segunda-feira, 23 de março de 2015

CAPÍTULO 5

CAPÍTULO 5




V.1 - Atendei, agora, ricos, chorai lamentando, por causa das vossas desventuras,
        que vos sobrevirão.
V.2 - As vossas riquezas estão corruptas, e as vossas roupagens, comidas de traça;
V.3 - o vosso ouro e a vossa prata foram gastos de ferrugens, e a sua ferrugem há
        de ser por testemunho contra vós mesmos e há de devorar, como fogo, as
        vossas carnes. Tesouros acumulastes nos últimos dias.
V.4 - Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos e que por
        vós foi retido com fraude está clamando; e os clamores dos ceifeiros penetraram
V.5 - Tendes vivido regaladamente sobre a terra; tendes vivido nos prazeres;
         tendes engordado o vosso coração, em dia de matança;
V.6 - tendes condenado e matado o justo, sem que ele vos faça resistência.

Estes seis primeiros versículos do capítulo 5 da Epístola de Tiago constituem um trecho de aspecto singular. É uma exortação a cristãos feita no estilo da linguagem profética do Velho Testamento. O seu objetivo é mostrar, por um lado, que as riquezas e a opulência terrenas são inúteis e, por outro lado, mostrar como a inclinação de satisfazer esses desejos leva o homem para os caminhos da vaidade e da perversidade. Assim, somos advertidos a não depositar as nossas esperanças nas riquezas.
É provável que esta exortação tenha sido dirigida, antes, àqueles judeus ricos que estavam afastados de Deus, do que a gentios, como se depreende do contexto (V.4-5) e da mudança de tratamento no V.7 que é dirigido aos “irmãos”. Mas notamos que a mensagem é de aplicação geral, como preventiva a qualquer cristão. É um vaticínio do profeta, desvendado o futuro de todo homem que vive motivado pela ganância e pela avareza.
A advertência aos ricos no V.1 começa informando sobre as cousas que lhes haveriam de sobrevir, dizendo, em outras palavras, que eles não sabiam com que arma estavam brincado. De fato, encontramos aqui uma admoestação concernente ao juízo de Deus, preparado para aqueles que se deixam levar pela sedução das riquezas.
Embora a condenação não venha por causa da riqueza propriamente dita, pois a bíblia não condena ninguém pelo fato de ser rico, mas por causa do estado em que se coloca o homem que cede às tentações próprias do apego aos bens materiais. A falsa sensação de segurança oferecida por eles é um meio fácil de fazer com que as pessoas retirem a fé que têm em Deus, para depositarem suas esperanças nos bens que possuem. Igualmente, o crescente desejo de poder que ela desperta faz com que as pessoas se esqueçam da submissão, ou humildade, que devem a Deus. Em ambos os casos elas estão procurando satisfazer-se na riqueza. É isto que Jesus ensina em Lucas 6:24; 16:13; e 12:34. Embora não seja impossível a Palavra de Deus tocar os corações dos ricos, Jesus mesmo reconheceu que era difícil eles a aceitarem (Marcos 10:23-27).
O V.1 assegura que haverá uma grande decepção para aqueles que abandonam a fé por causa das riquezas. As palavras para chamar a atenção a essa profecia são fortes e de grande poder descritivo. O termo usado para descrever a lamentação (ololuzö) já traz, na própria pronuncia, o som de lamento que significa também “soltar alaridos”. É como se estivesse descrevendo alguém no momento em que sofresse as penas do julgamento. O velho testamento descreveu, com muita realidade, os seus dias de juízo. Algumas passagens falam sobre o terror e a lamentação dos condenados (cf. Amós 8:3; Isaías 13:6; 14:31; 15:3; 16:7; 23:1,14; 65:14).
A consideração sobre as riquezas e os males que as acompanham tem sequencia nos versos 2 e 3, mencionando as três principais fontes de riqueza do mundo antigo:

1 – Bens perecíveis, como cereais que se estragam, ou apodrecem (Lucas 12:16 e seguintes), e outros tipos de mercadorias.

2 – Roupagens que eram objetos de grande valor e serviam para pagamentos, presentes e como herança. Eram, assim, uma forma de riqueza (Atos 20:33).
Há várias histórias do Velho Testamento, relacionadas com vestimentas: Genesis 45:22; Josué 7:21; Juízes 14:12; II Reis 5:5, 22.

