A ALEGORIA DA VIDEIRA
JOÃO 15:1-27
Esta alegoria do capitulo 15 ocupa um lugar muito apropriado no desenvolvimento deste evangelho, no momento em que está chegando a hora do Sacrifício Redentor do Senhor Jesus. Por meio dela, somos levados a entender que o propósito do Pai, de realizar a redenção da humanidade por meio da nação de Israel não falhou. A nação, sim, falhou e nunca deu o fruto esperado por Deus, como se vê pelas mensagens proféticas que consideravam Israel como a videira plantada e cultivada por Deus ( cf Isaias 5:1-7; Jeremias 2:21; Ezequiel 19:10-14; Oséias 10:1-2; Salmos 80:8-19).
Mas, agora, há uma nova Videira, Cristo, plantada “antes da fundação do mundo, porem manifestada no fim dos tempos, por amor de nós, que por meio d’Ele temos fé em Deus que o ressuscitou dentre os mortos e lhe deu glória, de sorte que a nossa fé e esperança esteja em Deus”(I Pedro 1: 18-21). Cristo interveio no lugar daquela nação fracassada, para tornar-se o Mediador da Nova Aliança no Seu sangue (Lucas 22: 20; Hebreus 9: 15).
Neste capítulo Jesus aponta duas condições básicas para o perfeito relacionamento com Ele, afim de que os ramos, isto é, os discípulos individualmente, possam produzir frutos convenientemente. São a “permanência” n’Ele, conceito repetido treze vezes neste capítulo, e “amor”, repetido dez vezes.
V.1 - Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor.
V.2 - Todo ramo que, estando em mim, não der fruto, ele o corta; e todo o que dá fruto limpa, para que produza mais fruto ainda.
V.3 - Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado;
V.4 - permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira, assim, nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim.
V.5 - Eu sou a videira, vós, os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer.
V.6 - Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará; e o apanham, lançam no fogo e o queimam.
Quando Jesus diz que Ele é a Videira Verdadeira, Ele está contrastando o Seu caráter com o caráter da nação de Israel. Em outras palavras, Ele afirma que não é aquela videira degenerada, ou falsa, mas Ele é de excelente qualidade ou superior àquela. Quando Ele diz “meu Pai é o agricultor”, Ele está afirmando que Seu Pai é quem determina tudo o que deve ser feito na videira. Ele disse: “Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este fizer, o Filho também semelhantemente o faz”(João 5:19). E também: “ Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar”(João 12:49). Isto mostra a total e perfeita submissão do Filho ao Pai.
Jesus usa imagens muito reais para falar da videira, porque Ele conhecia muito bem o cultivo dessa planta e público que O ouvia entendia muito bem a sua Linguagem, pois a videira era cultivada em grande escala por toda parte na Palestina. O trabalho do agricultor começava pela limpeza do solo sobre o qual a parreira se estendia, apoiada sobre pequenas estacas em forma de forquilha, para evitar o contato direto com o solo. Às vezes a vide era enredada em postes, e, às vezes, plantada a certa distância, uma da outra, para se entrelaçarem os seus ramos, quando alcançavam o desenvolvimento necessário. Como o desenvolvimento dessas plantas era rápido, e elas se tornavam exuberantes, era necessário podá-las no tempo certo, cortando especialmente os ramos que não produziam fruto, para não roubarem a força da arvore, e garantir melhor desempenho dos ramos produtivos.
A madeira da videira não tinha utilidade nenhuma, por causa da sua fragilidade. Não era aceita, nem mesmo no Templo, para ser queimada no altar do sacrifício. Por isso, o seu fim era ser amontoada e queimada, quando secava.
A quem se refere Jesus, quando fala dos ramos cortados, que serão lançados ao fogo? Em primeiro lugar, aos judeus inimigos de Deus que, desde o início, rejeitaram a Sua Palavra (Isaias 65:2-7), e que agora rejeitavam o Messias (Mateus 23: 37-39). Em segundo lugar, àqueles que ouviram a Palavra, mas que, por várias razões, não produziram fruto (Mateus 13: 19-22). Em terceiro lugar, àqueles que começaram bem, e depois apostataram da fé (Hebreus 6:4-8; 10:29; II Pedro 2:20-21), e também àqueles que O seguiam por interesse, e não aceitaram o rigor do Seu ensino (6:26,56,66). Mas, os que produziram fruto precisavam ser podados para que a sua produção aumentasse. Esta limpeza, ou poda, Deus faz de diferentes maneiras: pela disciplina (ou correção), conforme Hebreus 12:4-13, ou por meio de provações (Tiago 1:2-4; cf II Crônicas 32:31).
