CAPÍTULO 10
V. 1
- Levantando-se Jesus, foi dali para o
território da Judéia,
além do Jordão. E outra vez as multidões
se reuniram junto a ele
e de novo ele as ensinava, segundo o
seu costume.
V. 2
- E, aproximando-se alguns fariseus o
experimentaram, perguntando-lhe:
É lícito ao marido repudiar sua
mulher?
V. 3
- Ele lhes respondeu: Que vos ordenou
Moisés?
V. 4
- Tornaram eles: Moisés permitiu lavrar
carta de divórcio e repudiar.
V. 5
- Mas Jesus lhes disse: Por causa da
dureza do vosso coração
ele vos deixou escrito esse
mandamento;
V. 6
- porém, desde o princípio da criação, Deus
os fez homem e mulher.
V. 7
- Por isso deixará o homem a seu pai e
mãe [e unir-se-á a sua mulher],
V. 8
- e, com sua mulher, serão os dois uma
só carne.
De modo que já não são dois, mas uma
só carne.
V. 9 -
Portanto, o que Deus ajuntou não o separe o homem.
V.10 -Em
casa, voltaram os discípulos a interrogá-lo sobre este assunto.
V.11 -E
ele lhes disse: Quem repudiar sua mulher e casar com outra,
comete adultério contra aquela.
V.12 -E se
ela repudiar seu marido e casar com outro, comete adultério.
Jesus havia encerrado as suas atividades na Galiléia e agora segue em
direção ao sul, para o território da Judéia, do outro lado do Jordão, a chamada
Peréia. Com isto ele dá início a uma nova etapa do seu trabalho, também
conhecido como “Ministério da Peréia”. No relato de Marcos não há nenhuma
referência a outra visita de Jesus à Galiléia. O que se observa é que ele
marcha rapidamente em direção a Jerusalém. Com isto o escritor pretende atingir
logo o clímax da crucificação, pois este era o supremo alvo de Jesus durante
todo o seu ministério terrestre.
Era inevitável que se reunissem multidões em torno de Jesus. E, como de
costume, ele as ensinava. Os fariseus estavam presentes também ali, explorando
a situação e fazendo pressão contra o Mestre. Agora, com esta pergunta
concernente ao divórcio, eles tentavam encontrar na sua resposta alguma
contradição ou alguma afirmação
contrária à Lei de Moisés. O que eles sempre pretendiam era um motivo para
acusar Jesus diante do tribunal.
Naqueles dias o divórcio era um assunto muito discutido, devido ao
exagero a que chegou a situação, em virtude da permissão concedida pela Lei de
Moisés. O texto da Lei em Deuteronômio 24:1 dava ao homem direito de divórcio,
se ele não achasse a esposa “agradável aos seus olhos por ter achado cousa
indecente nela”. Embora para alguns esta “cousa indecente” fosse
exclusivamente a infidelidade conjugal, para outros podia ser um defeito
físico, como também o fato dela ter voz estridente ou até mesmo de ter estragado
uma fornada de pão. É isto que causava tanto exagero e tanta discussão em torno
do divórcio. Por isso as mulheres sofriam muito nas mãos de maridos maus. Jesus
esclarece que foi devido à dureza do coração do povo que Moisés deixou escrito
aquele mandamento, mas o que Deus estabeleceu desde o princípio foi uma união
indissolúvel. O consentimento da Lei foi apenas para uma condição transitória,
enquanto aqueles corações endurecidos não pudessem suportar o ideal do
propósito divino.
O grande ensino que encontramos aqui no Evangelho de Marcos, que mais
tarde deveria ser divulgado quando o evangelho fosse pregado a toda criatura, é
o que Jesus falou em particular aos discípulos: “Quem repudiar sua mulher e
casar com outra, comete adultério contra aquela. E se ela repudiar seu marido e
casar com outro, comete adultério”. A conclusão imperativa deste assunto
dada por Jesus em forma de mandamento é esta: “Portanto, o que Deus ajuntou
não o separe o homem”.
V.13 -
Então lhe trouxeram algumas crianças para que as tocasse,
mas os discípulos os repreendiam.
V.14 -
Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes:
Deixai vir a mim os pequeninos, não
os embaraceis,
porque dos tais é o reino de Deus.
V.15 - Em
verdade vos digo: quem não receber o reino de Deus
como uma criança, de maneira nenhuma
entrará nele.
V.16 -
Então, tomando-as nos braços e impondo-lhes as mãos, as abençoava.
Era costume naquela época os pais levarem as crianças para serem tocadas
pelos mestres, rabinos e autoridades religiosas. Por isso elas estavam sendo
conduzidas a Jesus. Mas os discípulos estavam tentando impedi-las de se
aproximarem dele. Talvez achassem que elas o perturbassem ou que a sua atenção
fosse desviada dos adultos. Mas desta vez Jesus indignou-se de modo fora do
comum, repreendendo severamente os discípulos por essa atitude incompatível com
o reino de Deus. O seu ministério era orientado no sentido de estabelecer
aproximação verdadeira, desinteressada e sem orgulho do homem com Deus. Agora,
as crianças que se aproximavam exatamente desta maneira estavam sendo
impedidas, quando delas é o reino de Deus.
