas acontecem devido a pressões que vêm de fora e conseguem envolver até as
famílias na perseguição aos fiéis. Da História Universal temos notícia de que
os cristãos de Roma, bem cedo, foram odiados pelos “horrores” que cometiam.
Estes horrores eram comer o pão que representa o corpo de Cristo e de beber o
cálice que representa o seu sangue. Foi Tácito, historiador romano quem relatou
isto. Mas a promessa final para os que perseverarem até o fim é que serão
salvos.
V.14 - Quando, pois, virdes o
abominável da desolação situado onde não deve estar
(quem lê, entenda), então os que estiverem
na Judéia fujam para os montes;
V.15 -
quem estiver em cima, no eirado, não desça nem entre
para tirar da sua casa alguma cousa;
V.16 - e o
que estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa.
V.17 - Ai
das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias!
V.18 -
Orai para que isso não suceda no inverno.
V.19 -
Porque aqueles dias serão de tamanha tribulação como nunca houve
desde o princípio do mundo que Deus
criou, até agora e nunca jamais haverá.
V.20 - Não
tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e ninguém se salvaria;
mas por causa dos eleitos que ele
escolheu, abreviou tais dias.
V.21 -
Então, se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! ou:Ei-lo ali! não acrediteis;
V.22 -
pois surgirão falsos Cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios,
para enganar, se possível, os
próprios eleitos.
V.23 -
Estai vós de sobreaviso; tudo vos tenho predito.
O presente parágrafo traz
predições sobre a tomada de Jerusalém e uma série de instruções estratégicas de
Jesus aos discípulos, sobre como eles poderiam escapar dos horrores que a
população haveria de sofrer, quando exércitos invasores sitiassem a cidade.
Jesus descreve estes sofrimentos como uma tribulação tão grande, que nunca
houve desde que existe mundo, e nem haverá jamais. A destruição do Templo está
implícita nestas palavras: “Quando, pois, virdes o abominável da desolação
situado onde não deve estar (quem lê, entenda)”, o que significa que
o Templo seria horrivelmente profanado. Mateus informa que esta é a
profanação do lugar santo de que falou o profeta Daniel no seu livro escrito
mais de quinhentos anos antes da nossa era (Daniel 9:27). Nós sabemos da
história do período interbíblico que o templo foi profanado pelo rei Antíoco
Epifânio, em 167 AC. Este rei da dinastia dos selêucidas, enquanto dominava a
Judéia, quis exterminar o culto do Deus de Israel, para introduzir a religião
pagã da Grécia, sua cultura e seus costumes em Jerusalém. Então mandou
sacrificar porcos no altar do holocausto do Templo; levantou uma estátua do
Zeus Olímpico em frente ao Lugar Santo, para os judeus adorarem; e mandou
também queimar todos os livros do Velho Testamento que encontrou.
Agora Jesus prediz esta nova profanação baseada ainda nas profecias de
Daniel, desta vez ligada à invasão da cidade de Jerusalém por exércitos
estrangeiros, conforme diz Lucas em seu Evangelho: “Quando, porém, virdes
Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação”
(Lucas 24:20). Foi Tito, general romano, quem comandou o cerco que encheu a
cidade de horror. Estas advertências de Jesus tinham sido feitas aos doze
discípulos quase quarenta anos antes. Agora a igreja de Jerusalém havia
crescido e o número de discípulos era muito grande. Ainda assim eles conheciam
estas profecias e as guardavam. Então, seguindo as instruções do Mestre,
puderam livrar-se da grande tribulação, na hora certa. Mas o povo, de modo
geral, não sabia como escapar dos exércitos romanos que, além de estarem
cercando a cidade, eram muito rápidos nas suas manobras. A população da cidade
permaneceu em casa, tentando salvar os
seus bens ao invés de correr para fora e refugiar-se nos montes, como fizeram
os cristãos, em obediência à orientação deixada por Jesus. A população do campo
também entrou para dentro dos muros da cidade, à procura de refúgio, amontoando-se aos que já estavam lá. Nestas
condições Tito achou melhor provocar a rendição da cidade pela fome. Enquanto
ele mantinha o cerco, no interior das muralhas aconteceram os fatos mais
horríveis de toda a história de Jerusalém. Afora as ameaças dos exércitos
sediados no exterior dos muros, a situação se complicava no interior por causa
de conflitos entre as várias seitas e facções políticas dos judeus. Josefo,
historiador dali da terra, que viveu estes acontecimentos ao lado de Tito,
servindo-lhe de intérprete, relata que foram levados noventa e sete mil judeus
prisioneiros de Jerusalém, enquanto que mais de um milhão e cem mil morreram lentamente
de fome ou pela espada. À medida que a fome se alastrava, famílias inteiras
morriam em suas casas. Mulheres e crianças sucumbiam nos esconderijos onde se
abrigavam. As ruas eram cheias de velhos e de cadáveres. Jovens e crianças
perambulavam pelas praças como se fossem sombras, e todos caíam onde quer que a morte os
surpreendesse. Não havia sepultamentos porque os enfermos não tinham força para
tal serviço, e os sãos não tinham ânimo para fazê-lo, devido à grande
quantidade de mortos. Muitos desfaleciam ao tentar enterrar alguém e outros
procuravam o jazigo, antes que chegasse a sua hora. Não havia lamentação,
porque a fome era mais forte do que qualquer outro sentimento. Um profundo
silêncio desceu sobre a cidade, como se fosse uma noite fúnebre. Enquanto isso,
saqueadores aproveitavam-se das circunstâncias, para despojar os mortos. Muitos
famintos que não encontravam ervas para comer procuravam alimentar-se com o que
vegetava nos montes de esterco e nas caixas coletoras de esgoto,cousa que, antes,
os judeus não podiam nem pensar em fazer. Alguns mascavam couro dos sapatos e
correias de sandálias, enquanto o canibalismo começava a manifestar-se. Uma
certa mulher assou o próprio filho, para comer com outros miseráveis.
