CAPÍTULO 11
V. 1 -
Quando se aproximaram de Jerusalém, de Betfagé e Betânia,
junto ao Monte das Oliveiras, enviou
Jesus dois dos seus discípulos,
V. 2 - e
disse-lhes: Ide à aldeia que aí está diante de vós e, logo ao entrar,
achareis preso um jumentinho no qual
ainda ninguém montou;
desprendei-o e trazei-o.
V. 3 - Se
alguém vos perguntar: Por que fazeis isso? respondei:
O Senhor precisa dele, e logo o
mandará de volta para aqui.
V. 4 -
Então foram e acharam o jumentinho preso,
junto ao portão,
do lado de fora na rua, e o
desprenderam.
V. 5 -
Alguns que ali estavam reclamaram: Que
fazeis, soltando o jumentinho?
V. 6 -
Eles, porém, responderam conforme as
instruções de Jesus;
então os deixaram ir.
V. 7 -
Levaram o jumentinho, sobre o qual puseram as suas vestes,
e nele Jesus montou.
V. 8 - E
muitos estendiam as suas vestes no caminho,
e outros, ramos que haviam cortado
dos campos.
V. 9 -
Tanto os que iam adiante dele como os que vinham depois,
clamavam: Hosana! Bendito o que vem
em nome do Senhor!
V.10
-Bendito o reino que vem, o reino de nosso pai Davi!
Hosana nas maiores alturas!
V.11 -E,
quando entrou em Jerusalém, no templo, tendo observado tudo,
como fosse já tarde, saiu para
Betânia com os doze.
A partir deste capítulo já podemos fazer uma contagem regressiva dos dias
do ministério de Jesus anterior à ressurreição. Esta sua entrada em Jerusalém
ficou conhecida como a “Entrada Triunfal” e aconteceu no domingo que antecedeu
à ressurreição. Portanto é nesta semana que ele será morto, e a sua
ressurreição ocorrerá no primeiro dia da semana seguinte, ou seja, sete dias
após a sua chegada, de acordo com o nosso modo de contar o tempo. Enquanto
isso, a narrativa de Marcos vai convergindo rapidamente para os fatos finais.
É oportuno observar que esta é a única visita registrada neste Evangelho,
de Jesus com seus discípulos a Jerusalém. Aí, e nos seus arredores, ele passou
a sua última semana. A razão disso é que Marcos concentra as atenções nas
atividades do Mestre na Galiléia e suas circunvizinhanças, como também o fazem
Mateus e Lucas. Mas nós sabemos pelo Evangelho de João e por referências
existentes nos outros Evangelhos que ele visitava Jerusalém com certa
freqüência, por ocasião das festas religiosas, e concluímos também que ele
tinha na cidade e nas suas redondezas um bom número de discípulos e de
admiradores. Mateus e Lucas registram as seguintes palavras de Jesus: “Jerusalém,
Jerusalém! que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! quantas
vezes quis eu reunir os teus filhos como a galinha ajunta os do seu próprio
ninho debaixo das asas, e vós não o quisestes” (Mateus 23:37; Lucas 13:34).
Isto mostra que ele esteve lá muitas vezes tentando reunir o povo no propósito
de Deus, mas foi rejeitado.
Agora, enquanto subia de Jericó para Jerusalém, em algum ponto do
percurso aproximado de 25 km, ele trouxe aos discípulos ensinamentos visando a
ajudá-los a compreender melhor o propósito de Deus, porque eles imaginavam que
o reino iria manifestar-se imediatamente, quando chegassem na cidade. Estes
ensinos estão na parábola das dez minas, registrada em Lucas 19:11-27. Perto de
Jerusalém ficavam duas vilas na encosta oriental do Monte das Oliveiras.