Realmente os discípulos não estavam entendendo o propósito básico do
reino. Quando disse: “Deixai vir a min os pequeninos...”, Jesus está
afirmando que ele é o ponto central do reino, ao qual as pessoas devem ser
conduzidas sem embaraço. Ninguém as deve impedir. A atitude dos discípulos
precisava ser mudada. Por isso eles foram repreendidos, enquanto Jesus tomava
nos braços as crianças e as abençoava, mostrando que ele recebe no reino a
todos os que recebem o reino como crianças.
V.17 - E,
pondo-se Jesus a caminho, correu um homem ao seu encontro e, ajoelhando-se,
perguntou-lhe: Bom Mestre, que farei
para herdar a vida eterna?
V.18 -
Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom?
Ninguém é bom senão um só, que é
Deus.
V.19 -
Sabes os mandamentos: Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás
falso testemunho, não defraudarás
ninguém, honra a teu pai e a tua mãe.
V.20 -
Então ele respondeu: Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude.
V.21 - Mas
Jesus , fitando-o , o amou e disse: Só uma cousa te falta:Vai,
vende tudo o que tens, dá-o aos
pobres, e terás um tesouro no céu;
então vem, e segue-me.
V.22 -
Ele, porém, contrariado com esta palavra, retirou-se triste,
porque era dono de muitas
propriedades.
Este é um dos quadros mais vívidos apresentados em todos os Evangelhos.
Para isto concorre não somente a cena movimentada devida à atitude impetuosa do
homem que se aproximou de Jesus, mas também o diálogo imediato que se
estabeleceu entre eles, a sensibilidade demonstrada pelo Mestre e o final
triste da história. Certamente isto impressionou tanto os discípulos, que as
três narrativas deixadas nos Evangelhos sobre este incidente mostram detalhes
diferentes que marcaram a lembrança daqueles que presenciaram os fatos e mais
tarde os transmitiram. Comparando os relatos que Mateus, Marcos e Lucas fazem deste
caso, ficamos sabendo que se tratava de um jovem de posição, isto é, de um
jovem importante. Apesar de que, nesta fase do seu ministério, Jesus já estava
sendo rejeitado; continuava pressionado cada vez mais pelos religiosos; e
contava com a antipatia e a ameaça de Herodes, aquele moço devia ter uma grande
admiração por ele. Caso contrário ele não teria vindo correndo pela estrada
para encontrar-se com o Mestre e ajoelhar-se diante dele. O gesto dramático com
que chegou e se ajoelhou pronunciando palavras de elogio, mostra o seu estado
emocional. Mas o ardente desejo que o levou àquele encontro fica evidente nesta
pergunta: “Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” Ele anelava
por um bem eterno que não sabia como conseguir, e na oportunidade daquele
contacto achava que receberia o esquema das operações que o Bom Mestre lhe
indicaria para fazer.
Jesus refreou os ânimos daquele jovem, mostrando um caminho que não segue
nem a emoção, nem obras que se possam fazer para chegar lá. Este caminho
consiste em fazer a vontade daquele que é Bom, isto é, Deus. Por isso Jesus lhe
perguntou: “sabes os mandamentos?” e enumerou-os. A sua resposta pronta
e decisiva, afirmando ter observado tudo desde a mocidade, mostra o esforço que
ele fazia, tentando adquirir a vida eterna. Ainda que a sua resposta fosse
ingênua e ele não tivesse nenhum peso na consciência de negligenciar os
mandamentos de Deus, havia algo desconhecido dentro dele que o preocupava e que Jesus queria pôr para
fora e esclarecer. Era um vazio que não foi preenchido com todo o seu cuidado
de observar a Lei. Paulo faz um balanço da sua própria situação, antes de
conhecer a Cristo, e depois de conhecê-lo. Este balanço está registrado em
Filipenses 3:7-11, onde lemos:
“Mas o que para mim era lucro, isto considerei perda por causa de
Cristo.
Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do
conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor: por amor do qual perdi todas
as
cousas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo, e ser achado
nele, não tendo justiça
própria, que procede de lei, senão a que é mediante
a fé em Cristo, a
justiça que procede de Deus, baseada na fé; para o
conhecer e o poder da
sua ressurreição e a comunhão dos seus sofrimentos,
conformando-me com ele
na sua morte; para de algum modo alcançar a
ressurreição dentre os
mortos”.
