CAPÍTULO 12
V. 1 - Depois entrou Jesus a falar-lhes por
parábola: Um homem plantou uma vinha,
cercou-a de sebe, construiu um
lagar, edificou uma torre,
arrendou-a a uns lavradores e ausentou-se do país.
V. 2 - No tempo da colheita, enviou um servo aos
lavradores
para que recebesse deles dos frutos
da vinha;
V. 3 - eles, porém, o agarraram, espancaram, e o
despacharam vazio.
V. 4 -De novo lhes enviou outro servo, e eles o
esbordoaram na cabeça e o insultaram.
V. 5 -Ainda outro lhes mandou, e a este mataram.
Muitos outros lhes enviou,
dos quais espancaram uns e mataram
outros.
V. 6 -Restava-lhe ainda um, seu filho amado;
a este lhes enviou, por fim, dizendo:
Respeitarão a meu filho.
V. 7 -Mas os tais lavradores disseram entre si:
Este é o herdeiro; ora, vamos,
matemo-lo, e a herança será nossa.
V. 8 -E, agarrando-o, mataram-no e o atiraram
para fora da vinha.
V. 9 -Que fará, pois, o dono da vinha?
Virá, exterminará aqueles lavradores
e passará a vinha a outros.
V.10 -Ainda
não lestes esta Escritura:
A
pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a pedra angular;
V.11 - isto
procede do Senhor, e é maravilhoso aos nossos olhos?
V.12 -E
procuravam prendê-lo, mas temiam o povo; porque compreenderam
que contra eles proferia esta
parábola. Então, desistindo, retiraram-se.
Depois da questão levantada por Jesus sobre o batismo de João, que as
autoridades não puderam responder quando o interrogaram no Templo, ele começou
a falar-lhes por meio de uma parábola. Se eles compreenderam bem o seu
significado, não se pode saber. Mas entenderam que se referia a eles. Por isso
desistiram e se retiraram, talvez achando perigoso que Jesus agitasse o povo,
jogando-o contra eles.
A parábola que Jesus menciona aqui é a do capítulo 5 de Isaías. Aquela
propriedade agrícola tão bem construída representava a casa de Israel e os
homens de Judá. O Senhor era o seu proprietário e ao mesmo tempo o seu
sustentador. A cerca de sebe significava a proteção de Deus à nação. Tinha um
lagar onde se recolhiam os cachos de uva para serem espremidos e deles se
retirar o fruto pertinente e esperado. Tinha um galpão em lugar alto que era a
torre, de onde se podia observar a aproximação de saqueadores ou de animais
selvagens que danificassem a plantação. Ali também se abrigavam os lavradores.
Enfim, tudo foi muito bem preparado.
Israel era esta vinha de Deus, que agora estava em poder daqueles líderes
judeus, como se fossem os arrendatários. Eles não estavam rendendo os frutos
que deviam. Já haviam maltratado e matado muitos profetas no passado. Agora
intentavam matar o Filho amado de Deus, o Messias, o que de fato fizeram três dias depois destes acontecimentos,
colocando-o fora do contexto da nação. Por isso o Senhor virá com vingança para
destruir tanto aqueles judeus, como o estado religioso que eles representavam,
isto é, o judaísmo e entregará a sua propriedade a outros.
Todas estas profecias de Jesus já se cumpriram. No ano 70 da nossa era
Jerusalém foi violentamente destruída pelos romanos. O Templo foi arrasado, o
Estado Judeu desapareceu e o reino de Deus foi entregue aos outros povos, os
gentios. A gota d’água que fez transbordar o cálice da ira divina foi o fato da
nação de Israel ter rejeitado o Filho amado de Deus, o Messias. Ele é a pedra
rejeitada pelos construtores, que se tornou para nós a pedra angular da igreja,
onde ele é exaltado acima de todo nome que se possa referir. Isto é maravilhoso
demais aos nossos olhos. Deus seja louvado por isto!
V.13 -E
enviaram-lhe alguns dos fariseus e dos herodianos,
para que o apanhassem em alguma
palavra.
V.14
-Chegando, disseram-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro
e não te importas com quem quer que
seja, porque não olhas
a aparência dos homens, antes segundo
a verdade
ensinas o caminho de Deus; é lícito
pagar tributo a César, ou não?
Devemos ou não devemos pagar?
V.15 -Mas
Jesus, percebendo-lhes a hipocrisia, respondeu:
Por que me experimentais? Trazei-me um
denário para que eu o veja.
V.16-E
eles lho trouxeram. Perguntou-lhes:
De quem é esta efígie e inscrição?