Betfagé era a mais próxima. A outra era Betânia que ficava a cerca de 3 km de
distância. Ao se aproximar destas aldeias, Jesus mandou dois dos seus
discípulos buscarem um jumentinho que estava amarrado em determinado lugar,
porque ele precisava montá-lo para entrar em Jerusalém. Seguindo as instruções
do Mestre, eles foram e encontraram o animalzinho que ninguém havia cavalgado
ainda e que, portanto, satisfazia a exigência do Senhor, para servir no seu
propósito sagrado. Os seus donos, que estavam ali perto, entregaram-no sem nada
obstar, depois de ouvirem a explicação de que o Senhor precisava dele, mas logo
o mandaria de volta. Isto pode indicar que aqueles homens fossem conhecidos ou,
até mesmo, discípulos de Jesus, e que já estavam ali preparados para servir ao
Senhor naquelas circunstâncias. Com peças de roupa do seu próprio uso, os
discípulos improvisaram uma sela sobre o jumentinho e Jesus montou nele. Muitos estendiam no chão suas
vestes, ramos cortados dos campos e folhas de palmeiras, formando assim um
tapete, como sinal de honras reais tributadas a Jesus que marchava montado por
cima dele.
Esta é uma figura de triunfo. Na Palestina era costume o rei montar um
cavalo ao ir para a guerra. Mas quando voltava em paz cavalgava um jumento,
considerado um animal nobre. Além disso, esta cena mostra o cumprimento da
profecia messiânica de Zacarias 9:9 que diz: “Alegra-te muito, ó filha de
Sião; exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu rei, justo e salvador,
humilde, montado em jumento, num jumentinho, cria de jumenta”. Jesus mesmo
teve o zelo de fazer cumprir esta profecia, preparando a sua entrada em
Jerusalém dessa maneira, para que todos vissem e compreendessem que ele é o
Messias, o Rei justo e salvador, e humilde. Até aquele dia em que o cego
Bartimeu clamava no meio da multidão chamando-o Filho de Davi, isto é, Messias,
ele vinha proibindo as pessoas de divulgarem quem ele é. Mas, a partir dali,
ele o permitiu e agora, ele mesmo manifesta isto publicamente diante do povo,
dos sacerdotes e dos poderosos em Jerusalém. Este era o tempo oportuno para
isto. João informa que, depois da ressurreição de Lázaro ocorrida cerca de um
mês antes, os principais sacerdotes e os fariseus tomaram a decisão de matá-lo,
e deram ordem para, se alguém soubesse onde ele estava, denunciá-lo, a fim de o
prenderem (João 11:53,57).
O povo que vinha adiante e atrás dele clamava: “Hosana! Bendito o que
vem em nome do Senhor! Bendito o reino que vem, o reino de nosso pai Davi!
Hosana nas maiores alturas”. “Hosana” é uma exclamação dirigida a
Jesus, aclamando-o como Salvador. A expressão é do Hebraico, encontra no Salmo
118:25 e quer dizer: “salva-nos, te pedimos”. “Bendito o que vem em
nome do Senhor” é também uma saudação dirigida a ele considerando-o como o
Messias que todos esperavam da parte de Deus. Os peregrinos que vinham ao
Templo para as festas religiosas eram saudados com estas mesmas palavras que
são retiradas do Salmo 118:26. “Bendito o reino que vem, o reino do nosso
pai Davi” representa toda a esperança nacional de ser restaurado o reino de
Davi, e isto significava Israel dominando sobre todos os povos pelo governo do
Messias regendo com cetro de ferro, e despedaçando as nações como um vaso de
oleiro.
Por trás destas profecias mal interpretadas pela multidão, o que se ouve
é um brado de guerra lançado como proposta diante de Jesus, do mesmo modo que
fizeram tentando coroá-lo rei, depois da primeira multiplicação dos pães. O
tapete montado na rua para que ele passasse por cima era uma réplica da
forração feita nos degraus da escada por onde passou Jeú, o sangüinário, quando
foi aclamado rei de Israel (2Reis 9:13). Montando aquele jumentinho, Jesus
mostrou claramente que ele é o Príncipe da Paz. A multidão via, mas não
compreendia. Uma das grandes dificuldades que ele encontrou no seu ministério
foi tentar mudar os conceitos errados que existiam a respeito de Deus. Por
causa disto ele sofreu a oposição da nação em todos os segmentos da sociedade.
Mas nem por isso ele sentiu-se frustrado em qualquer momento do seu ministério,
ainda que poucos tivessem aceitado a sua oferta amorosa. Aquela multidão que o
aclamava na chegada a Jerusalém, poucos dias depois, instigada pelos
religiosos, exigia a sua morte, gritando diante de Pilatos: “Crucifica-o”.
