sábado, 13 de abril de 2013

CAPÍTULO 13


CAPÍTULO  13

 

V.  1 - Ao sair do templo, disse-lhe um de seus discípulos:

           Mestre! Que pedras, que construções!

V.  2 - Mas Jesus lhe disse: Vês estas grandes construções?

           Não ficará pedra sobre pedra que não seja derrubada.

V.  3 - No Monte das Oliveiras, defronte do templo, achava-se Jesus assentado,

           quando Pedro, Tiago, João e André lhe perguntaram em particular:

V.  4 - Dize-nos quando sucederão estas cousas, e que sinal haverá

           quando todas elas estiverem para cumprir-se.

V.  5 - Então Jesus passou a dizer-lhes: Vede que ninguém vos engane.

V.  6 - Muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu; e enganarão a muitos.

V.  7 - Quando, porém, ouvirdes falar de guerras e rumores de guerras,

           não vos assusteis; é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim.

V.  8 - Porque se levantará nação contra nação, e reino contra reino.

           Haverá terremotos em vários lugares e também fomes:

           estas cousas são o princípio das dores.

 

No capítulo 13 do Evangelho de Marcos encontram-se ensinos éticos de Jesus, desenvolvidos segundo eventos proféticos que incluem o futuro próximo de Jerusalém, do Estado Judeu, do Judaísmo e também a sua volta. Embora estes ensinos tenham surgido como resultado de uma pergunta que reflete a curiosidade dos discípulos a respeito do final dos tempos, a resposta do Mestre não teve o objetivo de criar neles uma expectativa doentia dos eventos finais, mas de alertá-los sobre a necessidade de serem vigilantes e de estarem preparados para a sua vinda. Pois ele virá em dia que ninguém sabe, senão Deus, e numa hora que o mundo não espera. Portanto, o que devemos aprender das suas palavras aqui não é investigar a data da sua chegada, mas estar prontos moral e psicologicamente para a sua manifestação, a fim de não nos afastarmos dele envergonhados, quando ele vier.

O Templo de Jerusalém era uma maravilha arquitetônica, obra prima de engenharia da época de Herodes, o Grande, que executou na Judéia um extenso programa de construção e restauração de edifícios, de melhoramentos urbanos e de obras estratégicas. Os seus muros tinham blocos de pedra de até treze metros de comprimento por quatro de altura e seis de largura. A fachada oriental do edifício, onde se localizava o Santo dos Santos, ou o Lugar  Santíssimo, era revestida de chapas de ouro que refletiam os raios do sol com toda a intensidade. As partes não recobertas refletiam a cor branca das pedras que , de longe, assemelhavam-se a um paredão de neve. Para Israel, o Templo era o centro nacional da adoração a Deus. Era também o local da sua habitação no meio do povo (2Crônicas 7:16). Do Monte das Oliveiras, que fica em frente, do outro lada do vale do Cedrom, a vista era simplesmente maravilhosa e devia impressionar fortemente aqueles discípulos galileus. Apesar de ser praticamente o terceiro Templo desde que Salomão construiu o primeiro, era difícil conceber como poderia ser destruída uma construção tão sólida, de dimensões e de beleza tão impressionantes e ainda tão sagrada. Então os discípulos interrogaram Jesus sobre quando aconteceria a sua destruição, e que sinais haveria quando estivesse para se cumprir tudo o que ele havia predito.

Embora a pergunta tenha sido levantada pelos quatro discípulos mais íntimos, ela reflete o desejo de saber de todos eles. Hoje estamos cientes de que a destruição de Jerusalém e do Templo ocorreram no ano 70 DC e que isto representa o fim do Estado Judeu e do Judaísmo profetizado por Jesus na parábola dos lavradores maus que vimos no capítulo 12. Tudo aconteceu porque a nação não rendeu a Deus o devido fruto, como Jesus mostrou na parábola da figueira que secou. Mas o último ato de culpa foi não terem recebido o Messias. Antes, o mataram.