Todas estas informações são do historiador Flávio Josefo referido há
pouco.
O Templo, afinal, foi totalmente destruído por incêndio, e suas paredes
de pedra foram derribadas. Assim ele foi violentamente profanado por gentios.
Outros edifícios importantes da cidade foram incendiados e Jerusalém tornou-se
uma desolação. Os que se salvaram foram aqueles que abandonaram rapidamente a
cidade para se refugiar nos montes. Jesus disse: “Ai das que estiverem
grávidas e das que amamentarem naqueles dias!”
Evidentemente é porque a fuga se torna mais difícil para mulheres
nesse estado. Mas também era comum aos soldados invasores cortarem a barriga
das grávidas ao fio da espada, para que os fetos saltassem de seus ventres.
Jesus ordenou aos discípulos que orassem para Deus não permitir que essa
tragédia acontecesse no inverno, quando é mais difícil caminhar, ficar ao
relento e refugiar-se nos montes. Certamente a igreja orou e ele atendeu às
súplicas. Inclusive ele tomou providências para que aqueles dias fossem
abreviados por causa dos eleitos que ele escolheu. Isto corresponde a alguns
dias de trégua que Tito concedeu, oferecendo aos judeus oportunidade de uma
rendição, para evitar o extermínio em massa da população. Durante esses dias em
que o exército não atacou, os cristãos devidamente instruídos pela profecia de
Jesus, aproveitaram para fugir e foram refugiar-se na cidade de Pela, do outro
lado do Jordão, na região de Decápolis. Foi assim que a igreja de Jerusalém
sobreviveu e teve uma real comprovação de que os eleitos de Deus não são mais
os judeus como nação que acabava de ser exterminada, mas agora os eleitos são
os discípulos de Cristo, que constituem o Israel de Deus do Novo Testamento
(cf. Gálatas 6:16).
Ao exigir de Pilatos a crucificação de Jesus, trinta e sete anos antes, o
povo judeu dizia: “Caia sobre nós o seu sangue, e sobre nossos filhos!” (Mateus 27:25). Com isto eles assumiram a
responsabilidade por todas as gerações, sobre o assassínio que praticaram. Esta
é a razão por que eles estão espalhados pelo mundo, fora da sua pátria, e
Jerusalém continua sendo pisada pelos gentios (cf. Lucas 21:24).
No restante deste parágrafo Jesus volta a alertar os discípulos contra a
atuação de falsos Cristos e de falsos profetas, operadores de sinais e
prodígios, para enganar , se possível os próprios eleitos. A expressão “se
possível” faz entender que os eleitos não se deixarão enganar, porque estão com
a verdade de Cristo. E se alguém segue falsos mestres e falsos profetas, esse
tal não é de Cristo, não é eleito de Deus.
V.24 - Mas naqueles dias, após a referida
tribulação,
o sol escurecerá, a lua não dará a
sua claridade,
V.25 - as
estrelas cairão do firmamento e os poderes dos céus serão abalados.
V.26 -
Então verão o Filho do homem vir nas nuvens, com grande poder e glória.
V.27 - E
ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos,
da extremidade da terra até a
extremidade do céu.
V.28 -
Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramos
se renovam e as folhas brotam,
sabeis que está próximo o verão.
V.29 -
Assim também vós: quando virdes acontecer estas cousas,
sabei que está próximo, às portas.
V.30 - Em
verdade vos digo que não passará esta geração
sem que tudo isto aconteça.
V.31 -
Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão.