Sobre a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, diz certo escritor
bíblico:
“Não há outro incidente como este, que mostre as virtudes pessoais de
Jesus. Nas circunstâncias reinantes poder-se-ia esperar que ele entrasse secretamente
em Jerusalém, e se mantivesse oculto das autoridades que queriam destruí-lo.
Mas ele se expôs às atenções de todos. Deliberadamente enfrentou o perigo de
dizer ao povo que os seus conceitos tradicionais eram errados; e empenhou-se
por arrancar pelas raízes aqueles sonhos nacionalistas que alimentavam”.
Foi o apelo do amor divino, feito com intrepidez heróica.
O último verso do nosso texto revela que Jesus entrou em Jerusalém, mas a
sua meta final era o Templo. Este é figura do Tabernáculo Celeste, onde ele entrou
no Santo dos Santos, como Sumo Sacerdote, por meio do seu próprio sangue, para
obter, uma vez por todas, eterna redenção (cf. Hebreus 9:11-12).
V.12 - No
dia seguinte, quando saíram de Betânia, teve fome.
V.13 - E,
vendo de longe uma figueira com folhas, foi ver se nela,
porventura, acharia alguma cousa.
Aproximando-se dela
nada achou, senão folhas; porque não
era tempo de figos.
V.14
-Então lhe disse Jesus: Nunca jamais coma alguém
fruto de ti. E seus discípulos
ouviram isto.
V.15 -E
foram para Jerusalém. Entrando ele no templo passou a expulsar
os que ali vendiam e compravam;
derrubou as mesas dos cambistas
e as cadeiras dos que vendiam pombas.
V.16 -Não
permitia que alguém conduzisse qualquer utensílio pelo templo;
V.17
-também os ensinava e dizia: Não está escrito:
A minha casa será chamada casa
de oração, para todas as nações?
Vós, porém, a tendes transformado em
covil de salteadores.
V.18- E os
principais sacerdotes e escribas ouviam estas cousas
e procuravam um modo de lhe tirar a
vida; pois o temiam,
porque toda a multidão se maravilhava
de sua doutrina.
V.19- Em
vindo a tarde, saíram da cidade.
V.20- E,
passando eles pela manhã, viram que a figueira secara desde a raiz.
V.21-
Então Pedro, lembrando-se, falou: Mestre,
Eis que a figueira que amaldiçoaste,
secou.
V.22- Ao
que Jesus lhes disse: Tende fé em Deus;
Jerusalém estava repleta de gente por causa das festividades da Páscoa
que se aproximava. Ali estavam também muitos inimigos de Jesus. Apesar de que
as cidades da periferia ficavam cheias de peregrinos, ele podia descansar sem
ser observado pelos adversários em Betânia onde ele tinha muitos amigos e onde
ficava a casa de Marta, Maria e Lázaro, que ele tinha ressuscitado havia poucas
semanas. Por isso, no domingo , sendo já tarde, ele saiu para Betânia com os
doze.
Para acompanhar cronologicamente os acontecimentos da última semana do
ministério de Jesus, vamos por em ordem alguns fatos:
1 - No
domingo, que é tradicionalmente chamado “Domingo de Ramos” ele entrou de dia em
Jerusalém, foi até o Templo, e observou tudo. À noite ele estava em Betânia.
2 - Na
segunda feira, de caminho para Jerusalém, ele amaldiçoou a figueira e passou o
dia no templo, quando expulsou de lá os comerciantes e os cambistas. À tarde,
saiu da cidade.
3 - Na terça
feira de manhã, indo de novo para Jerusalém, os discípulos viram que a figueira
secara. Neste dia Jesus dá abundantes e preciosos ensinos registrados por
Marcos até o final do capítulo 13.
O que aconteceu com esta figueira é mais um ensino de Jesus, dado por
meio de uma “parábola em ação”. O caso está relacionado com o que se passou no
dia em que ele entrou no templo e observou tudo. Mas o que foi que ele
observou? Tudo o que tinha direito de observar! Ele é a suprema autoridade,
destinado e acreditado por Deus para julgar o mundo com justiça no Dia Final. O
que ele viu certamente o entristeceu, porque ele não veio para destruir, e sim,
para salvar. Por enquanto ele é advogado de defesa, mas naquele dia será juiz.