A resposta de Jesus aos discípulos começa com uma exortação para não se deixarem enganar. Um primeiro perigo é representado por pessoas que se apresentam com falsas pretensões, afirmando serem o Cristo. Mas também eles poderiam ter as suas mentes perturbadas por notícias de guerras, fomes e cataclismos, pensando que o fim houvesse chegado. Pessoas que se apresentam com a autoridade de Cristo constituem realmente um problema, pois os falsos profetas sempre se manifestaram no meio do povo de Deus. Em Atos 8:9-10 temos o caso de Simão, o mágico de Samaria que, com seus truques, ilidia o povo e este pensava que ele representasse o poder de Deus, e lhe chamava “O Grande Poder”. Ainda no Livro de Atos 5:36-37 temos o depoimento de Gamaliel sobre Teudas, que insinuava ser alguma cousa, e também Judas, o Galileu. Ambos iludiram muitas pessoas que os seguiram mas, depois, sofreram a frustração. O primeiro grande pretendente ao lugar do Messias conhecido na História foi Bar-Cochba, da primeira metade do segundo século, que afirmava categoricamente ser o Cristo.

As guerras e rumores de guerras são figuras usadas freqüentemente na literatura apocalíptica judaica e também nas profecias do Velho Testamento, como indicativo do final dos tempos. Assim também o quarto cavaleiro do Apocalipse capítulo 6, traz a morte pela espada. Terremotos e fome sempre houve em vários lugares do mundo ao longo dos tempos. Os cristãos do primeiro século foram contemporâneos de grande fome na Judéia e de uma grave rebelião dos judeus contra os romanos no ano 66, quatro anos antes da invasão e destruição de Jerusalém. Eles testemunharam também os distúrbios militares causados pelos partas ao império romano, viram a destruição de Laodicéia por um terremoto em 61 DC e assistiram ao sepultamento de Herculano e Pompéia pelas lavas do Vesúvio no ano 62. Nós também convivemos atualmente com guerras, fome, miséria, cataclismos de toda espécie e com desastres ecológicos que eles desconheceram.

Jesus faz uma tríplice exortação que precisa ser bem notada nestas palavras do verso 7: “Quando, porém, ouvirdes falar de guerras e rumores de guerras, não vos assusteis; é necessário assim acontecer, mas ainda não é o fim”. A primeira é: guerras e rumores de guerras não devem assustar os discípulos, porque estas cousas estão dentro do esquema de tratamento de Deus para com os homens, devido às suas inclinações naturais e às obras do mal com que a humanidade se envolve. Os discípulos precisam aprender a ver estas cousas, sem alarmar-se. A segunda exortação é que  assim é necessário acontecer. Isto significa que a maneira determinada pela justiça de Deus para tratar do caso é através da sua ira, e não há outra alternativa. Assim como era necessário Jesus ir a Jerusalém para sofrer lá muitas cousas, assim também é necessário que toda estas cousas aconteçam no mundo. Nada poderá impedir ou evitar as catástrofes que atingem o homem, pois não é Deus quem as provoca, e ele não tem nenhuma responsabilidade sobre elas. Por isso mesmo, esta afirmação de Jesus não deve levar a pensar que não se deva fazer todo esforço possível para alcançar ou para manter a paz. A atuação dos pacificadores pode, sim, alterar o curso dos acontecimentos que trazem o mal sobre a humanidade. Mas dentro de um estado de maldição como este de guerras e tragédias, os discípulos não devem ter medo de que Deus os tenha abandonado, ainda que o mundo comece a desabar, e a humanidade entre em ebulição. A terceira exortação de Jesus é sobre a afirmação  de que o fim tenha chegado ou que estas calamidades estejam introduzindo o fim. Em suas palavras, a consumação dos séculos não depende destas cousas. Elas são apenas o princípio das dores, como a mulher que entra em trabalho de parto, mas ainda precisa esperar que tudo se complete. Tudo isto é sintoma da entrada do mundo no desfecho final da sua história.

 

V.  9 - Estai vós de sobreaviso, porque vos entregarão aos tribunais

           e às sinagogas; sereis açoitados e vos farão comparecer à presença

           de governadores e reis, por minha causa, para lhes servir de testemunho.

V.10 - Mas é necessário que primeiro o evangelho seja pregado a todas as nações.