Responderam: De César
V.17-Disse-lhes
então Jesus: Dai a César o que é de César,
e a Deus o que é de Deus. E muito se
admiraram.
Depois do confronto de Jesus com aqueles adversários na questão do
batismo de João e na parábola dos lavradores maus, eles se retiraram
frustrados. Agora preparam um plano para
o apanhar o Mestre de maneira sutil, e esta é a primeira tentativa neste
sentido. Alguns fariseus e muito provavelmente também alguns herodianos faziam
parte do Sinédrio, que era o supremo tribunal dos judeus. Tudo indica que estes
enviados a Jesus eram representantes daquela corte. Fariseus e herodianos eram
adversários políticos por tradição, mas agora se aliaram para fazer oposição a
Jesus. Eles pretendiam apanhá-lo em alguma palavra, o que significa descobrir
nele alguma contradição com o pensamento geral do povo ou qualquer afirmação
contra o sistema de governo estabelecido pelos romanos. Para isto o
experimentaram com uma pergunta. Mas antes de expor a questão, procuraram
cercá-lo com palavras que o comprometessem a não se desviar da resposta que
desejavam receber. Então disseram que ele era verdadeiro, isto é, que ele não
daria uma resposta enganosa. Disseram que ele não se importava com quem quer
que fosse, isto é, ele não tinha receio de como outros pudessem reagir em
função da sua resposta, visto que ele não estava preocupado com a aparência ou
com a posição dos homens, e sim, em ensinar o caminho de Deus, segundo a
verdade. Foi nestas condições que lançaram a pergunta programada para que ele
respondesse com “sim” ou “não”: “é lícito pagar tributo a César, ou não?
Devemos ou não devemos pagar?” Ali estava a multidão para testemunhar o que
ele respondesse, tal como no momento em que lhe perguntaram com que
autoridade expulsou os cambistas e
mercadores do Templo, virando suas mesas e derrubando as cadeiras. Se Jesus
respondesse: sim, é lícito pagar tributo a César, ele seria considerado um
covarde, temeroso do poder dos romanos, e um traidor da pátria. Com isto ele
perderia o prestígio que tinha diante do povo, porque todos consideravam
ilícito em relação aos princípios de Deus, pagar tributo a um monarca
estrangeiro e gentio.
O imperador romano da época era
Tibério César, visto pelos judeus como homem injusto e opressor do povo de
Deus. Desde a morte de Herodes, o Grande, no ano 4 da nossa era, a região sul
da Palestina, que incluía a Judéia, teve sérios problemas com a administração
do Império. A partir do ano 6 foi necessária a intervenção romana nomeando
procuradores para governar, e enviando tropas para manter a ordem no país. Por
ser considerada foco de agitação, a Judéia perdeu a sua independência, passando
a ser província romana. Com isto os impostos passaram a ser recolhidos
diretamente aos cofres do Império. Houve um certo Judas gaulonita, que se
levantou contra essa medida e incitou a população a rebelar-se contra os
dominadores e a usar até de violência em nome de Deus. Apesar de que tomaram
providências contra ele, a sua proposta de não pagar tributo aos romanos
tornou-se o lema sagrado dos judeus patriotas mais fanáticos os quais estavam
sempre na mira dos romanos. Diante de tudo isto, se Jesus dissesse: “não! não
se deve pagar tributo a César”, então ele seria denunciado diante das
autoridades do Império, e preso como revolucionário. Seus adversários
imaginavam que ele não poderia sair do dilema em que o colocaram e assim, daria
a resposta que eles esperavam.
Apesar de ter percebido a hipocrisia dos inquiridores, Jesus não tentou
escapar do cerco, nem desviar-se da resposta que exigiam e que ele mesmo queria
dar. Antes, procurou atrair a atenção de todos para o ensino importante que ia
trazer naquela oportunidade. Para isso, pediu que lhe trouxessem uma moeda de 1
denário. Estas moedas tinham inscritas de um lado as seguintes palavras:
“Tibério César Augusto, Filho do Divino Augusto”. Do outro lado estava a imagem
do imperador, onde também se lia a inscrição: “Sumo Sacerdote”. Então Jesus
disse: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Ele
estava falando do direito que o governo tem de cobrar impostos para manter a
ordem econômica, social e política do país. Isto tem um preço, e todo cidadão
tem um débito para com o governo que está cuidando dessa ordem. Com isto Jesus
esclarece que pagar imposto ao governo não está em desacordo com a lei de Deus,
ainda que seja um governo estrangeiro e gentio, como era o dos romanos sobre os
judeus.