Ele observou tudo com o coração cheio de compaixão e com os olhos cheios de
lágrimas, pois ele chorou à vista da cidade, ao entrar em Jerusalém (cf. Lucas
19:41). Ele viu o Templo transformado em covil de salteadores. Não era esta a
finalidade com que Deus fez levantar no meio do povo de Israel o seu
tabernáculo, o lugar da sua habitação. Disfarçados de virtuosos, as autoridades
religiosas fizeram dali o refúgio de homens viciados em atividades abomináveis.
Os recintos sagrados eram ocupados por cambistas de baixa moral. O pátio dos
gentios estava profanado pela presença de animais vendidos para o sacrifício.
Eles agiam sob o pretexto de facilitar o culto: cambistas trocavam a moeda dos
peregrinos para o pagamento do imposto anual do Templo pela moeda específica
para esse fim, mas cobravam uma sobretaxa abusiva. Os vendedores de animais
para o sacrifício, vendiam-nos por preços muito acima do normal. E tudo era
feito em nome da devoção a Deus.
Mas Jesus observou também a oposição dos líderes religiosos contra o
propósito de Deus, visto que rejeitavam o Filho enviado do céu, porquanto
temiam a sua interferência nos negócios
da nação. Finalmente Jesus observou que o povo criado por Deus para cumprir o
seu propósito de redenção para todas as nações havia perdido a fé. Por isso,
quando falou aos discípulos: “Tende fé em Deus”, ele estava
propondo-lhes viver uma vida de qualidade produzida pela fé, de tal modo que
não viessem a secar como aquela figueira que representava o estado da nação sem
fé. Pois a figueira, tanto quanto a videira, era um símbolo nacional. E Jesus
procurou fruto nela e não encontrou.
Israel era como uma árvore plantada por Deus que lhe deu a dádiva da
vida, e a sustentava para que produzisse fruto. O Salmo 80 é uma súplica
de Asafe a Deus, em nome do povo, no sentido da restauração da videira que ele
plantou e depois destruiu, porque não produzia nada. Agora também, Jesus
procurou fruto nela e não encontrou. No capítulo 5 de Isaías há uma parábola da
qual consta o doloroso anúncio do Senhor que iria destruir a vinha em que
plantou a videira porque, em vez de uvas boas, produziu uvas bravas. Israel não
correspondeu ao propósito de Deus: Ele esperava justiça, mas via opressão;
esperava retidão, mas via corrupção; e este não era o tributo que a nação lhe
devia, porque ele a criou e mantinha a vida nacional, como quem cuida de uma
árvore, para produzir bom fruto. Por isso, nesta parábola da vinha, ele
antecipa ao povo qual será o seu futuro: sua cerca e seu muro serão retirados,
Deus cessará a proteção que dava à nação, para que ela seja invadida e
pisoteada pelos inimigos, do mesmo modo que acontece quando o gado invade uma
plantação, e come, e pisoteia tudo o que ali cresceu.
Todos estes exemplos do passado estão presentes na parábola da figueira
que secou imediatamente, quando Jesus a censurou. Este efeito dramático é mais
um ingrediente próprio da didática do Mestre que ninguém é capaz de reproduzir,
e que impressiona fortemente os leitores e os ouvintes até o dia de hoje.
Israel não se ajustava ao propósito de Deus e nele não havia vestígio
de arrependimento. Veio o precursor do
Messias, mas não foi ouvido. Antes, o mataram. Agora, vem o próprio Messias com
o seu reino, e também é rejeitado, sem ao menos ser reconhecido pela nação.
Portanto, diante da justiça de Deus, Israel não poderia prevalecer, mas deveria
sucumbir. No outro dia os discípulos verificaram que a figueira havia secado
desde a raiz. Assim se completou o ensino profético que Jesus trouxe através
desta “parábola em ação”. Mas o ponto a que ele queria chegar está expresso
nesta exortação: “Tende fé em Deus”. Em resumo, para prevalecer diante
da justiça de Deus e não ser destruído, é necessário produzir fruto; e para
produzir fruto é necessário ter fé nele..
V.23 -
porque em verdade vos afirmo que se alguém disser a este monte:
ergue-te e lança-te no mar, e não
duvidar no seu coração,
mas crer que se fará o que diz, assim
será com ele.
V.24- Por
isso vos digo que tudo quanto em oração pedirdes,
crede que recebestes, e será assim
convosco.