Este moço precisava de uma experiência profunda como esta, para provar os
valores eternos. A sua deficiência consistia em viver uma vida de aparência
exterior, sem considerar a necessidade de uma coerência interior que conduz à
vida positiva de obediência por fé em Deus e não, por fé nas obras. Ele veio a
Jesus identificando-o com Deus, chamando-lhe “Bom”. E Jesus quis dar-lhe a
compreensão das cousas espirituais relacionadas com a vida eterna, compreensão
esta que vem do Pai, conforme veio a Pedro e o levou a confessar que Jesus é o
Messias. Ao interrogá-lo sobre os mandamentos, o Mestre intercala um outro,
sobre defraudar o próximo. Juntamente com o mandamento de não furtar, este toca
diretamente os meios ilícitos usados por muitos ricos para conseguir a
prosperidade financeira. Ainda que aquele moço pudesse dizer: isto não fiz, Jesus
quer conscientizá-lo da sua grande frustração, levando-o a perguntar a si mesmo
e a responder por si só: o que eu fiz? A enorme riqueza ortodoxa que fazia dele
uma pessoa importante e respeitável era o laço que o prendia fora do reino de
Deus. Ao seu lado estava a pobreza pela qual ele nada tinha feito, porque amava
a riqueza.
Mateus 19:16 informa que ele perguntou a Jesus: “Mestre,
que farei eu de bom para alcançar a vida eterna”? Tudo o que ele fizesse
não teria nenhum valor, se ele não
tivesse a fé que atua pelo amor. Mas para chegar a este ponto ele precisava
unir-se a Cristo e deixar de lado toda a importância e a respeitabilidade que a
riqueza e a aparência religiosa lhe conferiam, porque “...em Cristo Jesus,
nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo
amor” (Gálatas 5:6). Talvez ele estivesse mesmo disposto a fazer algo de
bom, mas só até ao ponto que não pusesse em risco a sua fortuna. Ainda assim
Jesus amou aquele moço, porque no seu procedimento há virtudes louváveis que o
Mestre não deixa de reconhecer. Ele olhou para o jovem cheio de consideração
devido à espontaneidade e à sinceridade com que ele veio correndo para saber da
vida eterna. Ele não veio tentá-lo com perguntas, como faziam os escribas e
fariseus, mas buscava a resposta para o problema que o preocupava. A sua
necessidade interior era grande: tratava-se de algo que ele mesmo não conseguia
ver. Mas Jesus, fitando-o, amou-o e quis tirá-lo daquela vida cômoda,
humanamente respeitável e segura, para fazer dele um discípulo seu. Ele
precisava segui-lo em todas as circunstâncias que implicam no discipulado, sem
baixar o nível das exigências desta empreitada.
O jovem pensava: “Estou rico e abastado, e não preciso de cousa
alguma...”, mas Jesus diz: “...nem sabes que tu és infeliz, sim,
miserável, pobre, cego e nu” (Apocalipse 3:17).
Oferecendo-se para dar-lhe tudo o que é necessário para herdar a vida
eterna, Jesus começou por ordenar-lhe que se desfizesse daquilo que o impedia
de recebê-la. Era a riqueza! Ele foi colocado diante de uma decisão difícil e
naquele dia foi pesado na balança, ma foi achado em falta. Saiu triste e
constrangido porque era riquíssimo, dono de muitas propriedades. Em todo o
ministério de Jesus, este foi o único personagem que saiu triste da presença do
Senhor.
V.23 -
Então Jesus, olhando ao redor, disse aos seus discípulos:
Quão dificilmente entrarão no reino
de Deus os que têm riquezas!
V.24 - Os
discípulos estranharam estas palavras; mas Jesus insistiu em dizer-lhes:
Filhos, quão difícil é [para os que
confiam nas riquezas] entrar no reino de Deus.
V.25 - É
mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha,
do que entrar um rico no reino de
Deus.
V.26 -
Eles ficaram sobremodo maravilhados, dizendo entre si:
Então, quem pode ser salvo?
V.27 -
Jesus, porém, fitando neles o olhar, disse: Para os homens é impossível;
contudo, não para Deus, porque para
Deus tudo é possível.
V.28 -
Então Pedro começou a dizer-lhe: Eis que nós tudo deixamos e te seguimos.
V.29 -
Tornou Jesus: Em verdade vos digo que ninguém há que tenha deixado
casa, ou irmãos, ou irmãs, ou mãe,
ou pai, ou filhos, ou campos,
por amor de mim ou por amor do
evangelho,
V.30 - que
não receba, já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos , irmãs, mães,
filhos e campos, com perseguições; e
no mundo porvir a vida eterna.
V.31-
Porém, muitos primeiros serão últimos; e os últimos, primeiros.
É incomparável a sabedoria demonstrada por Jesus na maneira de ensinar.
Com razão ele é chamado “O Mestre dos Mestres”. Algumas vezes ensinando por
parábolas pronunciadas, outras vezes por parábolas encenadas, outras, ainda,
usando acontecimentos da vida diária ou da natureza para esclarecer as
verdades. No caso do jovem rico ele deu um ensino ao vivo, surpreendendo
qualquer expectativa. Em seguida ele dá aos discípulos também agora uma lição
in loco, como não tinha acontecido antes.
