JESUS É INTERROGADO NA FESTA DA DEDICAÇÃO
JOÃO 10:22-42
No período inter-bíblico, quando o rei Seleuco Antíoco Epifanio dominou a Palestina (175-164 A.C), ele introduziu a cultura e a religião grega entre os judeus. No próprio Templo de Jerusalém ele transformou o altar dos holocaustos em um altar que erigiu e dedicou ao Zeus Olímpico, o maioral dos deuses dos gregos, em que sacrificou porcos para os deuses pagãos, e contaminou de forma brutal os pátios e os recintos do Santuário do Deus de Israel. Foi então, que Judas Macabeu levantou uma revolta juntamente com seus irmãos e outros judeus fiéis, que acabou pondo fim aos desmandos daquele monarca desvairado, trazendo vitória e liberdade à nação (164 A.C). Era o dia vinte e cindo do mês Quisleu, vinte cinco de dezembro para nós, data que passou a ser comemorativa da purificação e da dedicação do Templo, e os judeus a observam com uma festa anual, até hoje. Esta é a festa religiosa mais recente do calendário judeu e também é chamada de festa das luzes, porque o Templo era iluminado especialmente durante oito dias, bem como nas casas dos judeus se acendiam velas durante esse período. Mas houve outras oportunidades na história de Israel em que foi feita a dedicação (consagração) do Santuário a Deus: do Tabernáculo (Números 7:10-11); do Templo de Salomão (I Reis 8:62-64; II Crônicas 7:4-7); do Templo restaurado após a volta do exílio da Babilônia (Esdras 6:16-17).
V.22 – Celebrava-se em Jerusalém a festa da dedicação. Era inverno.
V.23 – Jesus passeava no templo, no pátio de Salomão.
A Festa da Dedicação celebrada em Jerusalém ofereceu o cenário apropriado para o evangelista ilustrar a completa submissão de Jesus à vontade do Pai. A informação de que era inverno desloca os acontecimentos descritos aqui, três meses adiante da Festa dos Tabernáculos, que era comemorada em fins de setembro, começo de outubro, no outono, enquanto que a Festa da Dedicação iniciava-se em vinte e cinco de dezembro.
Nesse intervalo de tempo não temos informações do que Jesus esteve fazendo. Mas, agora, novamente no Templo, por causa do clima frio de inverno, Ele procurou abrigar-se no Pórtico de Salomão. Este recinto consistia de uma série de colunatas que se prolongava por todo o lado oriental do Templo, sendo utilizado pelos escribas para ensinar e debater assuntos da Lei, mas ali também, comerciantes e cambistas instalavam suas mesas para fazer negócios (cf Lucas 2:46; 19:45-47a).
V.24 – Rodearam-no, pois, os judeus, e o interpelaram: Até quando nos deixarás
a mente em suspenso? Se tu és o Cristo, dize-o francamente.
V.25 – Respondeu-lhes Jesus: Já vo-lo disse, e não credes. As obras que eu faço
em nome de meu Pai testificam a meu respeito.
V.26 – Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas.
V.27 – As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem.
V.28 – Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, eternamente, e ninguém as
arrebatará da minha mão.
V.29 – Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e das mãos do Pai
ninguém pode arrebatar.
V.30 – Eu e o Pai somos um.
As declarações feitas por Jesus de ser o bom pastor, e as implicações disso para com as Suas ovelhas levou aqueles judeus a imaginarem que Ele estivesse falando de maneira disfarçada ou enigmática, para deixá-los em suspenso quanto à Sua pessoa e à Sua natureza. Por isso exigiam que Ele desse uma resposta bem definida à questão se Ele era de fato o Cristo, o Messias. Eles queriam uma resposta concreta e não se satisfaziam com uma afirmação figurada, como no V.11. Eles não aceitavam as declarações que Jesus fazia a Seu respeito, nem as evidências que Ele dava a Seu favor. Mas as obras que Ele fazia em nome do Pai davam testemunho a cerca de quem Ele era (cf 5:30-40). Elas testificavam que Ele era enviado do Pai (5:36). Se aqueles líderes judeus desprezavam os feitos de misericórdia demonstrados nas obras de Jesus, quanto mais eles ficariam confusos com as Suas declarações explícitas a respeito dos Seus sofrimentos (Mateus 16:21; 17:22-28; 20:17-19 e paralelos) Uma vez que o conceito messiânico do judaísmo não incluía o sofrimento e a morte do Messias. A intenção de João ao registrar no seu Evangelho os “sinais” que Jesus fazia é exatamente de apontar para o fato que Ele é o Messias.