V.25- E,
quando estiverdes orando, se tendes alguma cousa contra alguém,
perdoai, para que vosso Pai celeste
vos perdoe as vossas ofensas.
V. 26- [Mas, se não perdoardes, também vosso Pai celeste
não vos perdoará as vossas ofensas].
Os discípulos precisavam compreender que deviam ter fé, não somente para
evitar que fossem destruídos, mas também para remover os obstáculos destinados
a impedir a implantação do reino de Deus entre os homens. Estes obstáculos são
representados aqui pelo monte que deve
ser lançado ao mar. Os doze eram formados segundo a mentalidade geral da nação
e Jesus estava trabalhando com eles para resgatá-los daquelas tradições que os
prendiam pelas raízes. Se eles não quisessem ser destruídos, precisavam ter fé
em Deus, para que a sua vida espiritual não se extinguisse, e eles não se
tornassem infrutíferos.
Mas agora o ensino passa para a parte prática e importante, de como isto
acontece. É pela oração. Perante Deus a fé é expressa pela oração. Diante dos
homens, a fé é comprovada por uma vida de compaixão, incluindo o perdão que se
deve demonstrar. Isto é reconhecimento da dependência de Deus em que todos
devem viver, buscando o perdão dele também. A oração aceitável a Deus é aquela
isenta de ressentimento contra o próximo, porque foi antecipada pelo perdão.
É a oração purificada pelo amor.
Em resumo, para levar em frente a missão de implantar o reino de Deus
entre os homens, os discípulos precisam de fé, de vida frutífera com amor,
compaixão, perdão e muita oração. Sem isto, o fim será o mesmo da figueira que
secou desde a raiz.
O episódio da purificação do Templo está intercalado no caso da figueira
e suas implicações. Por isso nós o deixamos de lado para analisá-lo à parte, o
que faremos agora, lembrando que estes fatos correspondem aos versos 14 até 19.
O Templo de Jerusalém, na época de Jesus, era o que havia sido restaurado
pelo rei Herodes, o Grande. A sua construção era sólida e a sua beleza era
simplesmente extraordinária. Além da parte central aonde a entrada só era
permitida aos sacerdotes, havia os pátios externos, onde podiam permanecer os
homens de Israel, as mulheres e os gentios, cada um no seu respectivo átrio. O
Pátio dos Gentios era, de todos, o mais exterior. Nele podiam entrar tanto os
judeus como os gentios. Mas os gentios estavam proibidos de ingressar nos
pátios interiores, tanto das mulheres, como dos homens, sob pena de morte. Foi
no pátio dos gentios que se deram os acontecimentos de que agora vamos tratar.
Este local havia-se transformado numa verdadeira praça de comércio como
se fosse um mercado público, onde estavam instalados os cambistas e os
vendedores de animais para o sacrifício. Os cambistas cobravam elevadas taxas
para efetuar a troca das diversas moedas
dos peregrinos em moeda do Templo com a qual se pagava o imposto religioso
anual e se compravam as vítimas para os sacrifícios. Os vendedores de animais
vendiam-nos por preços abusivos. Era uma verdadeira extorsão organizada contra
os romeiros. Os inspetores do Templo recebiam suborno para recusar animais
trazidos de fora, alegando que eram defeituosos, e assim forçavam a compra dos
mesmos ali naquele mercado. O fato mais surpreendente de tudo isto é que aquele
comércio imoral e ilegal era totalmente controlado pela família de Anás, Sumo
Sacerdote que ainda exercia grande influência política e religiosa na nação,
mesmo depois de ter sido deposto e de ter sido substituído por Caifás, que era
seu genro. Outra irregularidade que acontecia naqueles dias é que o povo havia
aberto caminho através do pátio dos gentios, para encurtar distância entre
certos pontos da cidade, e por ali transportavam objetos de um lado para outro.
Deste modo aquele local não podia mais ser usado para oração, para meditação ou
para devoção, que eram as verdadeiras finalidades da sua existência.
Então podemos entender que Jesus usasse a sua ira santa para mostrar a
necessidade de restaurar a correta atitude de adoração a Deus, o que ele
realmente veio para fazer. Ele irou-se pela exploração e pela opressão que
faziam aos peregrinos que vinham com o propósito de adorar. Ele irou-se pela
profanação do santuário de Deus e também, pela injustiça feita aos gentios,
cujo espaço de adoração no Templo foi ocupado por homens perversos.
