CAPÍTULO 4
V. 1 - Voltou Jesus a ensinar à beira mar. E
reuniu-se numerosa multidão a ele,
de modo que entrou num barco, onde
se assentou, afastando-se da praia.
e todo o povo estava à beira
mar, na praia.
V. 2 - Assim lhes ensinava muitas coisas por
parábolas,
no decorrer do seu doutrinamento.
V. 3 - Ouvi: Eis que saiu o semeador a semear.
V. 4 - E, ao semear, uma parte caiu à beira do
caminho,
e vieram as aves e a comeram.
V. 5 - Outra caiu em solo rochoso, onde a terra
era pouca,
e logo nasceu, visto não ser
profunda a terra.
V. 5 - Saindo, porém , o sol a queimou;
e porque não tinha raízes, secou-se.
V. 7 - Outra parte caiu entre os espinhos; e os
espinhos
cresceram e a sufocaram, e não deu
fruto.
V. 8 - Outras, enfim, caíram em boa terra, e
deram fruto
que vingou e cresceu, produzindo a
trinta,
a sessenta e a cem, por um.
V. 9 - E acrescentou: Quem tem ouvidos para
ouvir, ouça.
Imediatamente após ter sido procurado por seus familiares, Jesus volta a
ensinar à beira mar. Muitos interpretam esta sua atitude como o seu
desligamento da família carnal, para dedicar-se à família espiritual. Ali ele
teve necessidade de entrar num barco para afastar-se da grande multidão que se
aglomerou junto dele. Marcos informa que ele lhes ensinava por parábolas.
Em termos bem simplistas, uma parábola é um tipo de comparação que se faz
com figuras da vida quotidiana, para explicar alguma verdade espiritual. Jesus
fez muito uso deste recurso, visando facilitar a compreensão dos seus ensinos.
Ele transmitia conceitos espirituais, traçando comparações com fatos da vida
comum que todos conheciam. Assim era fácil para os ouvintes entenderem o que
ele queria dizer.
A parábola do semeador é a primeira de um grupo de quatro outras que ele
usou para ensinar sobre o reino de Deus. Por meio dela nós aprendemos o que
acontece quando a Palavra é lançada , ou pregada, pra uma multidão de pessoas
de naturezas diferentes. É comparável ao que acontece quando a semente é
lançada sobre uma grande área de terra, contendo diferentes tipos de solo. O
resultado depende de cada tipo de solo. Assim também o resultado da Palavra
depende do coração de cada pessoa que ouve.
A parábola do semeador foi trazida em momento muito oportuno do
ministério de Jesus. Ela vem explicar a razão dos conflitos dele com os seus
adversários e até com seus parentes. Em todo lugar aonde chega a Palavra de
Cristo, estabelece-se uma divisão que põe em evidência a verdadeira natureza
espiritual de cada um. Os adversários rejeitaram-na desde o início. A sua
rebeldia contra ela levou-os até à blasfêmia contra o Espírito Santo. Os
próprios familiares de Jesus mostraram certa reserva contra a Palavra; e o
processo de rejeição pelo público também já havia começado.
V. 10 - Quando
Jesus ficou só, os que estavam junto dele com os doze,
o interrogaram a respeito das
parábolas.
V. 11 -
Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado o mistério do reino de Deus,
mas aos de fora tudo se ensina por
meio de parábolas,
V. 12
- para que vendo, vejam , e não
percebam; e ouvindo, ouçam,
e não entendam, para que não
venham a converter-se,
e haja perdão para eles.
V. 13 -
Então lhes perguntou: Não entendeis esta parábola,
e como compreendereis todas as
parábolas?
Neste momento a multidão já se havia separado. Estava portanto de fora.
Os que estavam junto dele com os apóstolos, depois de ouvirem as parábolas,
interrogaram-no a respeito do seu método de ensino. Jesus então explica: Para
os que estão junto dele é dado conhecer o mistério, isto é, o significado das
cousas encobertas e profundas do reino de Deus. A primeira prova disto é que
ele interpreta em seguida a parábola que
acabou de pronunciar. Mas o que acontece para os que estão de fora? A estes ele
tentou atrair com o recurso das parábolas, o que deixa patente a sua paciência
e o seu amor para com os indiferentes, pois elas não agridem, não ferem, nem
repelem os ouvintes. Antes, tornam o
ensino atrativo e estimulam cada um a procurar por si só o seu significado.