O ramo que, definitivamente não produz fruto, é cortado, como aconteceu com Judas Iscariotes. Mas os outros discípulos que ouviram a Palavra de Cristo e creram, já estavam limpos por meio dela (Efésios 5: 26; Tito 2: 11-13; 3:4-7; cf João 6:63). Aqui a Palavra significa todo o ensino do evangelho que Ele pregou, e que eles ouviram durante o seu Ministério.
Daqui para a frente o discurso de Jesus gira, em grande medida, em torno da “permanência n’Ele”, e no “Seu Amor”. Devemos lembrar que esta permanência, conceito derivado do verbo “menö”, como também o conceito de “monë”, ambos ligados ao verbo “permanecer” do Grego, descrevem o ato “de estar habitando junto”. Isto significa o estado de intima comunhão, necessária entre os discípulos com Deus e com Cristo, para que haja produção de fruto. Cada discípulo é comparado a um ramo da videira que é Cristo. Assim como um ramo não pode produzir por si mesmo, se não estiver ligado à videira, os discípulos também não poderão produzir nada, se não estiverem ligados a Cristo. É exatamente o que Ele diz: “...sem mim nada podeis fazer”. Se alguém não permanecer n’Ele, terá a mesma sorte dos ramos improdutivos que, depois de cortados e secos, serão ajuntados, lançados ao fogo e queimados. Seu fim é o mesmo do joio retirado do meio do trigo (cf. Mateus 13: 42-43).
V.7 - Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito.
V.8 - Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos.
V.9 - Como o Pai me amou, também eu vos amei; permanecei no meu amor.
V.10 - Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço.
V.11 - Tenho-vos dito estas coisas para que o meu gozo esteja em vós, e o vosso gozo seja completo.
Depois da declaração de descarte dos ramos improdutivos, Jesus dá aos discípulos a chave da porta para promover a glorificação do Pai, por meio da produção de frutos. A chave é “permanecer em união com Ele” e guardar a Sua Palavra, usando mais um recurso sempre disponível, a oração: “.. pedireis o que quiserdes vos será feito”. Quando os discípulos guardam os mandamento de Cristo, e as suas orações são fiéis à Sua Palavra, isto é, são palavras que Jesus mesmo dirigiria a Deus em petição, não há nada que O impeça de aceder ao pedido. Isto é glória para Ele, porque vem de encontro aos interesses do reino (Filipenses 2: 12-13). A glorificação de Deus consiste na produção cada vez maior da quantidade de frutos. Assim é que eles se tornam discípulos “para Cristo”, como diz o texto original. O uso da voz reflexiva em “vos tornareis meus discípulos” (V.8) – voz média no Grego – significa a iniciativa pessoal dos discípulos, na produção de muito fruto (mais e mais fruto, no original).
A exortação de Jesus no V.9: “permanecei no meu amor” é determinante, é mandamento, porque está baseada na atitude do Pai para com Ele e na atitude d’Ele para com os discípulos. Já, o V.10 é o exemplo da aplicação prática desse amor: é guardando os mandamentos de Jesus, que os discípulos podem provar o seu amor por Ele, assim como Ele prova o Seu amor pelo Pai, guardando os Seus mandamentos. Com isto Jesus concretiza a Sua autoridade como norma de pensamento e de conduta através dos Seus mandamentos, não de maneira legalista, mas por amor verdadeiro (agapë).