Quando o jovem rico saiu triste e contrariado, depois daquela cena
comovente, Jesus olhou ao redor e comentou com os discípulos da dificuldade de
entrarem no reino de Deus aqueles que têm riquezas. A palavra “riqueza” usada
aqui pelo Mestre, não significa apenas dinheiro ou propriedades, mas bens de
toda espécie, negócios ou cousas que se obtêm ou se custeiam através do
dinheiro. Estas palavras surpreenderam aqueles discípulos porque, seguindo a
mentalidade dos judeus, eles acreditavam que a prosperidade financeira é sinal
de que Deus está apoiando o homem próspero, como que atestando que ele é um
homem bom e abençoado e, portanto, honrado por Deus. Este ensino de Jesus era
uma revolução dentro do pensamento judaico. Por isso os discípulos estranharam
estas palavras, pois além de pensar de maneira comum, eles nunca tinham recebido
instruções sobre o perigo das riquezas para a vida espiritual. Por esta razão,
Jesus reforçou o ensino, dizendo: “...Filhos, quão difícil é [...] entrar no
reino de Deus”. Antes ele havia
ensinado também que era necessário receber o reino de Deus como uma criança ,
par poder entrar nele. Agora, com a questão das riquezas ele encerra este
assunto.
As riquezas estão colocadas aqui
como um concorrente de Deus, porque se tornam o objeto em que o homem deposita
a sua confiança. Provavelmente é esta a razão de Jesus falar tanto deste
assunto e também a razão deste ensino estar tão distribuído no Novo Testamento.
Mas é necessário ser criterioso para compreender que as riquezas ou os bens
materiais em si não são maus. O mal está
no uso errado que se faz deles, ou na maneira indevida de possuí-los. E isto
depende de quem os possui. Portanto, o problema está no homem. É precisamente
este quem Jesus visa quando dá ensinos relativos à riqueza. Ele quer
resguardá-lo dos perigos em que ele incorre na busca dos bens materiais, na
maneira de possuí-los e na maneira de utilizá-los. Na luta pela prosperidade
econômica o homem vai firmando raízes cada vez mais profundas no mundo e não vê
mais a necessidade de Deus, passando a confiar nas riquezas. Bens acumulados
geralmente estão expostos à deterioração, ao uso egoísta ou ao uso incorreto.
Mas Deus está atento a tudo o que acontece. Eis a exortação da sua Palavra:
“Atendei agora, ricos, chorai lamentando, por causa das vossas
desventuras, que vos
sobrevirão. As vossas riquezas estão corruptas
e as vossas roupagens
comidas de traça, o vosso ouro e a vossa
prata foram gastos de
ferrugens e a sua ferrugem há de ser por
testemunho contra vós
mesmos, e há de devorar, como fogo,
as vossas carnes.
Tesouros acumulastes nos últimos dias” (Tiago 5:1-3).
Jesus tem cuidado do homem rico porque ele sabe que os bens materiais
furtam a confiança devida a Deus e que a riqueza fascina e seduz. É o próprio
Satanás transformado em anjo de luz. Por isso é necessário ter a percepção
espiritual de que esses bens são passageiros, perecíveis, e podem ser roubados.
O Mestre aconselha que ajuntemos tesouros no céu que são espirituais, eternos,
e não estão sujeitos a esses problemas. Este é o único investimento seguro que
podemos fazer em questão de riqueza. Em Mateus 6:19-21 ele ensina:
“Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça
e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas
ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem
corrói, e onde ladrões não escavam nem roubam; porque onde está
o teu tesouro, aí estará também o teu coração.
Somente com olhos espirituais é possível ver estas verdades. Os
espiritualmente cegos não as reconhecerão. É isto que Jesus ensina nesta
parábola:
“São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons,
todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem
maus, todo o teu corpo estará em trevas” (Mateus 6:22-23a).
Quem não tem olhos espirituais para ver estas cousas acaba-se tornando
escravo das riquezas, vindo a amá-las, enquanto despreza a Deus, como está
escrito:
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque, ou há de aborrecer-
se de um, e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao
outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mateus 6:24).
No salmo 73 o salmista Asafe confessa que quase se desencaminhou, porque
invejava a prosperidade dos perversos. Mais tarde reconheceu que estava
embrutecido, ignorante e agia como um irracional na presença de Deus. Em outras
palavras, ele havia perdido a visão espiritual. Finalmente ele compreendeu que
o melhor é permanecer com Deus, confiar nele e dar esse testemunho, ao invés de
pender para as riquezas.
Diante de tantos perigos produzidos pelas riquezas, Paulo aconselha:
“tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Ora, os
que querem ficar ricos caem em
tentação e cilada, e em muitas
concupiscências insensatas, as
quais afogam os homens na ruína
e perdição. Porque o amor ao
dinheiro é a raiz de todos os males;
e alguns, nessa cobiça se
desviaram da fé, e a si mesmos se ator-
mentaram com muitas dores”
(1Timóteo 6:8-10).