V.11 - Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis

           com o que haveis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora,

           isso falai; porque não sois vós que falais, mas o Espírito Santo.

V.12 - Um irmão entregará à morte outro irmão, e o pai ao filho;

            filhos haverá que se levantarão contra os progenitores e os matarão.

V.13 - Sereis odiados de todos por causa do meu nome;

           aquele, porém, que perseverar até o fim, este será salvo.

 

Na seqüência dos ensinos aos seus discípulos, Jesus os previne dos sofrimentos por que deverão passar pessoalmente, das perseguições e dos confrontos com autoridades a que seriam entregues por causa do nome dele. Todavia ele lhes garante a assistência do Espírito Santo no momento em que tiverem de dar testemunho diante delas.

O perigo representado pelos falsos Cristos e pelos distúrbios físicos e sociais vistos anteriormente corresponde a ameaças que poderiam desviar da fé os discípulos, mas não os constrangeriam moralmente, embora lhes pudessem causar preocupações. Agora, porém, Jesus os adverte contra o perigo dos sofrimentos produzidos com a intenção de prová-los diante dos tribunais, das sinagogas, dos governadores e reis, e ainda com açoites. A exortação: “Estai vós de sobreaviso” significa o cuidado que eles deviam ter de si mesmos, olhando por si mesmos. Isto se justifica em vista da forte pressão que  haveriam de suportar de parte dos inimigos para forçá-los a desistirem da fidelidade ao Mestre. O resumo do quadro apresentado aqui é que os discípulos seriam presos e levados a julgamento perante as autoridades. Os tribunais chamados “Sinédrio” eram constituídos de vinte e três membros cada um, sendo às vezes das comunidades judaicas locais, ou de Jerusalém.

 Em 2Coríntios 11:24-25 Paulo afirma ter sido açoitado cinco vezes pelos judeus com uma quarentena de açoites menos um. Isto significa cinco vezes trina e nove, ou sejam cento e noventa e cinco açoites. Os judeus tinham por norma dar trinta e nove açoites ao invés de quarenta, para não correrem o risco de ultrapassar o número de quarenta, o que era ilegal. Os açoites eram dados com chicotes de três tiras de couro, cada uma das quais tinha um nó na ponta com pequenas ramificações. Alem disso o Apóstolo foi três vezes fustigado com vara, tudo por causa do nome de Jesus.

Depois da cura do coxo na Porta Formosa do Templo, Pedro e João foram presos e levados à presença das autoridades que os proibiram de falar de Cristo. Desta vez foi sem punição (Atos 4:1-3). Mas quando começaram a acontecer os milagres em massa em Jerusalém, as mesmas autoridades, por inveja, mandaram prender no cárcere todos os apóstolos. À noite  foram soltos por um anjo e, posteriormente, foram levados perante o Sinédrio e, depois de açoitados, foram soltos novamente (Atos 5:17-42).

Os governadores a que Jesus se refere no verso 9 são as autoridades estrangeiras do Império como Pilatos, Félix e Festo, que são os mais envolvidos com a história da igreja, mas também os procuradores, os procônsules e os magistrados romanos.Os reis da época na Palestina ainda eram os Herodes, e os mais conhecidos no Novo Testamento são: Herodes Antipas, que matou João Batista e perseguiu Jesus; Herodes Felipe, seu irmão; e Herodes Agripa II. Paulo foi levado à presença de Félix, Festo e do rei Hrodes Agripa II, quando estava preso em Cesaréia, quase trinta anos depois de Jesus ter feito estas profecias. Os fatos relativos a estes acontecimentos encontram-se registrados nos capítulos 24, 25 e 26 do Livro de Atos dos Apóstolos.