È necessário compreender que os governos são instituições humanas
autorizadas por Deus. Jesus disse a Pilatos: “Nenhuma autoridade terias
sobre mim, se de cima não te fosse dada...” (João 19:11). Os governos
cuidam dos serviços públicos, dos quais cada cidadão em particular não pode
cuidar. Como exemplo temos os serviços de água, luz, telefone, transporte,
segurança social, saúde etc.. Tudo isso facilita a vida do povo, e Deus requer
dos governos que os executem porque um dia haverão de prestar contas deles. Mas
para receber tais benefícios e para que eles sejam mantidos é necessário cada um arcar com a parcela de
responsabilidade que lhe cabe. Isto se faz mediante o pagamento de impostos,
taxas e tarifas.
Foram os romanos que trouxeram para o mundo antigo o sentido de segurança
que antes não era conhecido. Eles acabaram com a pirataria nos mares e com os
salteadores na maioria das rotas terrestres, exterminaram as guerras civis
estabelecendo a paz nos países dominados, substituíram os tiranos desvairados e
caprichosos pela justiça romana, e assim por diante. O grande mérito do Império
Romano foi trazer a paz social a um mundo em ebulição. A Ásia menor e o Oriente
conheceram um período de tranqüilidade que antes nunca haviam experimentado e,
provavelmente, nem depois. Enfim, o mundo do primeiro século veio a conhecer a
“Paz Romana” quando as províncias podiam dirigir despreocupadamente os
seus próprios negócios, os cidadãos podiam cuidar das suas famílias, os
correios funcionavam regularmente, as viagens podiam ser feitas sem perigo,
tudo por causa do sentido de organização do Império. Jesus não desconhecia
estas cousas. Por isso ele trouxe ensinos simples mas verdadeiros a esse
respeito, no tempo oportuno. Os apóstolos Pedro e Paulo também escreveram sobre
a responsabilidade do cristão com relação ao Estado (cf. 1Pedro 2:13-14 e
Romanos 13:1-7). Mas o ensino de Jesus vai além da relação entre o cidadão e o
governo. Por isso ele diz: “Dai a Deus o que é de Deus”. Ele mostrou que,
olhando para a imagem de César estampada na moeda de 1 denário, todos deviam
reconhecer a necessidade de lhe render tributo. Mas olhando para a imagem de
Deus gravada em Cristo, é necessário compreender que temos para com ele uma
dívida irresgatável e por isso devemos render-lhe tributo de honra e glória,
através de uma vida de obediência, de adoração, de louvor e ações de graça
eternamente.
Jesus é a imagem do Deus invisível, e nele habita corporalmente a
plenitude da Divindade.
V.18 -
Então os saduceus, que dizem não haver ressurreição,
aproximaram-se dele e lhe perguntaram
dizendo:
V.19 -
Mestre, Moisés nos deixou escrito que, se morrer o irmão de alguém
e deixar mulher sem filhos, seu
irmão a tome como esposa
e suscite descendência a seu irmão.
V.20 -
Ora, havia sete irmãos: o primeiro casou, e morreu sem deixar descendência;
V.21 - o
segundo desposou a viúva e morreu, também sem deixar filho;
e o terceiro da mesma forma.
V.22 - E
assim os sete não deixaram descendência.
Por fim, depois de todos, morreu
também a mulher.
V.23 - Na
ressurreição, quando eles ressuscitarem,
de qual deles será ela esposa?
porque os sete a desposaram.
V.24 -
Respondeu-lhes Jesus: Não provém o vosso erro
de não conhecerdes as Escrituras,
nem o poder de Deus?
V.25 -
Pois quando ressuscitarem de entre os mortos, nem casarão,
nem se darão em casamento; porém são
como os anjos nos céus.
V.26 -
Quanto à ressurreição dos mortos, não tendes lido no livro de Moisés,
no trecho referente à sarça, como
Deus lhe falou:
Eu sou o Deus de Abraão, o Deus
de Isaque e o Deus de Jacó?
V.27 -
Ora, ele não é Deus de mortos, e, sim, de vivos. Laborais em grande erro.
A Lei de Moisés, em Deuteronômio 25:5-10 previa o caso de morrer o
marido, sem deixar descendente. Então era chamado um irmão seu, que vivesse
junto com ele, para desposar a viúva a fim de dar descendência ao falecido,
preservando o nome da família e retendo a herança dentro do círculo familiar.