A pesar das circunstancias em que Jesus se encontrava, diante da Sua hora que chegava e dos sofrimentos que a antecediam, Jesus estava alegre. Por isso Ele declara aos discípulos que tudo o que Ele lhes havia dito era para que eles pudessem participar da Sua alegria, e de maneira completa. O Seu exemplo de amor obediente e permanente mostra o resultado dessa alegria indescritível, que só pode ser produzida como fruto do Espirito: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio (Gálatas 5: 22). Isto é o que Jesus queria infundir na vida daqueles discípulos. Desobedecer ao Mestre não causa nenhuma satisfação.
V.12 - O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.
V. 13 - Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos.
V.14 - Vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando.
V. 15 - Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer.
V. 16 - Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda.
A colocação histórica desta passagem encaixa-se na última ceia, como sugerem as palavras paralelas do amor mutuo em 13:34-35, que não é outro, senão o antigo mandamento do amor ao próximo (Levítico 19:18) mas, agora, com um ingrediente novo: “ assim como eu vos amei”.
O próximo versículo (V.13) aponta para a suprema prova e exemplo desse amor: “dar a vida em favor dos seus amigos” (Joao 10: 11).
Jesus atribui aos discípulos um novo grau de intimidade, chamando-os “amigos”, devido ao convívio que tiveram desde o principio do Seu ministério (cf V.27). No Velho Testamento a palavra “servo” descrevia mais o aspecto de servidão, porque eles não tinham a prerrogativa de saber as intensões e as decisões dos seus senhores. Mas os amigos conhecem-nas intimamente. Por exemplo, muitos amigos dos monarcas podiam entrar no gabinete do rei, a qualquer momento, sem restrição e, até mesmo, nos seus aposentos, caso houvesse justificativa para o ato. Aqueles discípulos de Jesus conheciam-nO intimamente e receberam a revelação do Evangelho, o grande segredo de Deus, que Paulo chama “Mistério de Cristo” (Efésios 3:3-6).
Mas a verdadeira e sincera amizade não consiste apenas de palavras, pois envolve ação. Por isso Jesus disse: “Vós sois meus amigos se fazeis o que vos mando”. Como amigos de Cristo, eles eram pessoas escolhidas. Isto evoca a eleição que Jesus fez deles, chamando-os para o apostolado, como indicam as passagens de Lucas 6:13; João 6:70; 13:18. Não se deve imaginar que esta escolha, ou eleição dos apóstolos tivesse origem em seus méritos pessoais. Pelo contrario, Jesus escolheu-os aleatoriamente, sem nenhuma sugestão qualquer que fosse: “...chamou os que Ele mesmo quis” (Marcos 3:13). Esta eleição não significa predestinação. Antes, foi um chamamento para saírem a campo e pregarem o Evangelho (cf Mateus 10:1,5 ss), enfrentando dificuldades e produzindo muito fruto. Visto tratar-se de uma santa vocação dentro do propósito de Deus, para Sua glória e para que o fruto permaneça, as orações dos apóstolos feitas em nome de Jesus, que é o enviado de Deus, e que os envia agora, será sempre atendida. Esta é a razão pela qual homens santos, agindo dentro do propósito de Deus e orando em nome de Jesus, produzem muito fruto e o seu fruto permanece, ao mesmo tempo que Deus é glorificado em Cristo.
V.17 - Isto vos mando: que vos ameis uns aos outros.
V.18 - Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim.
V.19 - Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia.
V.20 - Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa.
V.21 - Tudo isto, porém, vos farão por causa do meu nome, porquanto não conhecem aquele que me enviou.
Em 13:1 João descreve o amor de Jesus pelos discípulos, como “amor sem limites”. Na ausência do Mestre era necessário que eles preservassem aquele mesmo tipo de amor por mandamento explicito: “Isto vos mando, que vos ameis uns aos outros”. Este amor, junto ao poder da oração eficaz (V.16), será essencial para os apóstolos, pois durante o Seu Ministério do amor de Deus e de pregação da palavra da cruz, colocando suas vidas a serviço de outros, eles estarão continuamente confrontados com o mundo hostil.