A fidelidade ao nome de Jesus e ao evangelho era o motivo das perseguições e a razão do testemunho dos discípulos. Ao dar prova da sua fé diante das autoridades, os discípulos mostravam em si o poder da Palavra e do Espírito Santo, ao mesmo tempo em que estavam pregando o evangelho, pois, antes que chegue o fim é necessário que ele seja pregado a todas as nações. O que se conclui é que o conhecimento do evangelho entre todos os povos tem prioridade sobre o final dos tempos e até sobre os sofrimentos dos filhos de Deus, e mesmo do seu próprio Filho que não poupou a vida para trazer esta mensagem de salvação para todo o mundo. A promessa da ajuda do Espírito Santo é um estímulo para que os discípulos não fiquem perturbados quando tiverem que enfrentar tribunais e outras autoridades para testemunhar de Cristo, pois o socorro vem do alto,  através de uma capacitação especial dada por Deus. Pedro falou ousadamente diante das autoridades de Jerusalém, cheio do Espírito Santo, como informa Atos 4:8. Paulo fez tão brilhante defesa e pregação do evangelho em Cesaréia diante dos governadores Félix e Festo e do rei Agripa, que este afirmou faltar pouco para que ele se tornasse cristão (Atos 26:28). E assim será com todos os discípulos fiéis ao passarem por tais provações, pois, tanto as profecias sobre a perseguição como a promessa da ajuda do Espírito Santo ainda estão em vigor. É necessário entender que os sofrimentos não indicam o final dos tempos, porque eles são necessários para a pregação do evangelho a todas as nações. Também, o próprio Espírito levou os apóstolos à compreensão de que os seus sofrimentos pessoais, bem como os sofrimentos da igreja são extensão dos sofrimentos de Cristo (cf. 1Pedro 1:11; 4:13; Filipenses 3:10).

As divisões na família por causa do seu nome são preditas com tal realidade por Jesus, que ele aponta traições e denúncias de parentes os mais próximos contra os discípulos, mesmo sabendo que isto pode levá-los à morte. Em grande medida, estas cousas acontecem devido a pressões que  vêm de fora e conseguem envolver até as famílias na perseguição aos fiéis. Da História Universal temos notícia de que os cristãos de Roma, bem cedo, foram odiados pelos “horrores” que cometiam. Estes horrores eram comer o pão que representa o corpo de Cristo e de beber o cálice que representa o seu sangue. Foi Tácito, historiador romano quem relatou isto. Mas a promessa final para os que perseverarem até o fim é que serão salvos.

 

V.14 - Quando, pois,  virdes o abominável da desolação situado onde não deve estar

           (quem lê, entenda), então os que estiverem na Judéia fujam para os montes;

V.15 - quem estiver em cima, no eirado, não desça nem entre

           para tirar da sua casa alguma cousa;

V.16 - e o que estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa.

V.17 - Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias!

V.18 - Orai para que isso não suceda no inverno.

V.19 - Porque aqueles dias serão de tamanha tribulação como nunca houve

           desde o princípio do mundo que Deus criou, até agora e nunca jamais haverá.

V.20 - Não tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e ninguém se salvaria;

           mas por causa dos eleitos que ele escolheu, abreviou tais dias.

V.21 - Então, se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! ou:Ei-lo ali! não acrediteis;

V.22 - pois surgirão falsos Cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios,

           para enganar, se possível, os próprios eleitos.

V.23 - Estai vós de sobreaviso; tudo vos tenho predito.

 

 

 O presente parágrafo traz predições sobre a tomada de Jerusalém e uma série de instruções estratégicas de Jesus aos discípulos, sobre como eles poderiam escapar dos horrores que a população haveria de sofrer, quando exércitos invasores sitiassem a cidade. Jesus descreve estes sofrimentos como uma tribulação tão grande, que nunca houve desde que existe mundo, e nem haverá jamais. A destruição do Templo está implícita nestas palavras: “Quando, pois, virdes o abominável da desolação situado onde não deve estar (quem lê, entenda)”, o que significa que o Templo seria horrivelmente profanado. Mateus informa que esta é a profanação do lugar santo de que falou o profeta Daniel no seu livro escrito mais de quinhentos anos antes da nossa era (Daniel 9:27). Nós sabemos da história do período interbíblico que o templo foi profanado pelo rei Antíoco Epifânio, em 167 AC. Este rei da dinastia dos selêucidas, enquanto dominava a Judéia, quis exterminar o culto do Deus de Israel, para introduzir a religião pagã da Grécia, sua cultura e seus costumes em Jerusalém. Então mandou sacrificar porcos no altar do holocausto do Templo; levantou uma estátua do Zeus Olímpico em frente ao Lugar Santo, para os judeus adorarem; e mandou também queimar todos os livros do Velho Testamento que encontrou.