A razão por que aqueles judeus não criam é apontada no V.26, que João Crisóstomo parafraseou da seguinte maneira: “A razão por que vocês não crêem, não é porque eu não seja o bom pastor, mas é porque vocês não são minhas ovelhas”. As ovelhas de Cristo ouvem a Sua voz, isto é, elas estão abertas para a Sua mensagem, o Evangelho. Por outro lado Ele as conhece, isto é, conhece as suas necessidades e elas O seguem, confiantes em que Ele tem cuidado delas e que Ele pode ajudá-las. Especialmente, elas crêem na promessa da vida eterna que Ele lhes dará, e que ninguém poderá arrebatá-las das Suas mãos.
Fica cada vez mais claro que, à medida que se prolongava a controvérsia de Jesus com os judeus, a Sua presença ia efetuando uma purificação no velho Israel (cf 8:30; 9:16; 10:19,40-42), e o povo de Deus ia, de novo, sendo consagrado a Ele, como uma comunidade de fiéis que reconhecia Jesus como o Cristo, e que Ele tinha a vida eterna em Suas mãos (cf 5:24-26). Era tão inevitável que isto acontecesse agora, como aconteceu no tempo em que o Templo de Jerusalém foi rededicado (164 A.C) após a profanação do Santuário, causada por Antíoco Epifânio, alguns anos antes. O evento agora comemorado em Jerusalém aponta para a reconsagração do povo a Jeová, por meio do ministério do Messias.
Havia muitos judeus incrédulos fora do rebanho de Deus, mas havia também muitas ovelhas que entravam para desfrutar das bênçãos oferecidas pelo Bom Pastor, movidas pelo Pai para atenderem à Sua voz, isto é, à Sua Palavra, e para seguí-lo. Neste processo, Jesus conhece ou sabe perfeitamente quais são as ovelhas que ouvem a Sua voz e que O seguem. Elas vão sendo libertas do mal e da condenação do pecado e recebem das Suas mãos a vida eterna. Tudo isso é possível, porque o Pai confiou ao Filho o cuidado e a proteção delas. A confiança que o Pai deposita no Filho é muito grande. Quem poderá desfazer essa resolução? As ovelhas que Ele entregou aos cuidados do Filho estão garantidas pela proteção do Pai, cuja autoridade é infinitamente maior do que todas as cousas. Quem poderá arrebatá-las das Suas mãos? (V.29).
A unidade de propósito do Pai e do Filho é tão grande e tão perfeita, que ambos operam juntos em todos os Seus feitos e em todo tempo. Por isso o Filho declara categoricamente: “Eu e o Pai somos um”.
V.31 – Novamente pegaram os judeus em pedras para lhe atirar.
V.32 – Disse-lhes Jesus: Tenho-vos mostrado muitas obras boas da parte do Pai;
por qual delas me apedrejais?
V.33 – Responderam-lhe os judeus: Não é por obra boa que te apedrejamos, e,
sim, por causa da blasfêmia, pois sendo tu homem, te fazes Deus a ti
mesmo.
Quando João registrou essa nova tentativa de apedrejarem Jesus, ele estava recordando a outra que ocorreu em 8:59, quando Ele se ocultou e saiu do Templo. Agora, porém, Ele os enfrentou. Em várias ocasiões o evangelista se refere à intenção dos líderes judeus matarem Jesus, e Ele mostrou que sabia disso (5:18; 7:19, 20, 25, 44; 8:20, 37, 59). Desta vez Jesus encarou com calma esta violenta intenção deles fazerem justiça com as próprias mãos, sem um processo legal de julgamento. Ele argumentou afirmando que fez diante deles muitas boas obras da parte do Pai, e perguntou: “Por qual delas me apedrejais?” Já que eles não estavam apedrejando Jesus, a pergunta deve ser entendida como: “Por qual delas quereis apedrejar-me?” Eles responderam que a causa não estava nas boas obras, mas porque eles consideraram blasfêmia o fato d’Ele ter-se identificado com Deus ao afirmar: “Eu e o Pai somos um”. Embora Jesus tenha afirmado frequentemente que Ele é o Filho de Deus e que fora enviado pelo Pai, aquela firmação foi para os judeus algo insuportável a ponto deles o ameaçarem de morte.