É oportuno notar a diferença de motivo da ira dos principais sacerdotes e
escribas, e da ira de Jesus. Mateus 21:15-16 registra que eles se indignaram
por ouvirem as crianças no Templo clamarem diante de Jesus: “Hosana ao Filho
de Davi”, quando ele fazia maravilhas. Entretanto não se incomodavam com a
gritaria dos cambistas e dos vendedores. Eles achavam tudo isso conveniente
como fator de promoção do cerimonial do culto de adoração e daquela
religiosidade exterior que significava tudo para eles. Eles devem ter ficado
muito mais indignados quando Jesus afirmou que ele reconstruiria em três dias o
Templo, quando ele fosse destruído (João 2:19). Mas, para Jesus, a maior causa
de ira era aquele recinto sagrado ter sido transformado em covil de
salteadores, quando, no propósito de Deus, ele foi estabelecido como casa de
oração para todas as nações.
A ira do Cordeiro deve ter causado forte impacto não somente nos
sacerdotes e nos escribas, mas também nos discípulos que tiveram ali uma nova
experiência do caráter do Mestre, que certamente não esperavam. João explica
que no momento eles compreenderam através das palavras do Velho Testamento, que
ele estava tomado de zelo pelo nome de Deus, envolvido em todas estas cousas
(cf. João 2:17). Este sentimento de Jesus explica a atitude zelosa de Elias no
passado, quando pediu fogo do céu, porque a adoração ao Deus Jeová estava sendo
violada (1Reis 36-39).
É importante saber o conceito que Jesus tinha do Templo. Aos doze anos de
idade ele ensinava lá e afirmava estar tratando dos negócios de seu Pai. Na
parábola do fariseu e do publicano que se passa naquele mesmo lugar, ele mostra
a natureza justa de Deus que ouvia as orações de todos os do seu povo que ali o
procuravam (Lucas 18:9-14). Agora ele o interpreta como casa de oração e via
nele um lugar de ensino e de reflexão para toda a humanidade. Ele não
desvalorizou e nem subestimou o Templo por tomar lá aquelas medidas
disciplinares. Antes, o valorizou.
A igreja de Jerusalém tinha este mesmo elevado conceito daquele recinto
sagrado. Em Atos 2:42-47 encontramos informações de que os primeiros batizados
perseveravam diariamente unânimes no Templo, e perseveravam também na doutrina
dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações. Para lá concorriam
também os apóstolos com este mesmo propósito (Atos 3:1; 5:12).
Até num momento de calor emocional Jesus achou oportunidade para dar
ensino sobre a verdadeira finalidade do Templo no propósito de Deus. Explicando
que era para ser casa de oração para todos os povos, ele faz menção da profecia
de Isaías 56:7, que diz: “também os levarei ao meu santo monte e os
alegrarei na minha casa de oração; os seus holocaustos e os seus sacrifícios
serão aceitos no meu altar, porque a minha casa será chamada casa de oração
para todos os povos”. Sacrifícios e holocaustos não são mencionados
aqui por Jesus, porque é ele mesmo quem
havia de morrer para unir judeus e gentios num só corpo (João 11:51-52). À
passagem de Isaías Jesus juntou a de Jeremias 7:11 que denuncia a transformação
do Templo em covil de salteadores, mensagem pregada pelo profeta na casa de
Deus nos seus dias.
A atitude de Jesus derrubar as mesas dos cambistas e as cadeiras dos
vendedores não significa ira pecaminosa pois ele não ultrapassou os limites do
zelo num propósito sagrado. Mesmo usando um azorrague para expulsar homens e
animais, ele não maltratou ninguém.Também ele não pode ser acusado de perder a
mansidão ou a humildade. Mansidão é a
virtude de deixar Deus controlar as nossas forças. Mas o homem manso deve ser
enérgico, quando Deus exige. Humildade não significa aceitar imposições
contrárias à verdade para evitar problemas que devem ser enfrentados. Humildade
é submeter-se ao propósito de Deus e tratar com o próximo de maneira coerente
com esse propósito. O que precisamos entender é que Jesus deu um ensino por
meio de uma parábola em ação, na qual ele é o principal personagem em cena.