3 – Prata e ouro sempre foram metais preciosos e cobiçados. Armazená-los é uma das maneiras de se acumular riquezas na forma de tesouros.

Todas essas espécies de riqueza não subsistirão como meio de segurança para aqueles que confiam nelas, quando vier o juízo de Deus. Até mesmo a prata e o ouro, metais que não demostram corrosão em condições normais, naquele dia apresentaram a sua ferrugem. Os ricos verão nos seus próprios tesouros a prova de que não deviam ter confiados neles. Isto lhes doerá na própria carne. Será o resultado da avareza.
O Salmo 39 fala da inutilidade do acúmulo de bens, nos Vs. 6 e 11. Provérbios 11:28 afirma sobre a frustração daqueles que confiam na riqueza. Isaías 5:8 mostra a indignação de Deus contra o desejo insaciável de possuí-los. Em I Timóteo 6:9-10, a Palavra de Deus faz entender a razão de tantas advertências contra esse perigo. Nestes dois versículos da Carta de Tiago, aprendemos que é pecado acumular riquezas, para que elas venham a estragar-se. Também aprendemos que o mesmo fator que faz acumular riquezas para que elas se estraguem provoca a ruína daqueles que as acumulam. Tal fator é a avareza.
O V.4 apresenta um aspecto muito comum do processo de enriquecimento. Trata-se do problema da injustiça, uma das manifestações multiformes da avareza. Tal gesto de desumanidade é tão impressionante que a Bíblia cita o nome do “Senhor dos Exércitos” como vingador para expressar a severidade da exortação. Esta expressão (Kurios Sabaoth) é muito usada no Velho Testamento. Mas, no Novo Testamento, só aparece nesta passagem de Tiago, além de Romanos 9:29, onde é feita uma citação de Isaías. É uma das expressões que os hebreus usavam para se referirem a Deus, e indicar a grandiosidade do Seu poder. Aqui, indica a certeza de que Deus tomara vingança a favor dos oprimidos.
Ao lado das duas acusações aos ricos, que se seguem nos Vs. 5 e 6 (o seu modo de viver e a opressão sobre os justos), temos, no V.4, esta afirmação: “... os clamores dos ceifeiros penetraram até aos ouvidos do Senhor dos Exércitos”. É uma séria agravante, pois Deus é muito sensível ao clamor dos inocentes. Esta fato, bem conhecido dos judeus, é relatado na Bíblia, desde as suas primeiras páginas (Genesis 4:10; Êxodo 22:22-24; Deuteronômio 24:15).
A lei de Moisés era criteriosa no sentido de proteger o pobre contra a avareza do rico. Nisto, podemos observar um dos aspectos da justiça de Deus: Ele não permite ao homem abastado deixar passarem necessidade aqueles que vivem ao seu lado. Na região da Palestina, onde o clima era severo e o alimento, muitas vezes escasso, o salário do jornaleiro (que trabalha por dia) era uma questão de sobrevivência. Esses trabalhadores, que trabalhavam só para comer, não podiam ter seus salários retidos, pois já viviam quase na inanição. Lendo as passagens que indicamos a seguir, poderemos ter melhor compreensão deste problema em Israel: Levítico 19:13; Deuteronômio 24:14-15; Provérbios 3:27-28; Jeremias 22:13; Malaquias 3:5.
A severidade da exortação contida no V.4 que estamos estudando, por si só faz entender a gravidade do problema de defraudar o trabalhador.
No V.5 são denunciados três aspectos viciosos no estilo de vida dos ricos:

1 – “viver regaladamente” ou viver em luxo extravagante. Na raiz da palavra que foi traduzida por esta ideia (trufein) vamos encontrar sugestões de que se trata de um comportamento que leva à degradação tanto moral, como física. O excitamento do luxo corrompe as forças morais e destroem a própria sanidade física.

2 – “viver em prazer” (spatalein) tem a ideia de viver em prostituição, em lascívia e em libertinagem escandalosa. Somente em I Timóteo 5:6 vamos encontrar outra vez esta palavra, para descrever o comportamento da viúva “morta”, contrastando com o da verdadeiramente viúva.