Elas também não forçam ninguém a concluir alguma cousa por meio de raciocínios
preordenados ou impostos, e assim, não constrangem o ouvinte. Apesar de tudo
isso, muitos rejeitaram a sua boa vontade de ensinar-lhes, e não permaneceram
junto dele. Ficando de fora não podem conhecer o mistério do reino de Deus, e
isto redunda na sua própria perdição porque vêem, mas não querem perceber; ouvem,
mas não querem entender. Nessas condições não podem converter-se e receber
perdão dos seus pecados.
A pergunta de Jesus aos discípulos no verso 13 mostra a necessidade de
crescer em discernimento para compreender os seus ensinos por meio de
parábolas, pois este é o método que ele adotou para aplicar em todo o seu
ministério, até o final. É a sua linguagem espiritual que eles precisam
absorver. Além disso é fundamental que eles compreendam bem o mistério do reino
de Deus, no qual estão sendo instruídos e treinados na obediência para, no
futuro, repassarem o que aprenderam.
V. 14 - O
semeador semeia a palavra.
V. 15 -
São estes os da beira do caminho, onde a palavra é semeada;
e, enquanto a ouvem, logo vem
Satanás e tira a palavra semeada neles.
V. 16 -
Semelhantemente são estes os semeados em solo rochoso, os quais,
ouvindo a palavra, logo a recebem
com alegria.
V. 17 -
Mas eles não têm raiz em si mesmos, sendo antes de pouca duração;
em lhes chegando a angústia ou a
perseguição
por causa da palavra, logo se escandalizam.
V. 18 - Os
outros, os semeados entre os espinhos, são os que ouvem a palavra,
V. 19 -
mas os cuidados do mundo, a fascinação da riqueza e as demais ambições,
concorrendo, sufocam a palavra,
ficando ela infrutífera.
V. 20 -Os que foram semeados em boa terra são aqueles que ouvem a palavra
e a recebem, frutificando a trinta, a sessenta e a cem por um.
A interpretação da parábola do semeador é dada aqui por Jesus mesmo.
Portanto é dispensável qualquer comentário, mas recomenda-se a leitura deste
trecho com muita atenção.
V. 21 - Também lhes disse: Vem, porventura,
a candeia para ser posta
debaixo do alqueire, ou da cama?
Não vem antes para ser colocada no
velador?
V. 22 -
Pois nada está oculto, senão para ser manifesto; e nada se faz
escondido, senão para ser revelado.
V. 23 - Se
alguém tem ouvidos para ouvir, ouça.
V. 24 -
Então lhes disse: Atentai no que ouvis. Com a medida que tiverdes medido
vos medirão também, e ainda se vos
acrescentará.
V. 25 -
Pois ao que tem se lhe dará; e ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.
Mais uma ilustração é usada por Jesus, agora por meio da parábola da
candeia. Esta é a lâmpada da sua época. Ele explica que ela não deve ser
colocada em lugar escondido e sim, onde possa iluminar. Com isto ele declara
que vem com os seus ensinos para trazer luz
aos homens, como a candeia que vem para clarear o ambiente. A sua missão
é revelar a verdade e ensinar a vontade de Deus aos homens. E quando diz que “nada
está oculto, senão para ser manifesto e nada se faz escondido, senão para ser
revelado”, Jesus está confirmando o propósito de Deus de revelar e
manifestar todo o mistério do seu reino por intermédio dele mesmo.
A divulgação do mistério do reino de Deus anunciada por Jesus representa
uma oportunidade sem precedentes trazida agora à humanidade. Por isso ele
conclui a parábola com um conselho: “Se alguém tem ouvidos para ouvir,
ouça”, o que significa: “Prestem muita atenção”. Em seguida ele faz esta
advertência: “Com a medida com que tiverdes medido vos medirão também, e
ainda se vos acrescentará”. Com isto
ele quer dizer que as parábolas contêm o mistério do reino que será revelado
àqueles que considerarem com atenção os seus ensinos. Ainda mais, os que estão
aprendendo junto dele e andando em obediência receberão mais revelação pois,
“... ao que tem se lhe dará...”. Quanto aos de fora, que não dão atenção
mas rejeitam os ensinos das parábolas, e não se aproximam para aprender e andar
em obediência, estes não receberão revelação, e até aquilo que ouviram
perderão, pois “... ao que não tem, até o que tem lhe será tirado”.