Agora Jesus prediz esta nova profanação baseada ainda nas profecias de Daniel, desta vez ligada à invasão da cidade de Jerusalém por exércitos estrangeiros, conforme diz Lucas em seu Evangelho: “Quando, porém, virdes Jerusalém sitiada de exércitos, sabei que está próxima a sua devastação” (Lucas 24:20). Foi Tito, general romano, quem comandou o cerco que encheu a cidade de horror. Estas advertências de Jesus tinham sido feitas aos doze discípulos quase quarenta anos antes. Agora a igreja de Jerusalém havia crescido e o número de discípulos era muito grande. Ainda assim eles conheciam estas profecias e as guardavam. Então, seguindo as instruções do Mestre, puderam livrar-se da grande tribulação, na hora certa. Mas o povo, de modo geral, não sabia como escapar dos exércitos romanos que, além de estarem cercando a cidade, eram muito rápidos nas suas manobras. A população da cidade permaneceu em casa, tentando  salvar os seus bens ao invés de correr para fora e refugiar-se nos montes, como fizeram os cristãos, em obediência à orientação deixada por Jesus. A população do campo também entrou para dentro dos muros da cidade, à procura de refúgio,  amontoando-se aos que já estavam lá. Nestas condições Tito achou melhor provocar a rendição da cidade pela fome. Enquanto ele mantinha o cerco, no interior das muralhas aconteceram os fatos mais horríveis de toda a história de Jerusalém. Afora as ameaças dos exércitos sediados no exterior dos muros, a situação se complicava no interior por causa de conflitos entre as várias seitas e facções políticas dos judeus. Josefo, historiador dali da terra, que viveu estes acontecimentos ao lado de Tito, servindo-lhe de intérprete, relata que foram levados noventa e sete mil judeus prisioneiros de Jerusalém, enquanto que mais de um milhão e cem mil morreram lentamente de fome ou pela espada. À medida que a fome se alastrava, famílias inteiras morriam em suas casas. Mulheres e crianças sucumbiam nos esconderijos onde se abrigavam. As ruas eram cheias de velhos e de cadáveres. Jovens e crianças perambulavam pelas praças como se fossem sombras,  e todos caíam onde quer que a morte os surpreendesse. Não havia sepultamentos porque os enfermos não tinham força para tal serviço, e os sãos não tinham ânimo para fazê-lo, devido à grande quantidade de mortos. Muitos desfaleciam ao tentar enterrar alguém e outros procuravam o jazigo, antes que chegasse a sua hora. Não havia lamentação, porque a fome era mais forte do que qualquer outro sentimento. Um profundo silêncio desceu sobre a cidade, como se fosse uma noite fúnebre. Enquanto isso, saqueadores aproveitavam-se das circunstâncias, para despojar os mortos. Muitos famintos que não encontravam ervas para comer procuravam alimentar-se com o que vegetava nos montes de esterco e nas caixas coletoras de esgoto,cousa que, antes, os judeus não podiam nem pensar em fazer. Alguns mascavam couro dos sapatos e correias de sandálias, enquanto o canibalismo começava a manifestar-se. Uma certa mulher assou o próprio filho, para comer com outros miseráveis.

Todas estas informações são do historiador Flávio Josefo referido há pouco.

O Templo, afinal, foi totalmente destruído por incêndio, e suas paredes de pedra foram derribadas. Assim ele foi violentamente profanado por gentios. Outros edifícios importantes da cidade foram incendiados e Jerusalém tornou-se uma desolação. Os que se salvaram foram aqueles que abandonaram rapidamente a cidade para se refugiar nos montes. Jesus disse: “Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias!”  Evidentemente é porque a fuga se torna mais difícil para mulheres nesse estado. Mas também era comum aos soldados invasores cortarem a barriga das grávidas ao fio da espada, para que os fetos saltassem de seus ventres.