É importante notar o tipo de linguagem que Jesus está usando ao iniciar
estas palavras. É a linguagem chamada “apocalíptica”, dos versos 24 e 25. A sua
intenção é descrever vividamente e assegurar a certeza dos acontecimentos
relacionados com aquele grande julgamento da nação de Israel. Trechos mais
longos ou menos longos nesta forma de expressão apocalíptica são freqüentes
entre os profetas do Velho Testamento. Isaías descreve o julgamento de Deus
sobre a Babilônia, do seguinte modo: “Porque as estrelas e constelações dos
céus não darão a sua luz; o sol logo ao nascer se escurecerá, e a lua não fará
resplandecer a sua luz” (Isaías 13:10). Com outras figuras do mesmo tipo
ele descreve o juízo sobre Edom: “Todo o exército dos céus se dissolverá, e
os céus se enrolarão como um pergaminho; todo o seu exército cairá, como cai a
folha da vide e a folha da figueira” (Isaías 34:4). A expressão “exército
dos céus” significa os corpos celestes e ainda as forças e os poderes
associados à organização do universo. A profecia de Ezequiel também anuncia de
maneira apocalíptica a ruína do Egito: “Quando eu te extinguir, cobrirei os
céus e farei enegrecer as suas estrelas; encobrirei o sol com uma nuvem, e a
lua não resplandecerá a sua luz” (Ezequiel 32:7). Por meio de uma figura
muito original de gafanhotos devoradores como se fossem um exército comandado
por Deus que ninguém podia deter, o profeta Joel descreve apocalipticamente o
juízo sobre Judá, por causa do seu pecado: “Diante deles treme a terra e os
céus se abalam; o sol e a lua se escurecem, e as estrelas retiram o seu
resplendor. O Senhor levanta a sua voz diante do seu exército; porque
muitíssimo grande é o seu arraial; porque é poderoso quem executa as suas
ordens; sim, grande é o dia do Senhor, e mui terrível! Quem o poderá suportar?”
(Joel 2:10-11).
Com estes exemplos podemos entender a ênfase profética que Jesus dá a
estes acontecimentos, utilizando a linguagem apocalíptica.
A figura do Filho do homem vindo sobre as nuvens é messiânica e
representa a sua própria participação neste plano divino de julgamento. Isaías
descreve o Senhor (Jeová) vindo sobre uma nuvem, para anunciar a condenação do
Egito: “Sentença contra o Egito. Eis que o Senhor, cavalgando numa nuvem
ligeira, vem ao Egito; os ídolos do Egito estremecerão diante dele, e o coração
dos egípcios se derreterá dentro neles” (Isaías 19:1).
Mas a figura do filho de homem vindo sobre as nuvens é também uma
predição da vitória do Messias sobre os judeus, depois da vingança que Deus
tomasse contra a nação que matou o seu Filho, conforme consta da parábola dos
lavradores maus (Marcos 12:9). Esta vitória é estendida para o verso 27 do
nosso texto que diz: “E ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos
dos quatro ventos, da extremidade da terra até à extremidade do céu”. Estas
palavras de Jesus interpretadas neste contexto de idéias apontam para a era
vitoriosa do evangelismo universal com seu desenvolvimento acelerado desde que
cessaram as perseguições do judaísmo contra a igreja, após a destruição de
Jerusalém e do estado judeu. É uma era de atividades sobre a Terra, de duração
indeterminada, que teve início com o julgamento dos judeus naquela época, e que
só terá fim quando Jesus voltar.
Quanto à afirmação de Jesus: “Em verdade vos digo que não passará esta
geração sem que tudo isto aconteça”, a palavra “geração” aqui tem recebido
interpretações diferentes. Alguns entendem que Jesus se refere àquela população
presente, que vivia quando ele fez estas profecias. Se o período atribuído
àquela geração é de quarenta anos, então a extinção do Estado Judeu e do
Judaísmo bem como as profecias relacionadas com estes fatos cumpriram-se dentro
do devido tempo, ou seja, no ano 70 DC, trinta e sete anos depois de tudo ter
sido anunciado. Outros entendem que “geração” significa a raça humana referida
ali pelo Senhor. Neste caso o período de vida em questão estende-se até o final
dos tempos. Conseqüentemente, muitas das profecias aqui pronunciadas são vistas
como escatológicas, isto é, só se cumprirão no final dos tempos.
V.32 - Mas
a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe;
Nem os anjos no céu, nem o Filho,
senão somente o Pai.
V.33 -
Estai de sobreaviso, vigiai [e orai]; porque não sabeis quando será o tempo.
V.34 - É
como se um homem que, ausentando-se do país, deixa a sua casa,
dá autoridade aos seus servos, a
cada um a sua obrigação,
e ao porteiro ordena que vigie.
V.35 -
Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o dono da casa:
se à tarde, se à noite, se ao cantar
do galo, se pela manhã;
V.36 -
para que, vindo ele inesperadamente, não vos ache dormindo.
V.37 - O
que, porém, vos digo, digo a todos: Vigiai!
Só Deus podia saber o dia e a hora em que o Filho do homem há de vir. Ele
mesmo não sabia, enquanto estava aqui na Terra com seus discípulos. Depois que
voltou ao Pai, certamente ele sabe, porque lhe foi dada toda autoridade no céu
e na Terra (cf. Mateus 28:18). O que ele diz nas suas últimas recomendações
sobre aquele dia e hora são as mesmas cousas que ecoam como um refrão em todos
estes ensinos: os discípulos devem permanecer vigilantes e preparados, porque
ninguém pode saber quando isto acontecerá. Cada servo deve usar a autoridade que
recebeu e cumprir as suas obrigações com responsabilidade.
Quanto ao mais, Jesus reafirma:
“O que, porém, vos digo, digo a todos : Vigiai!”.