Por isso Jesus diz que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha
do que entrar um rico no céu. Assim, pensando em termos humanos é natural a
pergunta dos discípulos: “Então, quem pode ser salvo?” A resposta de
Jesus implica na afirmação de que é impossível ao homem salvar-se a si
mesmo, mas isto é possível para Deus que pode salvar até um rico. De fato,
muitos homens ricos colocam as suas riquezas no propósito de Deus, renunciando
a tudo quanto têm. A partir de então as suas vidas e seus bens passam a ser
administrados segundo critérios divinos e não mais humanos.
Trinta anos depois que Jesus deu estes ensinamentos, Pedro lembra com
humildade a pergunta até certo ponto ingênua dos apóstolos, que refletia a
preocupação deles pelo futuro, porque deixaram na Galiléia as suas casas,
famílias, barcos e redes, para seguir o Mestre. E Marcos, anotando as pregações
de Pedro, registra o que Jesus respondeu: Por todos esses bens eles seriam
recompensados com muita vantagem, ainda enquanto vivos. Contudo não teriam uma
vida fácil, antes sofreriam perseguição por serem seus discípulos. Todavia não
seria bom que eles pensassem de si mesmos mais do que convinha, porque o
julgamento de Deus não é segundo as aparências, mas segundo ele vê
interiormente. Por isso, “muitos primeiros serão últimos; e os últimos,
primeiros”.
V.32 - Estavam
de caminho, subindo para Jerusalém,
e Jesus ia adiante dos seus
discípulos. Estes se admiravam
e o seguiam tomados de apreensões. E
Jesus, tornando a levar à parte os doze,
passou a revelar-lhes as cousas que
lhe deviam sobrevir, dizendo:
V.33 - Eis
que subimos para Jerusalém e o Filho do homem será entregue
aos principais sacerdotes e aos
escribas; condená-lo-ão à morte
e o entregarão aos gentios;
V.34 - hão
de escarnecê-lo, cuspir nele, açoitá-lo e matá-lo;
mas depois de três dias
ressuscitará.
Depois do encontro com o moço rico seguido dos ensinamentos a respeito do
perigo das riquezas, Jesus dá prosseguimento ao seu ministério, subindo
decididamente para Jerusalém. E, pela terceira vez, ele faz predições
detalhadas referentes aos seus sofrimentos e morte. Certamente ele repetiu
estes ensinos porque os discípulos ainda tinham dificuldade de compreendê-los.
Embora o registro desta passagem seja apenas um resumo, é um relato vívido e
conciso, e nos faz pensar que estas são impressões gravadas por Pedro daquilo
que ele presenciou, na noite em que negou três vezes a Jesus.
Foi no caminho para Jerusalém que o Mestre voltou a este assunto. Os
discípulos estavam sendo preparados para enfrentar uma situação tão difícil e
singular que não eram capazes de
imaginar. As palavras e as atitudes de Jesus devem ter impressionado os
apóstolos de tal maneira, que eles se admiravam e o seguiam tomados de apreensão.
Algo de muito diferente deve ter-se mostrado na sua fisionomia. Com relação à
mudança do seu aspecto físico, Lucas comenta no seu Evangelho que “...ao se
completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou no
semblante a intrépida resolução de ir para Jerusalém” (Lucas 9:51).
A predição que Jesus fez nesta ocasião sobre a sua paixão em Jerusalém é
a mais completa de todas. É interessante notar os detalhes de cada uma delas e
reuni-los todas num só bloco, para verificar como tudo se cumpriu exatamente.
Os fatos que ele adiantou são os seguintes:
1- Ele seria
rejeitado pelos anciãos.
2- Ele seria
entregue aos principais sacerdotes e escribas.
3- Ele seria
entregue aos gentios
4- Haveriam
de escarnecê-lo, cuspir nele e açoitá-lo.
5- Ele seria
morto.
6- Três dias
depois da sua morte haveria de ressuscitar.
Quando chegarmos aos capítulos 14 e 15, veremos que não falhou nenhuma
destas previsões. Tudo se cumpriu!
É importante a última predição: Depois de três dias haveria de
ressuscitar.
Os poderes que se reuniam contra Jesus para lhe tirar a vida não podiam
fazer nada mais que ferir o seu corpo, porque as suas forças morais e
espirituais estavam sempre renovadas, e a morte não podia detê-lo. Ele marchava
para a morte, mas a sua meta final era a
ressurreição.
V.35 -
Então se aproximaram dele Tiago e João, filhos de Zebedeu dizendo-lhe:
Mestre, queremos que nos conceda o
que te vamos pedir.
V.36 - E
ele lhes perguntou: Que quereis que vos faça?
V.37 -
Responderam-lhe: Permite-nos que na tua glória
nos assentemos um à tua direita e
outro à tua esquerda.