3 – “Tendes engordado os vossos corações em dia de matança”. Este dia refere-se, provavelmente, ao dia do juízo (Isaías 34:6; Ezequiel 21:14-15). Naqueles dias em que os referidos ricos viviam em luxúria e prazer sobre a face da Terra, eles não estavam fazendo nada mais do que engordar-se a si mesmos, como quem engorda um novilho sevado, para ser abatido em dia oportuno.

Estas advertências do V.5 são bem paralelas a alguns exemplos que Jesus deu em Seus ensinos. No caso do rico e Lázaro, o rico é apresentado como tendo esse mesmo tipo de vida (Lucas 16:19). Também, em Lucas 7:25 Jesus faz contrastar a figura de João Baptista, homem simples e vigoroso, com a figura de um rico de vida extravagante, apresentando até mesmo aspectos de debilidade feminina. Este versículo traz uma condenação aos ricos que se utilizam das suas riquezas para satisfazer seus próprios desejos de prazer, deixando de dar atenção às necessidades daqueles por cujo trabalho eles se tornam ricos.
O V.6 não é de fácil interpretação. Em todo caso, esta é a última, e a mais severa, de todas as acusações que atingem, neste versículo, o ponto mais alto do resultado do apego à riqueza. É um fato histórico, que os pobres não tinham meios para se defenderem contra qualquer opressão por parte dos ricos nos tempos antigo. A justiça simplesmente não lhes dava ouvido, portanto não tinham a quem recorrer na sociedade humana. Hoje, depois de dois mil anos da chagada do Evangelho, as condições dos pobres e trabalhados mudaram em quase todos os países do mundo e eles podem recorrer à Justiça do Trabalho. Mas, naqueles tempos do primeiro século, eles estavam sujeitos às arbitrariedades dos ricos.
Em todos os tempos houve, e sempre haverá ricos que não costumam dar ouvidos às justas reclamações dos pobres. Alguns têm, como princípio, a ideia de que os pobres são obrigados a trabalhar para enriquecê-los. Por isso, a presente advertência sempre poderá aplicar-se contra a opressão aos pobres e aos trabalhadores. É bom notar, neste versículo, que as opiniões nem sempre estão de acordo quanto ao “justo” a que se refere esta passagem. Há três ideias:

1 – Podem ser os trabalhadores mencionados no V.4
2 – Podem ser os justos em geral, aqueles que praticam a justiça de Deus
3 – Pode ser Jesus, que foi morto pelos Judeus incrédulos.

Ao concluir o estudo desta série de exortações aos ricos, por causa dos seus problemas espirituais, vamos lembrar que a finalidade destes ensinos bíblicos não é, de modo algum, deixar os cristãos pobres com preconceitos contra os ricos. É uma advertência para os cristãos ricos e para os ricos deste século. Os cristãos, mesmo pobres, são mais ricos do que qualquer rico do mundo. Aqui, aprendem os cristão pobres a não cobiçar riqueza, e os cristão ricos, a colocarem a sua riqueza no devido lugar, dentro do reino de Deus, depositando a fé em Deus, e não nos bens materiais.

V.7 - Sede, pois, irmãos, pacientes, até à vinda do Senhor. Eis que o lavrador
        aguarda com paciência o precioso fruto da terra, até receber as primeiras e
        as últimas chuvas.
V.8 - Sede vós também pacientes e fortalecei o vosso coração, pois a vinda do
        Senhor está próxima.
V.9 - Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para não serdes julgados. Eis que o
        juiz está às portas.
V.10 - Irmãos, tomai por modelo no sofrimento e na paciência os profetas, os quais
          falaram em nome do Senhor.
V.11 - Eis que temos por felizes os que perseveraram firmes. Tendes ouvido da
          paciência de Jó e vistes que fim o Senhor lhe deu; porque o Senhor é cheio
          de terna misericórdia e compassivo.