Este é um dos exemplos de como ele é capaz de ensinar. Ele veio para purificar
o templo de Deus que é a sua igreja, por meio da sua obra expiatória. A sua
vida é um ensino que se desenvolve num crescendo até ao ponto em que ele se
deixa levar à cruz no maior exemplo de amor, e na maior resposta ao apelo de
Deus, em obediência ao seu propósito. Com isto ele criou a adoração espiritual
no verdadeiro templo de Deus que é o seu corpo glorificado, ou seja, a igreja,
abrindo novo caminho pela sua carne para chegarmos à presença de Deus,
purificados pelo seu sangue, e para o adorarmos em espírito e em verdade.
Depois do que aconteceu, os sacerdotes e os escribas procuravam matar
Jesus porque o temiam, e porque os seus ensinos maravilhavam o povo.
V.27 -
Então regressaram para Jerusalém. E andando ele pelo templo,
vieram ao seu encontro os principais
sacerdotes, os escribas e os anciãos,
V.28 - e
lhe perguntaram: Com que autoridade fazes estas cousas?
ou quem te deu autoridade para as
fazeres?
V.29 -
Jesus lhes respondeu: Eu vos farei uma pergunta, respondei-me;
e eu vos direi com que autoridade
faço estas cousas.
V.30 - O
batismo de João era do céu ou dos homens? respondei-me.
V.31 - E
eles disseram entre si: Se dissermos: Do céu, dirá:
Então por que não acreditastes nele?
V.32 - Se,
porém, dissermos: Dos homens; era de temer o povo;
porque todos consideravam a João
como profeta.
V.33 -
Então responderam a Jesus: Não sabemos. E Jesus por sua vez lhes disse:
Nem eu tão pouco vos digo com que
autoridade faço estas cousas.
A purificação do Templo ocorrida na
segunda feira foi um ato profético de Jesus, para mostrar a verdadeira
finalidade da casa de Deus. Mas foi também um ato deliberado seu que causou
grande repercussão entre os representantes oficiais do judaísmo. Por isso,
quando ele voltou àquele recinto no dia seguinte, ele se defrontou com os
principais sacerdotes, escribas e anciãos, que eram nada menos que uma
delegação do Sinédrio. Eles queriam saber quem o autorizou a fazer aquelas
cousas do dia anterior. Que Jesus agia com autoridade divina ficou claro desde
o início do seu ministério pelos ensinos e pelos milagres que fazia. Os seus
discípulos o compreenderam e passaram a segui-lo. Os fariseus não o
compreenderam e, escandalizados, retraíram-se, condenando-se. Estas autoridades
religiosas também não o compreendiam e deviam estar pensando que ele desejasse
controlar a conduta no Templo ou colocar-se acima da Lei de Moisés, que dava
esta atribuição aos Levitas, filhos de Aarão. No fundo, entre os motivos que os
levava a esta investigação contra Jesus, estava a preocupação pela quebra do
fluxo de negócios que, na época das festas, aumentava consideravelmente, mas
agora estava sofrendo uma grande baixa. Eles esperavam que Jesus afirmasse ter
feito aquilo com autoridade divina, para o acusarem de blasfêmia. E se ele
dissesse que fez por conta própria, eles o prenderiam como um revolucionário
perigoso, capaz de causar problemas ainda maiores para eles.
Mas Jesus usou de cautela para responder ao interrogatório. Ele recorreu
a uma técnica comum da época, que era levantar outra pergunta em lugar da
resposta. Agora eram os adversários que deviam responder, de onde vinha a
autoridade com que João batizava. Assim eles foram colocados num beco sem
saída, porque não aceitaram a autoridade divina da pregação e do batismo de
João, mas também não podiam negá-la diante daquele povo que o reconhecia como
profeta de Deus. Se afirmassem a autoridade divina de João não poderiam
desculpar-se de tê-lo rejeitado e ainda teriam que aceitar Jesus, apontado por
ele como o Messias. A maior falha destas autoridades judaicas que interrogaram
Jesus foi a de não terem considerado a sua pergunta na dimensão espiritual em
que ela foi feita, mas de a terem recebido simplesmente como um jogo
intelectual para desafiá-los. Eles apenas afirmaram não saber com que
autoridade João batizava, para evitar atrito com o povo e para não criarem
problemas co a própria consciência.