V.38 - Mas
Jesus lhes disse: Não sabeis o que pedis.
Podeis vós beber o cálice que eu
bebo,
ou receber o batismo com que eu sou
batizado?
V.39 -
Disseram-lhe: Podemos. Tornou-lhes Jesus: Bebereis o cálice
que eu bebo e recebereis o batismo
com que eu sou batizado;
V.40 -
quanto, porém, ao assentar-se à minha direita ou à minha esquerda,
não me compete concedê- lo; porque é
para aqueles a quem está preparado.
Muito embora não captassem o sentido das predições sobre a morte do
Messias e da sua ressurreição, nem tão pouco da natureza do reino de Deus, os
discípulos criam, pelas palavras de
Jesus, que o estabelecimento do reino estava próximo. E a disputa pelos postos
mais elevados, conforme imaginavam, já começava. Não é possível explicar por
que foram Tiago e João que reivindicaram os dois primeiros lugares. Mas que se
tratava de uma questão de cobiça, está claro. Só que os outros também tinham o
mesmo problema. Há alguns fatores sobre os quais se pode conjeturar: eles
seguiam Jesus mais de perto e foram chamados para participar de alguns
acontecimentos importantes como a ressurreição da filha de Jairo e a
transfiguração. Talvez fossem levados pelo ímpeto de jovens “filhos do trovão”,
como foram chamados por Jesus. Podiam ter herdado o temperamento da mãe. Mateus
conta que foi ela quem intermediou este pedido Mateus (27: 55-56). O pai,
Zebedeu, era um empresário no ramo da pesca, no mar da Galiléia e parece que a família
era bem relacionada com o Sumo Sacerdote em Jerusalém, pois João era conhecido
dele e recebeu permissão para entrar no seu pátio com Jesus, na noite do
julgamento (João 18:15). João sabia até o nome de Malco, o servo do Sumo
Sacerdote cuja orelha Pedro decepou com um golpe de espada, na hora em que
Jesus foi preso (cf. João 18:10). Juntando tudo isto é possível explicar a autoconfiança
de Tiago e de seu irmão para se aproximarem de Jesus com este pedido.
Jesus ouviu os dois liberalmente e respondeu com amabilidade: Vocês não
sabem o que estão pedindo. Realmente eles não sabiam em que consistia a glória
do Messias e nem quais eram as condições para alcançá-la. O Mestre vinha-se
esforçando para que eles aceitassem o reino de Deus com todas as suas conseqüências.
Por isso ensinava sobre a cruz que cada um tinha que levar. Queria mostrar
também que o Filho do homem somente chegaria à glória através da morte. Quanto
ao assentar-se à sua direita ou à sua esquerda, não dependia dele, mas de uma
decisão pessoal diante do critério de ser o maior no reino de Deus. Todavia,
até aquele momento nenhum dos discípulos estava preparado para aceitar a cruz
com todo o seu significado. Mesmo que fosse apenas a morte, eles não iriam
aceitá-la. Mas no propósito de Deus para o seu próprio Filho, não haveria coroa
sem a cruz e nem glória sem a morte. E quando ele chegou ao Calvário, lá
estavam dois ladrões, um à sua direita, e outro à sua esquerda. Esta é a glória
de que Tiago e João, sem saber, pediam para participar.
Jesus garantiu que eles poderiam beber o cálice que ele estava bebendo e
receber o batismo em que ele era batizado. O cálice era a amarga experiência de
vida pela qual ele estava passando e o batismo era o sofrimento que estava
reservado para ele. Não sabemos como Tiago e João entenderam aquela pergunta de
Jesus para responder positivamente a ela. Mas, uma cousa sabemos: Eles foram
sempre leais ao Senhor. E quando chegaram à compreensão das verdades do reino
de Deus, não recusaram nem o cálice da vida de testemunho e nem o batismo do
sofrimento. Tiago morreu decapitado por ordem do rei Herodes Agripa I,
tornando-se o primeiro mártir dos apóstolos (Atos 12:1-2); João morreu em idade
muito avançada, depois de uma longa vida de trabalho, exílio, sofrimentos e
fadiga.
V.41 -
Ouvindo isto, indignavam-se os dez contra Tiago e João.
V.42 - Mas
Jesus , chamando-os para junto de si, disse-lhes:
Sabeis que os que são considerados
governadores dos povos,
têm-nos sob seu domínio, e sobre
eles os seus maiorais exercem autoridade.
V.43 - Mas
entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se
grande entre vós, será esse o que vos sirva;
V.44 - e
quem quiser ser o primeiro entre vós, será servo de todos.
V.45 -
Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido,
mas para servir e dar a sua vida em
resgate por muitos.