Aproximando-se do final da carta, Tiago volta a dar mais uma série de conselhos, que são também ensinamentos da mais frequente aplicação na vida cristã de todo dia.
Os Vs. 7 e 8 falam de momentos difíceis da vida pelos quais passam muitos cristãos, para não dizer todos, a ponto de serem tentados a abandonar a fé. A exposição feita no início do capitulo 5, até o V.6, mostra por exemplo, até onde pode chegar a opressão ou a injustiça social. Por essa razão, as exortações que se seguem, até o V.11, têm o objetivo de encorajar o cristão que passa por tais dificuldades, lembrando-lhe a vinda do Senhor, que não tarda (I Pedro 1:3-9). Aqui, encontramos a mesma ideia de perseverança, ensinada em 1:2-3.
É fácil chegar ao desespero e à vingança, mesmo que está se dê em forma de raiva, ódio ou qualquer outro tipo de manifestação menos visível. Isto tem que ser evitado pelo cristão. A paciência de Deus é mostrada em Romanos 2:4 e I Pedro 3:20, por meio de características opostas a estas manifestações. A vingança pertence a Deus (Romanos 12:19). Na vinda do Senhor, quando a Sua longanimidade não mais suportar, Ele executará o juízo sobre os opressores (II Tessalonicenses 1:5-10). Mas enquanto isso não se der, os Seus filhos devem aguardar com paciência.
O exemplo do lavrador era especialmente significativo para os judeus leitores da carta. As primeiras chuvas, que caiam no período do plantio na Palestina, eram indispensáveis para que os grãos plantados germinassem. As últimas chuvas, que caiam quando os grãos estavam sendo formados, eram necessárias para que eles crescessem e amadurecessem (Deuteronômio 11:14; Jeremias 5:24; Joel 2:23). Enquanto isso, o lavrador devia esperar pacientemente, até poder colher o fruto da terra. Assim também, na vida cristã, temos que suportar, com paciência, as injustiças da vida porque, dentro do plano de Deus, está incluído o tempo de plantar, o tempo das chuvas que Ele manda e também o tempo de colher.
O V.9 esclarece que, nesse período, em que aguardamos a vinda do Senhor, devemos tratar de “confirmar a nossa fé e perseverar”. Nas dificuldades e tentações que inevitavelmente encontramos, várias reações e emoções podem aparecer. O que o escritor tem em mente nestes versos são as queixas de um irmão contra outro, tais como culpar um ao outro pela situação difícil, praguejar, blasfemar etc. Tais atitudes demostram desobediência aos ensinamentos de Jesus, no que se refere a julgar a outros, como vimos em 4:11 (cf. Mateus 7:1). Tanto mais devemos andar prevenidos, se lembrarmos o que Jesus ensinou sobre a Sua vinda repentina, a qual Tiago recorda neste versículo (cf. Mateus 24:33; Marcos 13:29).
Os Vs. 10 e 11 ensinam que, se sofrermos por ser cristãos, antes de nos desesperarmos, devemos nos alegrar (I Pedro 4:14-16). Jesus refere-se a esses sofrimentos em Mateus 5:11-12, como causa de exultação e regozijo, por causa do galardão nos céus. Ele também mostra o exemplo dos profetas, que passaram pelas mesmas aflições. Isto deve servir de estimulo pois, nem o próprio Filho de Deus, nem os profetas que precederam os cristãos estiveram livres de sofrer por causa da verdade. Mas eles suportaram tudo com paciência. O exemplo de fé persistente de Jó também deve servir de incentivo para os que sofrem, pois ele recebeu a misericórdia de Deus. Jesus ensina isto, de maneira mais ampla a todos os seus seguidores em Mateus 5:3-11 e em 24:13. Ao apresentar o exemplo dos profetas e de Jó, Tiago estava falando de casos bem conhecidos, tanto daqueles leitores, como de nós também. 


V.12 - Acima de tudo, porém, meus irmãos, não jureis nem pelo céu, nem pela
           terra, nem por qualquer outro voto; antes, seja o vosso sim sim, e o vosso
           não não, para não cairdes em juízo.
V.13 - Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração. Está alguém alegre? Cante
           louvores.
V.14 - Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes
           façam oração sobre ele, ungindo-o com óleo, em nome do Senhor.
V.15 - E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o levantará; e, se houver
           cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados.
V.16 - Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros,
           para serdes curados. Muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo.
V.17 - Elias era homem semelhante a nós, sujeito aos mesmos sentimentos, e
           orou, com instância, para que não chovesse sobre a terra, e, por três anos e
           seis meses, não choveu.
V.18 - E orou, de novo, e o céu deu chuva, e a terra fez germinar seus frutos.
V.19 - Meus irmãos, se algum entre vós se desviar da verdade, e alguém o converter,
V.20 - sabei que aquele que converte o pecador do seu caminho errado salvará da
          morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados.