Jesus ordenou aos discípulos que orassem para Deus não permitir que essa tragédia acontecesse no inverno, quando é mais difícil caminhar, ficar ao relento e refugiar-se nos montes. Certamente a igreja orou e ele atendeu às súplicas. Inclusive ele tomou providências para que aqueles dias fossem abreviados por causa dos eleitos que ele escolheu. Isto corresponde a alguns dias de trégua que Tito concedeu, oferecendo aos judeus oportunidade de uma rendição, para evitar o extermínio em massa da população. Durante esses dias em que o exército não atacou, os cristãos devidamente instruídos pela profecia de Jesus, aproveitaram para fugir e foram refugiar-se na cidade de Pela, do outro lado do Jordão, na região de Decápolis. Foi assim que a igreja de Jerusalém sobreviveu e teve uma real comprovação de que os eleitos de Deus não são mais os judeus como nação que acabava de ser exterminada, mas agora os eleitos são os discípulos de Cristo, que constituem o Israel de Deus do Novo Testamento (cf. Gálatas 6:16).

Ao exigir de Pilatos a crucificação de Jesus, trinta e sete anos antes, o povo judeu dizia: “Caia sobre nós o seu sangue, e sobre nossos filhos!”  (Mateus 27:25). Com isto eles assumiram a responsabilidade por todas as gerações, sobre o assassínio que praticaram. Esta é a razão por que eles estão espalhados pelo mundo, fora da sua pátria, e Jerusalém continua sendo pisada pelos gentios (cf. Lucas 21:24).

No restante deste parágrafo Jesus volta a alertar os discípulos contra a atuação de falsos Cristos e de falsos profetas, operadores de sinais e prodígios, para enganar , se possível os próprios eleitos. A expressão “se possível” faz entender que os eleitos não se deixarão enganar, porque estão com a verdade de Cristo. E se alguém segue falsos mestres e falsos profetas, esse tal não é de Cristo, não é eleito de Deus.   

          

 V.24 - Mas naqueles dias, após a referida tribulação,

            o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade,

V.25 - as estrelas cairão do firmamento e os poderes dos céus serão abalados.

V.26 - Então verão o Filho do homem vir nas nuvens, com grande poder e glória.

V.27 - E ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos,

           da extremidade da terra até a extremidade do céu.

V.28 - Aprendei, pois, a parábola da figueira: quando já os seus ramos

           se renovam e as folhas brotam, sabeis que está próximo o verão.

V.29 - Assim também vós: quando virdes acontecer estas cousas,

           sabei que está próximo, às portas.

V.30 - Em verdade vos digo que não passará esta geração

           sem que tudo isto aconteça. 

V.31 - Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão.

 

 

É importante notar o tipo de linguagem que Jesus está usando ao iniciar estas palavras. É a linguagem chamada “apocalíptica”, dos versos 24 e 25. A sua intenção é descrever vividamente e assegurar a certeza dos acontecimentos relacionados com aquele grande julgamento da nação de Israel. Trechos mais longos ou menos longos nesta forma de expressão apocalíptica são freqüentes entre os profetas do Velho Testamento. Isaías descreve o julgamento de Deus sobre a Babilônia, do seguinte modo: “Porque as estrelas e constelações dos céus não darão a sua luz; o sol logo ao nascer se escurecerá, e a lua não fará resplandecer a sua luz” (Isaías 13:10). Com outras figuras do mesmo tipo ele descreve o juízo sobre Edom: “Todo o exército dos céus se dissolverá, e os céus se enrolarão como um pergaminho; todo o seu exército cairá, como cai a folha da vide e a folha da figueira” (Isaías 34:4). A expressão “exército dos céus” significa os corpos celestes e ainda as forças e os poderes associados à organização do universo. A profecia de Ezequiel também anuncia de maneira apocalíptica a ruína do Egito: “Quando eu te extinguir, cobrirei os céus e farei enegrecer as suas estrelas; encobrirei o sol com uma nuvem, e a lua não resplandecerá a sua luz” (Ezequiel 32:7). Por meio de uma figura muito original de gafanhotos devoradores como se fossem um exército comandado por Deus que ninguém podia deter, o profeta Joel descreve apocalipticamente o juízo sobre Judá, por causa do seu pecado: “Diante deles treme a terra e os céus se abalam; o sol e a lua se escurecem, e as estrelas retiram o seu resplendor. O Senhor levanta a sua voz diante do seu exército; porque muitíssimo grande é o seu arraial; porque é poderoso quem executa as suas ordens; sim, grande é o dia do Senhor, e mui terrível! Quem o poderá suportar?” (Joel 2:10-11).