Desde o final do capítulo 8 Jesus inicia uma série de censuras aos
discípulos, que só terminam aqui. Convém esclarecer que não é Marcos quem
inclui isto na narrativa, como uma caricatura dos doze. Antes, esta é uma visão
que os próprios apóstolos tinham de si mesmos quase no final de suas carreiras,
depois de terem compreendido tudo. Mas, por enquanto, eles se indignavam porque
os dois queriam passar na frente dos outros. Jesus mostra-lhes então a grande
diferença, em questão de serviço, entre o reino de Deus, que para nós é a
igreja, e o mundo. Os governadores dominam os povos controlando as suas
atividades por meio dos maiorais que designam para exercer autoridade sobre
eles. Mas entre os discípulos, ninguém é indicado para ser maioral e dominar
sobre os outros. Aquele que quiser ser grande deve servir, e quem quiser ser o
primeiro deve trabalhar para todos. No reino de Deus isto tem que ser assim,
porque o padrão foi estabelecido pelo próprio Filho do homem que não veio para
ser servido mas para servir até o ponto de dar a sua vida em resgate por
muitos.
Estas
palavras de Jesus destroem por completo o conceito de liderança admitido em
muitos grupos religiosos. Freqüentemente este conceito é extraído da Política,
da Indústria ou de outras atividades seculares. Mas liderança é serviço, e o
que Deus quer mesmo na igreja são servos, como o seu próprio Filho.
V.46 - E foram para Jericó. Quando ele saía de Jericó com os discípulos
e numerosa multidão, Bartimeu, cego
mendigo, filho de Timeu.
estava assentado à beira do caminho.
V.47 - E,
ouvindo que era Jesus, o Nazareno, pôs-se a clamar:
Jesus, Filho de Davi, tem compaixão
de mim!
V.48 - E
muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele
cada vez gritava mais: Filho de
Davi, tem misericórdia de mim!
V.49 -
Parou Jesus e disse: Chamai-o. Chamaram então o cego, dizendo-lhe:
Tem bom ânimo; levanta, ele te chama.
V.50 -
Lançando de si a capa, levantou-se de um salto, e foi ter com Jesus.
V.51 -
Perguntou-lhe Jesus: Que queres que eu te faça?
Respondeu-lhe o cego: Mestre, que eu
torne a ver.
V.52 -
Então Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou.
E imediatamente tornou a ver, e seguia
a Jesus estrada fora.
Era muito comum na antigüidade os mestres ensinarem ao ar livre ou em
algum lugar onde os ouvintes se sentiam à vontade. Mesmo andando pelo caminho,
enquanto conversavam com os acompanhantes, eles transmitiam os seus
ensinamentos. Era comum também, em Israel, os rabinos destacados subirem a
Jerusalém para as festas religiosas, acompanhados de seus discípulos e de
outras pessoas interessadas em aprender aquilo que eles podiam oferecer. No calendário
religioso do Velho Testamento havia três festas durante o ano, às quais todo o
povo estava convocado a comparecer, porque elas faziam parte do culto a Deus.
Eram a Páscoa, Pentecoste e a festa dos Tabernáculos. Nessas épocas formavam-se
caravanas em todas as partes do país, que saíam em direção ao Templo de
Jerusalém, o centro das comemorações religiosas. Mas, consideradas a extensão
do percurso e as condições de cada um, não era todo cidadão de Israel que podia
sair do seu domicílio para ir tomar parte das festividades. Os que não
acompanhavam as multidões costumavam ficar à beira do caminho, nas laterais das
ruas, encostados às paredes, ou assentados nos muros, dando boas vindas e
desejando boa viagem aos peregrinos.
Era este o cenário que Jesus encontrou em Jericó, na sua marcha para
Jerusalém, onde ia celebrar a sua última Páscoa. O que havia de diferente é que
ele não era um mestre comum, como outros conhecidos em Israel. O poder que
demonstrou no seu ministério e a autoridade com que ensinava deram-lhe fama
excepcional. Nestas condições podemos imaginar quão grande era a multidão que
concorria para ver o jovem galileu que vinha desafiando com a sua pregação e
com a sua conduta corajosa todos os poderes políticos e religiosos que se
reuniram para fazer frente a ele, com o intuito de derrotá-lo. Se os poderosos
o temiam por causa do seu prestígio popular e da sua capacidade de arrebatar as
multidões, os religiosos o odiavam, entre outras cousas, porque ele ensinava
francamente que o culto praticado no Templo e a Lei de Moisés já tinham
cumprido o seu papel no propósito de Deus, e estavam prestes a desaparecer.
Há ainda mais um fator digno de nota: Em Jericó habitavam inúmeros
sacerdotes que prestavam serviço sagrado no Templo de Jerusalém. Mas eles
permaneciam lá poucos dias por ano, devido ao grande número dos que oficiavam.
Eram cerca de vinte mil, divididos em vinte e seis turnos que se revezavam.
Fora do período de trabalho eles ficavam em suas casas. Isto quer dizer que
quando Jesus passou naquele dia por Jericó, lá estavam muitos sacerdotes que o
observavam com desdém e frieza, vendo-o como um revolucionário pronto para
invadir Jerusalém com os seus discípulos e com a multidão que o acompanhava.