O juramento, nos tempos da igreja primitiva, era uma prática muito comum. Por isso mesmo, era considerada em geral, como de relativo significado, sendo usada de maneira abusiva. Houve tempo em que jurar em nome de Deus era um sério compromisso para os judeus. Mas logo foram encontrados meios de contornar essa seriedade. Assim, no decorrer do tempo, apareceram tantas maneiras de jurar, que se pode entender que o juramento nada mais era do que um meio de encobrir a mentira. Tanto no mundo pagão, como entre os judeus, havia homens que não concordavam com o juramento, como expressão da verdade.
Quanto a esta prática em nosso meio, pouco há a dizer, porque não é usada. Mas, quanto a assumir qualquer compromisso, a nossa posição, de acordo com os ensinamentos de Cristo, deve ser o que é confirmado por Tiago no V.12: “...seja o vosso sim, sim, e o vosso não, não...”. As lições de Jesus sobre o juramento encontram-se em Mateus 5:33-37; 23:16-22.
Desde o V.13, até o 18, encontramos preciosos ensinos sobre o conforto da oração, bem como o incentivo para que façamos uso dela, com a maior frequência possível, pois os ouvidos de Deus estão abertos, à disposição dos nossos pedidos.
 No V.13, “sofrer” significa qualquer tipo de aflição, sofrimento físico ou espiritual, tal como miséria, perseguição, injúria etc. Em qualquer dos casos, devemos orar a Deus (cf. I Tessalonicenses 5:17-18; Filipenses 4:6-7). Se, pelo contrário, alguém está alegre, deve cantar. A alegria dos cristãos do primeiro século contrastava com a tristeza e falta de esperança dos pagãos. Certamente era esta a razão por que a igreja primitiva caracterizava-se pelo costume de cantar com muita frequência. Nisto, ela obedecia aos mandamentos que encontramos em Efésios 5:19 e Colossenses 3:16. Jesus cantava (Marcos 14:26). O mesmo faziam Paulo e Silas (Atos 16:25). Por outra parte, o Novo Testamento incentiva o louvor por meio do canto (Romanos 15:9; I Coríntios 14:15; Hebreus 2:12). O canto de louvor, ou louvor de lábios é o meio das novas criaturas em Cristo exprimirem sua alegria de espírito diante de Deus (Hebreus 13:15). Nunca os apóstolos e profetas do Novo Testamento ensinaram o uso de instrumentos musicais nos cultos, que só apareceram em séculos muito posteriores ao primeiro. Nem o Espírito Santo inspirou o uso de qualquer passagem do Velho Testamento que incluísse instrumentos musicais, nos ensinos do Novo Testamento.
A propósito do entusiasmo da igreja primitiva pelo canto, temos um relato de Plínio, governador da Bitínia com o fim de informar o imperador Trajano sobre os cristãos, no ano 111 D.C., nos seguintes termos: “... eles tinham o habito de se reunir em determinado dia, antes que houvesse luz, e então cantavam em versos alternados um hino a Cristo, como se este fosse Deus”. A Enciclopédia Católica relata que os cristão primitivos eram de tal fibra, que nunca se deixaram levar pelos efeitos maravilhosos dos instrumentos musicais usados no templo de Jerusalém, para acompanhar o louvor cantado.
Aqueles que reconhecem a necessidade de manter a integridade espiritual da fé dada por Cristo e seus apóstolos, devem cuidar que o louvor cantado seja cada vez mais incentivados, especialmente entre os jovens, com letras espirituais cheias de conteúdo, para fazer frente à constante agressão da música mundana, que está se aproveitando de maneira crescente da negligência de muitos. O uso de instrumentos musicais só foi admitido no culto da igreja, no século VII, pelo Papa Vitaliano que assinou o decreto, contra a sua própria vontade, depois de séculos de polêmica a respeito do assunto. Assim mesmo tais instrumentos só vieram a ser utilizados no culto cristão, pelo menos seis séculos depois. Rítmos excitantes e danças fazem parte do culto de adoração de muitas igrejas atuais, que tem o rótulo de cristãs. Nisto estão se assemelhando às religiões da antiguidade, que buscavam o êxtase por meio da música e da dança nos seus cultos. Bem sabia o Espírito Santo por que razão Ele não inspirou nada nos escritos do Novo Testamento, que autorizasse o uso de instrumentos musicais na adoração a Deus.