Com estes exemplos podemos entender a ênfase profética que Jesus dá a estes acontecimentos, utilizando a linguagem apocalíptica.

A figura do Filho do homem vindo sobre as nuvens é messiânica e representa a sua própria participação neste plano divino de julgamento. Isaías descreve o Senhor (Jeová) vindo sobre uma nuvem, para anunciar a condenação do Egito: “Sentença contra o Egito. Eis que o Senhor, cavalgando numa nuvem ligeira, vem ao Egito; os ídolos do Egito estremecerão diante dele, e o coração dos egípcios se derreterá dentro neles” (Isaías 19:1).

Mas a figura do filho de homem vindo sobre as nuvens é também uma predição da vitória do Messias sobre os judeus, depois da vingança que Deus tomasse contra a nação que matou o seu Filho, conforme consta da parábola dos lavradores maus (Marcos 12:9). Esta vitória é estendida para o verso 27 do nosso texto que diz: “E ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, da extremidade da terra até à extremidade do céu”. Estas palavras de Jesus interpretadas neste contexto de idéias apontam para a era vitoriosa do evangelismo universal com seu desenvolvimento acelerado desde que cessaram as perseguições do judaísmo contra a igreja, após a destruição de Jerusalém e do estado judeu. É uma era de atividades sobre a Terra, de duração indeterminada, que teve início com o julgamento dos judeus naquela época, e que só terá fim quando Jesus voltar.

Quanto à afirmação de Jesus: “Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça”, a palavra “geração” aqui tem recebido interpretações diferentes. Alguns entendem que Jesus se refere àquela população presente, que vivia quando ele fez estas profecias. Se o período atribuído àquela geração é de quarenta anos, então a extinção do Estado Judeu e do Judaísmo bem como as profecias relacionadas com estes fatos cumpriram-se dentro do devido tempo, ou seja, no ano 70 DC, trinta e sete anos depois de tudo ter sido anunciado. Outros entendem que “geração” significa a raça humana referida ali pelo Senhor. Neste caso o período de vida em questão estende-se até o final dos tempos. Conseqüentemente, muitas das profecias aqui pronunciadas são vistas como escatológicas, isto é, só se cumprirão no final dos tempos.

 

V.32 - Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe;

           Nem os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai.

V.33 - Estai de sobreaviso, vigiai [e orai]; porque não sabeis quando será o tempo.

V.34 - É como se um homem que, ausentando-se do país, deixa a sua casa,

           dá autoridade aos seus servos, a cada um a sua obrigação,

           e ao porteiro ordena que vigie.

V.35 - Vigiai, pois, porque não sabeis quando virá o dono da casa:

           se à tarde, se à noite, se ao cantar do galo, se pela manhã;

V.36 - para que, vindo ele inesperadamente, não vos ache dormindo.

V.37 - O que, porém, vos digo, digo a todos: Vigiai!

 

Só Deus podia saber o dia e a hora em que o Filho do homem há de vir. Ele mesmo não sabia, enquanto estava aqui na Terra com seus discípulos. Depois que voltou ao Pai, certamente ele sabe, porque lhe foi dada toda autoridade no céu e na Terra (cf. Mateus 28:18). O que ele diz nas suas últimas recomendações sobre aquele dia e hora são as mesmas cousas que ecoam como um refrão em todos estes ensinos: os discípulos devem permanecer vigilantes e preparados, porque ninguém pode saber quando isto acontecerá. Cada servo deve usar a autoridade que recebeu e cumprir as suas obrigações com responsabilidade.

Quanto ao mais, Jesus reafirma:

“O que, porém, vos digo, digo a todos : Vigiai!”.