Jesus lembra o que Ele já lhes havia falado: “o servo não é maior do que o seu senhor” (13: 16). Portanto, ou eles seriam perseguidos, ou seriam aceitos, como aconteceu com o Senhor Jesus. O motivo é que eles haviam sido escolhidos e retirados do mundo por Cristo e, agora, não pertenciam mais àquele sistema totalmente contrario à pessoa e aos ensinos do Mestre. Ele precisavam estar preparados para enfrentar o antagonismo do desconhecimento do Deus de amor, que enviou Jesus a este mundo. Toda oposição que eles iriam enfrentar era por causa do nome de Jesus (cf Atos 4:18; 5:28).
V.22 - Se eu não viera, nem lhes houvera falado, pecado não teriam; mas, agora, não têm desculpa do seu pecado.
V.23 - Quem me odeia, odeia também a meu Pai.
V.24 - Se eu não tivesse feito entre eles tais obras, quais nenhum outro fez, pecado não teriam; mas, agora, não somente têm eles visto, mas também odiado, tanto a mim como a meu Pai.
V.25 - Isto, porém, é para que se cumpra a palavra escrita na sua lei: Odiaram-me sem motivo.
V.26 - Quando, porém, vier o Consolador, que eu vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim;
V.27 - e vós também testemunhareis, porque estais comigo desde o princípio.
O V.22 esclarece uma verdade, que é um dos princípios do reino de Deus: “Ouvir Jesus e rejeitá-lO é motivo de maior condenação” (8:24; Lucas 12:47-48). O pecado fundamental é não crer em Jesus (16:8-9).
Para mostrar que rejeitar o Filho é uma grande desconsideração ou um ato que significa um pecado muito grave, Jesus afiram que quem rejeita a Ele, isto é, quem o odeia, odeia também a Deus, o Pai. A união entre o Pai e o Filho é de tal ordem que ninguém pode desprezar a um, sem desprezar o outro. O fato de Jesus ter feito tantas obras e de tal monta, que nenhum outro fez, obras que provam quem Ele é, levou-os a odiá-lO, como também ao Pai.
Mas isto não surpreendia Jesus, porque já era previsto na Escritura, para aplicar-se a Ele (Salmo 35: 19; 69: 4).
Um ingrediente de ciúmes pode ser notado na atitude das autoridades judaicas que o odiavam, porque seus milagres ultrapassaram, em muito, os realizados por Moisés e todos os profetas juntos:
1 – numericamente Ele curou grandes multidões e fazia isso instantaneamente (cf. Mateus 4: 23-25; 15: 29-31; Marcos 6: 53-56)
2 – a realização desses milagres de toda espécie envolvia uma grande dose de energia para realiza-los (Marcos 5: 30; Lucas 9: 46), e muitos deles não foram realizados pelos profetas.
3 – Jesus fazia milagres pelo seu próprio poder, falando e acontecendo. Em qualquer lugar em que estivesse, Ele demonstrava esse poder. E três anos e meio de ministério, ele fez muito mais do que os registrados no Velho Testamento.
A promessa do Espirito Santo feita no V.26 é promessa de apoio ao futuro ministério dos apóstolos, visto que eles foram treinados para dar sequência ao Ministério de Jesus. Isto não seria feito sem a presença e orientação do Espirito junto deles. Por essa razão, alguém sugeriu que o Livro de Atos dos Apóstolos deveria chamar-se “Atos do Espirito Santo” (cf Atos 4:7-8, 20; 5:32).
A despeito da hostilidade do mundo, o testemunho da verdade como ela é em Jesus, continuará a ser dado após a Sua partida, tanto pelo Paracleto (Advogado ou Consolador) enviado pelo Pai, por intervenção de Jesus ressuscitado, como pelos apóstolos que estiveram com o Mestre desde o inicio do Seu Ministério. O testemunho deles é o mesmo. Esse testemunho, dado por inspiração do Espirito Santo, é de suprema e permanente importância, pois os apóstolos são o único vínculo de ligação entre os futuros crentes e o Cristo que viveu entre nós. É parte essencial do trabalho do Consolador cuidar que o testemunho deles não seja prejudicado pela oposição e pela perseguição. Mas eles têm reforço contra o enfraquecimento do seu testemunho. Quando vier a perseguição, a sua fé não será abalada, porque eles não serão pegos de surpresa, pois o Mestre já os preveniu a respeito das cousas e do motivo de tais tropeços (cf verbo escandalizar em 16:1).