Caso se repetisse a viuvez, um novo casamento era providenciado, enquanto o
falecido tivesse irmãos vivos. No caso imaginado pelos saduceus, dos sete
irmãos que se casaram com a mesma mulher, nenhum deixou descendência, porque
todos morreram. Por fim, morreu também a mulher. A tática dos questionadores
era esta: Se ele afirma que existe ressurreição, então deverá responder de qual deles ela será esposa quando
ressuscitarem, visto que os sete a desposaram.
A intenção dos saduceus era confundir Jesus e mostrar que ele era um
Mestre desprezível, não digno de confiança. Então Jesus mostrou o erro de
raciocínio que eles cometiam, apontando dois fatos bem compreensíveis: Primeiro
que, na ressurreição a ordem não é segundo esta vida em que se casam e se dão
em casamento. Lá, são como os anjos que nem se casam, nem se dão em casamento.
Em segundo lugar, bem ao contrário do modo deles pensarem, Jesus mostrou que a
ressurreição existe. Ele comprovou isto através de uma passagem dos escritos
que eles mesmos sabiam serem inspirados. São as palavras que Deus falou a
Moisés do meio da sarça ardente, que se encontram no livro do Êxodo 3:6, que
dizem: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o
Deus de Jacó”. Se Deus estava dizendo “Eu sou...” com o verbo “ser” no
presente, e não, no passado, isto significa que Abraão, Isaque e Jacó estão
vivos na sua presença, porque ele não é Deus de mortos e, sim, de vivos, muito
embora os três patriarcas tenham vivido nesta Terra e morrido, muitos séculos
antes desta afirmação. Nestas condições, uma vez que existe a ressurreição e
também uma vida depois da morte, onde os ressuscitados são seres espirituais
como os anjos, então toda a filosofia e doutrina dos saduceus está lançada por
terra.
Antes de dar estes ensinamentos, Jesus chamou os saduceus à atenção para
o fato deles errarem por duas razões. Primeiro, por não conhecerem as
Escrituras e, segundo, por não conhecerem o poder de Deus. Como os outros
grupos sectários que se defrontaram com o Mestre, estes também se consideravam
donos da verdade e achavam que as suas doutrinas tinham igual ou maior valor do
que a Palavra de Deus. Certa vez Jesus censurou os fariseus e os escribas
dizendo que eles invalidavam a Palavra de Deus com as suas tradições (Marcos
7:13). No caso da imortalidade alegavam não encontrar apoio na Lei de Moisés
para afirmá-la. Por isso a negavam. Mas foi bem dos escritos de Moisés que
Jesus retirou as provas que contrariavam aquele ensino, mostrando que uma parte
dos problemas estava mesmo na falta de
conhecimento das Escrituras. Mas a ressurreição está na dependência do poder de
Deus. Quem não conhece o poder de Deus, não pode crer na ressurreição. Esta é a
outra parte do problema. Jesus encerra este caso de maneira muito rápida,
dizendo aos saduceus que eles laboravam em grande erro, sugerindo que eles
mesmos se desviavam do caminho de Deus.
Estes ensinos de Jesus são sempre oportunos porque ele mostra claramente
que a ignorância das Escrituras e o desconhecimento do poder de Deus são dois
erros muito perigosos em matéria de fé, porque têm conseqüencias eternas. Ele
mesmo conhecia tão bem o Velho Testamento, que os seus ensinos estão
solidamente fundamentados na Lei, nos
profetas e no outros escritos sagrados. Tanto ele era capaz de manusear os
rolos nas sinagogas, como era capaz de citar e de apontar trechos das
Escrituras durante os seus ensinos. O mais impressionante era a sua consciência
de que tudo o que se referia a ele nas profecias estava-se cumprindo na sua
vida.
Os apóstolos tornaram-se peritos em reconhecer o cumprimento do Velho
Testamento tanto na pessoa de Jesus, como no corpo da igreja. E de lá retiravam
ensinamentos do mesmo modo que retiraram das palavras ditas pelo Mestre durante o seu ministério. Até mesmo
eles se encaixaram neste axioma: “...todo escriba versado no reino dos céus
é semelhante a um pai de família que tira do seu depósito cousas novas e cousas
velhas” (Mateus 13:52).