Em última
análise, todos serão recompensados de acordo com a medida de importância que
derem aos ensinos de Jesus.
V. 26 - Disse ainda: O reino de Deus é assim como
se um homem lançasse a semente à
terra,
V. 27 -
depois dormisse e se levantasse, de noite e de dia,
e a semente germinasse e crescesse,
não sabendo ele como.
V. 28 - A
terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga,
e, por fim, o grão cheio na espiga.
V. 29 - E
quando o fruto já está maduro, logo se lhe mete a foice,
porque é chegada a ceifa.
Com a figura do homem lançando a semente; da terra; da sua capacidade de
produzir; do ciclo vegetativo e da colheita, Jesus ilustra como as cousas
acontecem no reino de Deus. A Palavra começa a produzir efeito quando é lançada
no coração que a recebe. E o que semeou observa diariamente o progresso
espiritual daquele que a recebeu, mas não sabe explicar como isso acontece.
Como a terra tem capacidade de fazer produzir por si mesma, assim também o
reino de Deus tem o poder que opera o
crescimento espiritual de todo aquele que acolhe a Palavra. É como Jesus
explicou a Nicodemos: “O vento sopra para onde quer, ouves a
sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é
nascido do Espírito” (João 3:18).
Também como há fases no ciclo vegetativo das plantas caracterizadas pela
erva seguida da espiga, depois o grão cheio e finalmente o amadurecimento,
assim é o crescimento espiritual dentro do reino de Deus. Tudo acontece
naturalmente por etapas, sem que ninguém possa interferir no processo. As
pessoas nascem, crescem na graça e no conhecimento de Cristo, para então
chegarem à maturidade, isto é, à fase em que a produção do fruto está
garantida. É o fruto da obra do cristão de que Jesus fala em João 15:1-17;
fruto do Espírito, referido em Gálatas 5:22-23; fruto para a santificação, produzido
pela vida cristã mencionado em Romanos 6:22; enfim, este é o estágio que Deus
espera para poder realizar a ceifa.
V. 30 - Disse mais: A que assemelharemos o reino de Deus?
ou com que parábola o
apresentaremos?
V. 31 - É
como um grão de mostarda que, quando semeado,
é a menor de todas as sementes
sobre a terra;
V. 32 -
mas, uma vez semeada cresce e se torna maior do que todas
as hortaliças, e deita grandes
ramos a ponto de as aves do céu
poderem aninhar-se à sua sombra.
A mostarda é uma hortaliça muito comum na Palestina e a sua semente é
conhecida pelo seu pequeno tamanho. Entre as diversas variedades dessa planta
existem algumas que podem crescer e tornar-se grandes arbustos com o porte de
uma árvore de mais de três metros de altura. Jesus toma um desses exemplares
para ilustrar o que acontece no reino de Deus: A pregação da Palavra é como o
plantio de uma semente comparativamente pequena, mas potencialmente poderosa, e
surpreendente .
Considerando as proporções entre a semente e a árvore já desenvolvida, podemos compreender nesta parábola que o
reino de Deus cresce onde a Palavra é semeada, vindo a oferecer grandes
benefícios, como uma árvore frondosa que dá sombra e proteção às aves do céu.
Em Ezequiel 17:23 encontramos a figura de um reino sólido e acolhedor
estabelecido por Deus mesmo, ilustrado em forma de parábola, por uma árvore.
V. 33 - E
com muitas parábolas semelhantes lhes expunha a palavra,
conforme o permitia a capacidade dos
ouvintes.
V. 34 - E
sem parábolas não lhes falava; tudo, porém,
explicava
em particular aos seus próprios
discípulos.
O método de ensino de Jesus por meio de parábolas é enfatizado aqui por
Marcos. É importante notar a sua psicologia e a sua didática: Ele levava em
conta a capacidade dos ouvintes, e explicava tudo aos seus discípulos em
particular.
Os seus ensinos são espirituais e profundos, bem diferentes dos ensinos
tradicionais dos rabinos da sua época. Tendo em vista que as multidões e os
seus próprios discípulos não tinham condição de receber diretamente conceitos
elevados, ele os dosava por meio de parábolas. Com isso ele cumpria as
Escrituras, como esclarece Mateus: “Abrirei
em parábolas a minha boca; publicarei cousas ocultas desde a criação [do
mundo]” (Mateus 13: 35a).