Nos Vs. 14 e 15, Tiago baseia-se nas práticas de Jesus que, com Sua natureza divina, mostrou de várias maneiras o Seu poder sobrenatural, pelos milagres que fazia. Especialmente, o Mestre comprovou a Sua autoridade sobre a morte, quando ressuscitou Lazaro (João 11), o filho da viúva de Naim (Lucas 7:11-17) e a filha de Jairo (Lucas 8:49-56). Igualmente, os apóstolos se utilizaram de seus dons sobrenaturais de fazer milagres e prodígios, dons que receberam para confirmar a origem divina da mensagem que pregavam (Atos 4:30; 14:3; Hebreus 2:3-4; II Coríntios 12:12). Mas o poder de Deus não se limitou a ser demostrado historicamente pelos apóstolos. Do modo que eles agiram naquele momento histórico por meio de dons especiais dados pela providencia de Deus, a igreja pode agir, limitada apenas pela vontade de Deus, por meio do recurso da oração, mencionado aqui no final da Carta de Tiago e outras passagens paralelas (Mateus 7:7-8; I João 5:14-15). Seja uma vida em perigo por doença, seja por outras circunstancias, devemos estar certos que Deus põe à disposição da igreja os Seus insondáveis recursos, de acordo com a Sua vontade, e conforme o Seu propósito, que devemos aceitar.
O Novo Testamento mostra vários exemplos da igreja em oração. Particularmente Atos 4:23-31 enfatiza o poder dessa oração conjunta (veja também Atos 20:36,38). As exortações para que a Igreja ore, bem como os exemplos apostólicos, são abundantes, desde o início da pregação do Evangelho, até ao final de Apocalipse (Mateus 6:5-15; Apocalipse 22:20). Ao lado do Novo Testamento, a História secular relata o modo como os cristãos primitivos faziam uso constante da oração, para curar os enfermos, para confortar os abatidos de espírito, para expelir demônios etc.
Uma nota interessante do V.14 é que aqueles judeus cristão a quem se destinava a Carta de Tiago, já estavam reunidos em congregações organizadas de acordo com as normas do Novo Testamento. Por exemplo, é mencionada uma pluralidade de presbíteros (cf. Filipenses 1:1; Atos 20:17; Tito 1:5ss). Também é interessante notar a referência à unção de óleo, juntamente com a oração dos presbíteros. Está é a única passagem do Novo Testamento, que cita essa prática, e alguns têm dado ênfase especial a esse ato. A Igreja Católica Romana o admitiu durante muitos séculos, como meio de curar o doente. Posteriormente, no ano 852, esta prática que, para o romanismo era um “sacramento”, foi convertido em “extrema unção”, ou seja, um preparo para a morte. Nisto está incluída a crença na possibilidade de perdão dos pecados, se o enfermo não tiver mais a oportunidade de confessar-se ao padre.
A vários pontos a considerar nesta passagem. Em primeiro lugar, a oração acompanhada de unção, deve ser feita para restabelecimento do doente, e não para a morte. Em segundo lugar, a oração e a unção devem ser feitas pelos “presbíteros”, na acepção da palavra, conforme ensina o Novo Testamento, e não por outra pessoa. Além disso, encontramos logo em seguida, no V.15, a afirmação de que “a oração” salvará o doente e, essa oração deve ser resultado da fé. Assim, se por um lado, a passagem não desautoriza a unção, por outro lado também não autoriza a usá-la como meio de graça.
Ungir com óleo era costume nos tempos do Velho Testamento. Jesus o refere, sem aludir a efeitos milagrosos, mas unicamente à técnica de um curativo comum, quando enuncia a parábola do bom samaritano (Lucas 10:34). Isaías fala por metáfora sobre a utilização do óleo, como remédio para o corpo. É largamente difundido na zona rural o uso do óleo de mamona, sebo de carneiro e azeites, para unção de ferimentos de animais, sem nenhum significado místico ou supersticioso, ainda em nosso dias. Por isso, o ato mecânico da unção e a matéria oleaginosa não devem ser considerados como o ponto de destaque nesta passagem. A unção é autorizada, até mesmo em forma de mandamento, mas juntamente com a oração que salvará o enfermo. Tudo seja feito em nome do Senhor.