O Novo Testamento reclama a toda hora este conhecimento. Paulo escreve a
Timóteo na segunda carta, dizendo: “Procura apresentar-te a Deus , aprovado,
como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da
verdade” (2Timóteo 2:15). E a Tito
ele instrui quanto ao bispo, ou seja, ao pastor, que deve ser “apegado à
palavra fiel que é segundo a doutrina, de modo que tenha poder, assim para
exortar pelo reto ensino como para convencer os que contradizem” (Tito
1:9). Tudo isto é justificado pelo que a Bíblia é e pela finalidade com que ela
foi escrita: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para
a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem
de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Timóteo
3:16-17) e “...tudo quanto outrora
foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência, e
pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança” (Romanos 15:4).
O poder de Deus precisa igualmente ser conhecido, porque a sua Palavra
tem sido testemunhada por meio de sinais e prodígios que acompanham a pregação.
No livro de Atos encontra-se o seguinte registro sobre a pregação de Paulo e
Barnabé em Icônio: “Entretanto, demoraram-se ali muito tempo, falando
ousadamente no Senhor, o qual confirmava a palavra da sua graça, concedendo que
por mão deles se fizessem sinais e prodígios” (Atos 14:3).
Em suma, a igreja de Cristo precisa ser conduzida por guias que conheçam
tanto as Escrituras como o poder de Deus, a fim de não incorrerem no mesmo erro
dos saduceus, que produz desastre de conseqüencias eternas.
V.28 -
Chegando um dos escribas, tendo ouvido a discussão entre eles,
vendo como Jesus lhes houvera
respondido bem, perguntou-lhe:
Qual é o principal de todos os
mandamentos?
V.29 -
Respondeu Jesus: O principal é:
Ouve,
ó Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor.
V.30
- Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu
coração,
de toda a tua alma, de todo o teu
entendimento
e de toda a tua força.
V.31 -O
segundo é:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Não há outro mandamento maior do que
estes.
V.32-
Disse-lhe o escriba: Muito bem, Mestre, e com verdade disseste
que ele é o único , e não há outro
senão ele;
V.33- e
que amar a Deus de todo o coração, de todo o entendimento
e de toda a força, e amar ao próximo
como a si mesmo,
excede a todos os holocaustos e
sacrifícios.
V.34-
Vendo Jesus que ele havia respondido sabiamente, declarou-lhe:
Não estás longe do reino de Deus. E
já ninguém mais ousava interrogá-lo.
O ministério de Jesus anterior à ressurreição teve seus últimos dias
muito cheios de incidentes. Mas, como
resultado do confronto com os seus adversários, surgiram ensinos preciosos que
permanecem como um legado de grande importância para a igreja. Marcos é o mais
breve a narrar estes fatos. Mateus e Lucas acrescentam algo mais. Mas João
dedica cerca de um terço do seu Evangelho à narração dos acontecimentos a
partir da entrada triunfal em Jerusalém,
no domingo que antecedeu a crucificação, até a sua morte e sepultamento.
Quando ele encerrou a discussão com os saduceus no Templo a respeito da
ressurreição, veio imediatamente um escriba que se aproximou dele com uma
pergunta. Comparada à questão do tributo levantada provavelmente pelos
herodianos, e à questão da ressurreição levantada pelos saduceus, esta,
levantada agora pelo escriba, é de todas a mais honesta. Mateus informa que ele
era representante dos fariseus (cf. Mateus 22:34-36). Então não é de estranhar
que ele viesse com uma pergunta referente às Escrituras. Embora os fariseus
estivessem, ali, lançando um desafio contra Jesus, ele aprovou o espírito com
que o escriba o procurou. Este escriba tinha percebido a profundidade das
idéias de Jesus ao responder à pergunta dos saduceus, quando ele considerou a
passagem em que Deus fala a Moisés do meio da sarça ardente. A expressão:
“Muito bem, Mestre”, mostra como ele ficou impressionado com as palavras de
Jesus em resposta à sua pergunta.
O que Jesus afirmou ser o principal dos mandamentos é o resumo daquilo
que se pode chamar o “credo da nação de Israel” ou a “confissão de fé nacional”
que se encontra em Deuteronômio 6:4-9 e em duas outras passagens complementares
que são: Deuteronômio 11:13-21 e Números 15: 37-41. É o famoso Shemá,
que todo israelita devia saber de cor,
devia recitá-lo ao deitar e ao levantar e durante o dia , pelo caminho.
Além disso, devia ensiná-lo aos filhos, escrever nos batentes das portas e
ainda, trazê-lo atado aos dedos e à fronte, para nunca se esquecer dele. A
palavra “shemá” é a primeira destes mandamentos na língua Hebraica e significa
“ouve”, que é o imperativo do verbo “ouvir”. Os judeus devotos costumavam
recitá-lo três vezes ao dia. Muitos o fazem ainda hoje, ao deitar e ao
levantar. Os serviços das sinagogas também sempre têm início com o Shemá.