Quando Jesus afirmou aos judeus: “Antes que Abraão existisse eu sou”, eles tentaram apedrejá-lo por causa destas palavras, sem alegar motivo de blasfêmia (8:59). Mas, agora, eles foram específicos e declararam o motivo. O Sinédrio condenou Jesus, alegando crime de blasfêmia (Mateus 26:65; Marcos 14:64) porque Ele declarou ser o Cristo. Aqui Ele estava sendo condenado por afirmar a Sua unidade e identidade com o Pai, e os judeus justificavam a sua posição dizendo: “... sendo tu homem, te fazes Deus a ti mesmo”.
Se analisarmos bem esta afirmação dos judeus, vamos concluir que Jesus não fez nada de Si mesmo. Ele não era homem fazendo-se Deus, mas era Deus que se fez homem e fez as obras do Pai, que Ele foi enviado para fazer como Filho de Deus. Esta é a grande ênfase dos ensinos de Jesus, como também do material juntado pelo apóstolo para compor o seu Evangelho. Quanto à “blasfêmia”, o que se entende é o pronunciamento de alguém, que implique em insulto ou desonra a Deus. A sentença para esse pecado na Lei de Moisés era pena de morte por apedrejamento (Levítico 24:10-16; Atos 7:54, 58; 26:11). Esta era a pena que queriam aplicar a Jesus. Mas Ele provou pelas Escrituras que os judeus não tinham justificativa para isso.
V.34 – Replicou-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses?
V.35 – Se ele chamou deuses àqueles a quem foi dirigida a palavra de Deus, e a
Escritura não pode falhar,
V.36 – então daquele a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, dizeis:
Tu blasfemas, porque declarei: Sou Filho de Deus.
A passagem utilizada por Jesus para rebater a acusação de blasfêmia levantada pelos judeus é do Salmo 82:6. Referindo-se a ela, Ele pergunta: “Não está escrito na vossa Lei?” Isto não significa que Jesus não acatasse a Lei. É apenas uma exortação para que eles dessem atenção a ela, pois, em seguida Ele observa que a Escritura não pode falhar. Neste Salmo é o Deus Jeová quem está dizendo “Sois deuses”. Para quem Ele está dizendo? É para os juízes de Israel que estavam investidos da autoridade divina para julgar retamente, segundo a justiça de Deus, e não, conforme eles estavam agindo (Salmo 82:1-4). Se a eles foi dada a prerrogativa de julgarem no lugar de Deus, eles são qualificados como deuses, e devem agir como tais (Deuteronômio 1:17; 19:16-19; cf Êxodo 7:1). O argumento de Jesus contra a acusação dos judeus é simplesmente este: Se Deus mesmo, na Escritura chama deuses aqueles que Ele constituiu seus representantes como juízes para julgarem em Israel, embora como homens, eles devam morrer (Salmo 82:7), eu não incorro em blasfêmia nenhuma, por afirmar que sou Filho de Deus, porque fui santificado pelo Pai e fui enviado ao mundo por Ele.
V.37 – Se não faço as obras de meu Pai, não me acrediteis;
V.38 – mas, se faço e não me credes, crede nas obras; para que possais saber e
compreender que o Pai está em mim e eu estou no Pai.
V.39 – Nesse ponto procuravam outra vez prendê-lo; mas ele se livrou das
suas mãos.
Que Jesus é o Filho de Deus pode ser percebido por um juízo racional único e sobrenatural (não humano), mostrado pelas obras que Ele vinha fazendo. As próprias autoridades dos judeus afirmaram que eles não O condenavam por causa das obras, e sim, por blasfêmia. Tendo-se defendido dessa acusação, Jesus então lança um desafio nos Vs.37 e 38 dizendo: “Se não estou fazendo as obras de meu Pai, continuem descrendo de mim, mas se eu estou fazendo, caso vocês não creiam em mim, creiam nas obras, para que vocês venham a saber e continuem compreendendo que o Pai está em mim e que eu estou no Pai” (paráfrase, aproveitando o significado dos tempos verbais originais do texto grego).
A reação dos judeus a estas palavras de Jesus foi semelhante ao que já havia acontecido em outras ocasiões, como em 7:30, 32, 44; 8:20. Como Jesus se livrou das mãos deles, não é explicado (cf 8:59; Lucas 4:28-30). Mas sabemos que ainda não era chegada a Sua hora.