Ao saírem da cidade, começaram a ouvir fortes gritos de alguém que
clamava: “Jesus , Filho de Davi, tem compaixão de mim”. Era o cego
Bartimeu que pedia esmolas, assentado à beira do caminho. Ouvindo o tropel da
multidão, quis saber o que era, e lhe disseram ser Jesus, o Nazareno, que
passava. Certificado disto, não perdeu a oportunidade única na vida, de
resolver o seu problema. Por isso, gritou esperançosamente e, apesar da
repreensão que recebeu, não se calou, e nem perdeu o ânimo. Ele queria sair das
trevas em que se encontrava e sabia que podia recorrer a Jesus. Então gritava
cada vez mais alto: “Filho de Davi, tem misericórdia de mim”. Bartimeu
representa o homem necessitado que busca um encontro com Jesus, usando todas as
suas possibilidades. O máximo que ele podia fazer era gritar a todo pulmão. E
foi isso o que ele fez. Mas além das suas limitações, ele ainda encontrou a
oposição dos que estavam em volta de Jesus, mandando que ele se calasse. Não
lhe queriam dar a oportunidade de um encontro com o Mestre. Os discípulos já
haviam repreendido aqueles que traziam suas crianças para que Jesus as
abençoasse; haviam repreendido o homem que expulsava demônios em nome de Jesus;
e agora, ouvindo o cego pedir misericórdia, consentiam com aqueles que o
repreendiam. Os que acompanhavam Jesus certamente pensavam que não convinha ele
deter a sua marcha para Jerusalém e nem interromper os ensinos que estava
dando. Para eles, um simples cego não era tão importante quanto o propósito
que, segundo eles imaginavam, o Messias tinha pela frente. Nestas condições, não
convinha atendê-lo. Mas Jesus não compartilha desses pensamentos. Recentemente
ele havia dito que “o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas
para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Deixar de atender ao
cego seria negar esses ensinos e negar a própria cruz na qual ele levou sobre si as nossas
enfermidades e as nossas dores. Então Jesus parou. A multidão queria prosseguir
na sua indiferença e, sem nenhuma visão, pretendia ditar o rumo dos acontecimentos.
E Jesus disse: “Chamai-o”. E os mesmos que o desencorajavam, agora
dizem: “Tem bom ânimo”.
Diante de tanta incoerência no comportamento dos discípulos, somos
levados a perguntar: Será que eles estavam salvos ou, poderiam finalmente ser
salvos? Há duas verdades consoladoras neste contexto. A primeira é a afirmação
de Jesus, que ele veio para dar a sua vida em resgate por muitos. Se a salvação
é um resgate, então é uma operação efetuada por ele, e não pelos que vão ser
salvos. Em segundo lugar, o cego de Jericó é exemplo do homem que, não podendo
ver a Jesus, mas tendo informação, embora imprecisa, a seu respeito, tem
disposição de aproximar-se dele com fé, para ser salvo. Isto aconteceu com
aqueles discípulos e acontece com outros ainda hoje. Bartimeu ouvindo que Jesus
mandou chamá-lo, não perdeu a oportunidade: Largou a capa, deu um pulo e foi
ter com ele. A sua ação foi rápida e decisiva. Não foi uma simples curiosidade
de conhecer Jesus que o motivou e nem o desejo de sentir a emoção por
satisfazer algum desejo incerto. Antes, ele era consciente da sua necessidade e
de que Jesus podia preenchê-la. A vontade determinada de receber a cura fez com
que ele se colocasse na presença do Mestre, abandonando o lugar de pedinte à
beira do caminho, onde muitos permanecem conformados.
No fundo deste quadro parece ouvirmos uma voz vitoriosa dizendo:
“Todo aquele que o Pai me dá, esse virá
a mim...” (João 6:37). E diante de Jesus vemos um homem que sabe o que
quer. Ao ser interrogado: “Que queres que eu te faça?” ele respondeu com
segurança: “Mestre, que eu torne a ver”. E Jesus lhe concedeu a bênção
não somente da visão, mas também da salvação. Bartimeu teve por Jesus a
consideração que devia: Reconheceu-o como o Messias, chamando-lhe Filho de
Davi; dirigiu-se a ele com respeito, tratando-o por “Mestre” e chegou-se a ele
sem duvidar, isto é, com fé. É certo que, como nós mesmos, Bartimeu não tinha
uma compreensão perfeita de Jesus como Mestre ou como Messias. Mesmo depois de
sabermos tudo o que ele fez para a nossa redenção, esta compreensão deve
desenvolver-se progressivamente, segundo a revelação que vamos recebendo ao
longo do nosso crescimento espiritual na vida cristã. O importante é chegar
confiante diante do Mestre, como fez Bartimeu que foi curado e salvo, e depois
segui-lo estrada fora, até chegar à Jerusalém celestial!