O Senhor nosso Deus é o único Senhor são palavras que exprimem a
fé que Israel devia ter no Senhor, como Deus da nação, e também como único
Deus, além do qual não há outro. Mas da palavra “único” retira-se, no Hebraico,
o conceito da unidade de Deus, que é mais bem compreendida no cristianismo,
como a unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Também é oportuno
esclarecer que o nome “Jeová” de Deus é sempre substituído pela palavra
“Senhor” pelos judeus e em muitas versões da Bíblia.
Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua
alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força fala da necessidade de
se devotar a Deus o amor mais elevado que se possa conceber. Ouve-se com mais
freqüência falar do amor de Deus por nós e do amor que devemos dedicar ao
próximo. Mas nestas palavras Jesus apresenta o ponto central dos seus ensinos, enfatizando
a urgência de procurar fazer a vontade de Deus, e de buscar os seus caminhos com
todas as nossas aptidões, e, mais do que isso, com tudo o que somos.
Amar a
Deus de todo o nosso coração significa amá-lo com todo o nosso pensamento,
com tudo o que está dentro de nós. Toda a base dos nossos planos e ideais deve
ser dirigida para Deus.
Amar a
Deus de toda a nossa alma significa amá-lo com toda a nossa vontade e com
todos os nossos sentimentos.
Amar a
Deus de todo o nosso entendimento significa amá-lo com toda a nossa
capacidade de compreender as cousas, isto é, com toda a nossa inteligência
colocada a serviço do Senhor.
Amar a
Deus de toda a nossa força significa amá-lo com todas as nossas capacidades
físicas, ou seja, intensamente como pessoas que somos, incluindo todos os
atributos da nossa personalidade.
Esta é uma visão de quatro aspectos do nosso ser, mencionados
especificamente para reforçar a idéia do amor intenso que devemos a Deus. Na
realidade, o resumo de tudo isto é que devemos amar a Deus intensamente, com
todo o nosso ser. Portanto, não devemos medir esforços para eliminar todos os
obstáculos que nos possam impedir de submeter os nossos planos, a nossa vontade
e as nossas condições físicas à vontade de Deus. Enfim, o amor a Deus deve
superar todas as dificuldades.
O mandamento de amar ao próximo como a si mesmo é juntado ao primeiro,
como sendo o segundo maior. Ele não fazia parte do Shemá, isto é, do grande
mandamento. Mas também é um preceito da Lei, que se encontra em Levítico 19:18.
Jesus acrescentou-o como parte importante da lei de Deus. Realmente, na
experiência espiritual, ninguém pode chegar a praticar o amor a Deus, se este
não for atrelado ao amor ao próximo. Em outras palavras, amor a Deus sem amor
ao próximo não existe. É pura utopia, é destituído de qualquer verdade e
realidade, é uma enganosa proposta da criatividade mental humana.
Alguns escritores judeus já haviam tocado nesse ponto, mencionando o amor
ao próximo ao lado do amor a Deus. Mas nenhum rabino de Israel trouxe um ensino
tão claro e consistente como o de Jesus, que se complementa com ilustração do
“bom samaritano” (Lucas 10:25-37) e com outras passagens dos Evangelhos. Estes
dois mandamentos apresentados aqui desta forma são um resumo dos Dez
Mandamentos que, em parte, tratam do relacionamento entre Deus e o homem e, em
parte, do relacionamento entre homens e homens.
O escriba ficou contente com o que ouviu, elogiou Jesus pela resposta, e
acrescentou palavras que expressam a sua avaliação sobre os sacrifícios feitos
no Templo como mero ritual. Ele entendia que amar a Deus e ao próximo nas
condições em que Jesus ensina, vale mais do que todos os holocaustos e
sacrifícios. A palavra dos profetas veio muitas vezes no passado, para
denunciar a incoerência de atitudes daqueles que ofereciam sacrifícios, sem a
devida obediência à palavra de Deus. Samuel repreendeu Saul nestas
circunstâncias, dizendo: “Tem porventura o Senhor tanto prazer em
holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o
obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender melhor do que a gordura de
carneiros” (1Samuel, 15:22). Oséias repreendeu a nação pela desobediência e
condenou os seus sacrifícios por falta de amor, dizendo: “...misericórdia
quero, e não sacrifícios; e o conhecimento de Deus, mais do que holocaustos” (Oséias
6:6).