V. 35 -
Naquele dia, sendo já tarde, disse-lhes Jesus:
Passemos para a outra margem.
V. 36 - E
eles, despedindo a multidão, o levaram assim como estava,
no barco; e outros barcos o
seguiram.
V. 37 -
Ora, levantou-se grande temporal de vento,
e as ondas se arremessavam contra o
barco, de modo que
o mesmo já estava a encher-se de
água.
V. 38 - E
Jesus estava na popa, dormindo sobre o travesseiro;
e eles o despertam e lhe dizem:
Mestre, não te importas que
pereçamos!
V. 39 - E
ele, despertando, repreendeu o vento, e disse ao mar:
Acalma-te, emudece! O vento se
aquietou e fez-se grande bonança.
V. 40 -
Então lhes disse: Por que sois assim tímidos?
como é que não tendes fé?
V. 41 - E
eles, possuídos de grande temor, diziam uns aos outros:
Quem é este que até o vento e o mar
lhe obedecem?
Naquele mesmo dia, depois de ensinar as multidões e os seus discípulos em
particular dentro do barco, Jesus resolveu atravessar o mar da Galiléia e ir
para a outra margem. Era o entardecer e o dia tinha sido de muito trabalho. Ele
permanecia dentro do barco com os discípulos que não se haviam preparado para a
travessia. Assim mesmo eles o levaram dali de onde estavam, tendo-se apenas
desvinculado da multidão, enquanto outros barcos o seguiam. E logo se formou um
grande temporal.
A julgar pela descrição do verso
37, deve ter-se produzido um fenômeno muito comum naquela região. Fortes
correntes de ar frio descem repentinamente das montanhas geladas que ficam ao
norte do mar da Galiléia e batem violentamente contra as águas do lago,
produzindo enormes vagalhões e rajadas de vento que põem em risco qualquer
barco que esteja navegando por ali.
Em meio a tão grande tormenta estava o Filho de Deus dormindo na
perfeição da sua natureza humana, cansado, sentindo o início da rejeição do seu
ministério por parte das multidões, e a oposição ferrenha dos seus adversários,
que aumentava. Nada disso o perturbava. Ele dormia em paz. Mas os discípulos
não o viam assim. Eles viam a morte aproximar-se de todos enquanto Jesus
dormia. Alguns deles, pescadores profissionais tarimbados no ofício, viam o
perigo de um naufrágio iminente e fatal, o fim de suas esperanças. Eles não
acordaram o Mestre para acalmar a tempestade, mas simplesmente porque ele “não
se incomodava com o que estava acontecendo”. Foi por isso que o censuraram com
palavras como estas: “ O senhor não se importa que todos vamos morrer?” Ele não
acordou por causa do barulho das águas ou do vento, e nem por causa do balanço
das ondas do mar, todavia acordou por causa do clamor dos seus discípulos. E
com uma simples repreensão ao vento e uma ordem ao mar tudo voltou à paz.
A repreensão aos discípulos foi pelo medo que sentiram e pela falta de fé
que demonstraram. Eles ainda não tinham olhos espirituais para ver o Mestre
como convinha. Caso contrário, não o teriam acordado. Antes, tendo olhos, viam
e não percebiam; tendo ouvidos, ouviam e não entendiam. Enfim, o medo que
sentiram era por falta de fé naquele que podia dormir no meio da tempestade.
Porém, depois do acontecido, passaram
a temer ao Senhor, por causa de tudo o que viram, e da repreensão que
receberam. É evidente o assombro que sentiram diante de um personagem ainda tão
estranho para eles, pois diziam entre si: “Quem é este que até o vento e o
mar lhe obedecem?”. E como se isto fosse uma parábola, a partir daquele dia
os discípulos passaram a ter uma compreensão muito mais real daquele a quem
seguiam. E, passo a passo, Jesus levou-os à convicção de que ele realmente é o
Messias até que, mais tarde o confessaram como tal em Cesaréia de Felipe.
O trabalho de Cristo em seus discípulos, em grande medida, consiste de
acalmar a tempestade que neles existe
por falta de fé. É como ele promete: “A minha paz vos dou”.