Observações:

1 – “Oração da fé” não significa nenhum tipo especifico de oração para ser decorada ou ensinada secretamente. É a que provém de um coração confiante no poder de Deus de curar o doente. E, não só neste caso, mas em quaisquer circunstâncias da vida, mesmo quando para outros não há qualquer esperança, devemos recorrer à oração da fé.

2 – “Salvar” igualmente não significa salvar a alma por meio da oração, mas “curar”. O verbo “sözein” do Grego usado nesta passagem significa tanto salvar como curar.

3 – Também não devemos inferir desta passagem, que a oração dos presbíteros tem poder de perdoar pecados. Pelo contrário, o fato do doente ter sarado por meio da intercessão dos presbíteros significa que Deus perdoou o pecado que o levara àquela aflição se é que a causa da doença era o pecado. Jesus ensinou que algumas vezes o sofrimento físico tem como causa o pecado (Marcos 2:5-11; cf. I Coríntios 11:30). Mas isto não foi dito como regra geral (Lucas 13:1-5). Não foi assim que Jesus pregou a salvação. Esta vem pela fé, arrependimento, batismo e também é necessária a perseverança. Nestes passos não há lugar para os atos mecânicos mas, sim, àqueles que provém da fé no Filho de Deus, seguidos de fidelidade e de uma firme resolução de ser Seu discípulo, até a sua volta ou até o fim da vida. Há de se substituir o ânimo dobre e a inconstância, pela perseverança (cf. Marcos 16:16; Atos 2:38; 16:30-34; Romanos 10:9; Mateus 24:13; Lucas 21:19).
   
Mais uma exortação pratica, no sentido da oração, encontramos no V.16, quando somos incentivados a levar, ao conhecimento de outros irmãos, as nossas fraquezas, para que eles intercedam por nós junto a Deus. Isto não deve ser entendido como um gesto de confissão pública para cada falta cometida. Entretanto, na fraternidade cristã, na comunhão dos santos, há lugar para auxilio espiritual de um para com o outro (Efésios 6:18,19; Colossenses 3:16, Gálatas 6:1-2). É só na comunhão com a igreja, que podemos gozar da benção espiritual do perdão dos pecados (I João 1:8-9). Efésios 1:3, 7 mostra essa benção, já destinada aos cristão desde antes da fundação do mundo. Portanto, vamos pedir corretamente em nossas orações, e seremos curados. 
Nos versos 17 Elias é a figura que representa o justo. A sua oração exemplifica a eficácia da oração dos justos. Aquele profeta, tão conceituado no Velho Testamento, era visto como o modelo dos profetas. No Novo Testamento podemos ver o seu nome associado ao de João Batista, preparando os caminhos do Senhor. Na cena da transfiguração, ele aprece ao lado de Moisés. Só isto é suficiente para encorajar qualquer cristão a fazer uso dessa arma que Elias usou, a oração, para recorrer ao poder de Deus. Ele conhecia as suas limitações humanas (I Reis 19:4), mas conhecia também a fonte de onde emanava todo o poder (I Reis 18:36-40). É assim que nós também devemos estar convencidos das possibilidades que Deus coloca à disposição daqueles que Ele justificou.
Embora pareça não haver ligação dos Vs.19 e 20 com os últimos assuntos tratados, podemos observar que eles se relacionam com o caráter geral da Epístola. Após ensinar sobre a aplicação da verdadeira sabedoria na vida cristã e exortar contra tantos perigos que havia entre aqueles irmãos leitores, vemos aqui uma última exortação, visando ao uso do amor fraternal para fins práticos, isto é, para conduzir à eternidade.
Não é aos presbíteros que se dirigem estas últimas palavras, nem a diáconos ou outras pessoas que desempenha trabalhos específicos na igreja. É aos irmão, que Tiago chama, mais carinhosamente de “meus irmãos”. Eis um ministério que se encontra ao alcance de todos, porque é oferecido pela Palavra de Deus a todos. Não há maior bem-aventurança do que ter os pecados perdoados por Deus. Quem leva um irmão a reconciliar-se com Ele está na posição daquele que cobre os pecados do irmão, para que eles não fiquem expostos à ira de Deus. É um trabalho de natureza divina, uma demonstração daquele amor que Cristo nos ensinou (João 13:34-35; Salmo 32:1).