Jesus foi favorável àquele escriba que respondeu sabiamente. A sua
disposição mental estava na direção correta do amor de Deus, e no seu espírito
ele concordava com aquilo que Jesus ensinou. Ele demonstrou humildade de
espírito, e descontentamento com a inconsistência dos sacrifícios do Templo.
Mostrou também mansidão, aproximando-se de Jesus sem agressividade, mas com uma
pergunta justificável a respeito da Palavra de Deus.
E aquele que diz:
“Bem aventurados os humildes de espírito...”,
“Bem aventurados os que choram...”,
“Bem aventurados os mansos...”,
ele também
disse ao escriba: “Não estás longe do reino de Deus”.
V.35 -
Jesus, ensinando no Templo, perguntou:
Como dizem os escribas que o Cristo
é filho de Davi?
V.36 - O
próprio Davi falou pelo Espírito Santo:
Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à
minha direita,
até que eu ponha os teus
inimigos debaixo dos teus pés.
V.37 - O
mesmo Davi chama-lhe Senhor; Como, pois, ele é seu filho?
E a grande multidão o ouvia com
prazer.
Jesus permanecia na área do Templo e continuava os seus ensinos. Esta é a
última de uma série de perguntas levantadas ali naquele local. A primeira, a
respeito do batismo de João, foi feita por ele mesmo. Agora também é ele quem
encerra os debates, levantando a questão do Messias e sua descendência de Davi.
Segundo informação de Mateus a pergunta foi dirigida aos fariseus (Mateus
22:41). Mas a multidão estava presente e ouvia com prazer.
Para a compreensão desta passagem é necessário esclarecer que os judeus
não pronunciam o nome “Jeová”, por preceito tradicional. Toda vez que queriam
referir-se a ele, ou quando liam um texto em que constava este nome,
substituíam-no por “Senhor”, no Hebraico, “Adonai”. Para argumentar sobre a
questão do Messias ser filho de Davi, Jesus começa perguntando: “Como dizem
os escribas que o Cristo é filho de Davi?”
Tanto para os escribas, como para os fariseus e para qualquer judeu,
dizer que o Messias era filho de Davi significava que ele viria como um rei,
libertador de Israel e conquistador de todas as nações em sentido terreno, para
concretizar os ideais nacionalistas do povo e satisfazer todas as suas ambições
políticas e anseios de liberdade.
Jesus não aceitou esta interpretação tradicional a respeito do Messias,
porque ela não correspondia à sua pessoa, nem à sua missão. Davi foi um rei com
esse perfil que deu a Israel um elevado status na sua época. Mas, apesar de que
Cristo é filho de Davi, ele é também, seu Senhor, não tendo que se enquadrar na
figura daquele rei. Foi para corrigir aquela interpretação tradicional que
Jesus usou um trecho do Salmo 110 considerado messiânico por todos, e atribuído
a Davi pela inspiração do Espírito Santo.
Esta passagem, da maneira como está escrita no original hebraico do Velho
Testamento, que é a maneira como os judeus entendiam naquela época e entendem
até hoje, deve ser compreendida assim: “Disse Jeová ao meu Senhor:
Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus
pés”.
“Meu Senhor” refere-se ao Messias. Portanto, Davi mesmo reconhecia que o
Messias é seu Senhor. E Jeová também não o fez assentar-se no trono à sua
direita para reinar num reino deste mundo, mas no Reino do Espírito, onde ele é
sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque (Salmo 110:4; Hebreus
7:11-28).
O Apóstolo Paulo, em 1Coríntios 15: 24-26, confirma que Cristo realmente
reina no Reino Espiritual, escrevendo: “E então virá o fim, quando ele
entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem
como todo principado e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto
todos os inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído é a
morte” (1Coríntios 15:24-26).
É assim que
aqueles religiosos precisavam compreender Jesus como Messias.
V.38 - E
ao ensinar dizia ele: Guardai-vos dos escribas, que gostam
de andar com vestes talares e das
saudações nas praças;
V.39 - e
das primeiras cadeiras nas sinagogas
e dos primeiros lugares nos
banquetes;
V.40 - os
quais devoram as casas das viúvas e, para o justificar,
fazem longas orações; estes sofrerão
juízo muito mais severo.
Os escribas e os fariseus eram símbolo da hipocrisia, por aparentarem uma
cousa e serem outra. Esta censura que Jesus lhes dirige aqui é resumida em
poucas palavras no Evangelho de Marcos. Mas o Evangelho de Mateus tem o
capítulo 23 quase todo preenchido com declarações que o Mestre faz a respeito
deles. A razão disto pode ser dupla: A primeira é a finalidade didática com que
Mateus escreveu o seu Evangelho que registra um número considerável de
discursos de Jesus. A segunda é que ele foi escrito para um público leitor
constituído por um grande número de judeus que não ignoravam o comportamento
dos escribas e fariseus.
Marcos restringe-se a relatar como eles gostavam de ser notados,
reverenciados e honrados em público, nos ambientes religiosos e nos meios
sociais. Os seus palcos favoritos eram as praças, as sinagogas e os banquetes.
Nas praças, onde normalmente se instalavam os mercados, eles andavam com roupas
longas até o chão e ornamentadas nas barras com adornos de motivo religioso.
Deslocavam-se a passos vagarosos para mostrar importância. e para atrair a
atenção do público que os saudava com reverência devido ao elevado conceito de
que gozavam como mestres religiosos. Nas sinagogas sentavam-se nas cadeiras
mais altas que se localizavam na frente e estavam voltadas para o público.
Deste modo se consideravam importantes e superiores aos demais freqüentadores
dos cultos. E nos banquetes procuravam os lugares mais próximos aos donos da
casa, reivindicando para si deferências e honras superiores às dos outros
convidados. Também, por serem considerados mestres das Escrituras, conseguiam
envolver pessoas de boa fé, especialmente mulheres e órfãos no tráfico de
influência religiosa, alegando ser altamente favorecidos por Deus. Desta
maneira eles as submetiam e as exploravam financeiramente. Assim eles devoravam
as suas casas, isto é, espoliavam os seus bens. E, para se justificarem, faziam
extensas orações nas praças, nas sinagogas e no Templo, onde sempre contavam
com um bom número de ouvintes e de espectadores.
O que Jesus ensina aqui aos seus discípulos e ao povo é que eles não
devem proceder desta maneira. A séria advertência final é esta: Pessoas que procuram
impor-se como guias religiosos e se aproveitam desta posição para receberem
privilégios ou para se utilizarem da piedade como fonte de lucro financeiro,
receberão juízo muito mais severo.
V.41 - Assentado diante do gazofilácio, observava Jesus como o povo
lançava ali
o dinheiro. Ora, muitos ricos
depositavam grandes quantias.
V.42 -
Vindo, porém, uma viúva pobre depositou duas pequenas moedas
correspondentes a um quadrante.
V.43 - E,
chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo
que esta viúva pobre depositou no
gazofilácio
mais do que o fizeram todos os
ofertantes.
V.44 -
Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém,
da sua pobreza deu tudo o que
possuía, todo o seu sustento.
Ao Templo não compareciam apenas os líderes religiosos judeus. Havia
também adoradores que se apresentavam para adorar a Deus sinceramente. Esta
viúva pobre, não identificada, foi a pessoa que passou para a história do
Evangelho, reconhecida pela justiça de Deus, como a que fez a maior
contribuição, embora oferecendo a menor quantia, porque deu tudo o que tinha:
duas moedas de cobre, as menores que estavam em circulação na época. Talvez o
que bastasse para comprar um único pãozinho. Chegando humildemente, sem alarde,
sem toque de trombeta como faziam os fariseus ao dar esmolas, lançou a sua
oferta numa das treze caixas coletoras do Templo, no recinto do gazofilácio que
era a “sala do tesouro”. Esta mulher, com seu gesto, representa o inverso dos
escribas e dos fariseus avarentos, de
religião rotulada e personalizada. A julgar pelo contexto, podia até ser uma
das vítimas daqueles que devoravam as casas dos órfãos e das viúvas.
Quando Jesus mostra o contraste entre a oferta da viúva pobre e a dos
ricos, ele não está negando o valor da contribuição dos ricos, nem ensinando
que eles não devem contribuir. Ele está usando um padrão espiritual de
comparação, ensinando que a oferta tem significado correspondente ao sacrifício
que ela representa para aquele que a oferece. Poderíamos dizer também que a
oferta não é avaliada por aquilo que é dado, mas por aquilo que sobra ao
ofertante. Em toda a história do povo de Deus, tanto no Velho como no Novo
Testamento, estão registradas pessoas ricas e pobres que contribuíram de
coração para a obra de Deus. Jesus mesmo recebeu apoio financeiro de algumas
mulheres para o seu ministério, de acordo com informação de Lucas 8:3, que
menciona Maria Madalena; Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes;
Suzana, e muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens.
Ainda hoje existem igualmente homens e mulheres de posse que servem ao Senhor desta mesma forma, o que
lhe é muito agradável.