sábado, 13 de abril de 2013

CAPÍTULO 4


CAPÍTULO  4

 

V.  1 - Voltou Jesus a ensinar à beira mar. E reuniu-se numerosa multidão a ele,

           de modo que entrou num barco, onde se assentou, afastando-se da praia.

           e todo o povo estava à beira mar,  na praia.

V.  2 - Assim lhes ensinava muitas coisas por parábolas,

            no decorrer do seu doutrinamento.

V.  3 - Ouvi: Eis que saiu o semeador a semear.

V.  4 - E, ao semear, uma parte caiu à beira do caminho,

           e vieram as aves e a comeram.

V.  5 - Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca,

           e logo nasceu, visto não ser profunda a terra.

V.  5 - Saindo, porém , o sol a queimou;

           e porque não tinha raízes, secou-se.

V.  7 - Outra parte caiu entre os espinhos; e os espinhos

           cresceram e a sufocaram, e não deu fruto.

V.  8 - Outras, enfim, caíram em boa terra, e deram fruto

           que vingou e cresceu, produzindo a trinta,

           a sessenta e a cem, por um.

V.  9 - E acrescentou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

 

Imediatamente após ter sido procurado por seus familiares, Jesus volta a ensinar à beira mar. Muitos interpretam esta sua atitude como o seu desligamento da família carnal, para dedicar-se à família espiritual. Ali ele teve necessidade de entrar num barco para afastar-se da grande multidão que se aglomerou junto dele. Marcos informa que ele lhes ensinava por parábolas.

Em termos bem simplistas, uma parábola é um tipo de comparação que se faz com figuras da vida quotidiana, para explicar alguma verdade espiritual. Jesus fez muito uso deste recurso, visando facilitar a compreensão dos seus ensinos. Ele transmitia conceitos espirituais, traçando comparações com fatos da vida comum que todos conheciam. Assim era fácil para os ouvintes entenderem o que ele queria dizer.

A parábola do semeador é a primeira de um grupo de quatro outras que ele usou para ensinar sobre o reino de Deus. Por meio dela nós aprendemos o que acontece quando a Palavra é lançada , ou pregada, pra uma multidão de pessoas de naturezas diferentes. É comparável ao que acontece quando a semente é lançada sobre uma grande área de terra, contendo diferentes tipos de solo. O resultado depende de cada tipo de solo. Assim também o resultado da Palavra depende do coração de cada pessoa que ouve.

A parábola do semeador foi trazida em momento muito oportuno do ministério de Jesus. Ela vem explicar a razão dos conflitos dele com os seus adversários e até com seus parentes. Em todo lugar aonde chega a Palavra de Cristo, estabelece-se uma divisão que põe em evidência a verdadeira natureza espiritual de cada um. Os adversários rejeitaram-na desde o início. A sua rebeldia contra ela levou-os até à blasfêmia contra o Espírito Santo. Os próprios familiares de Jesus mostraram certa reserva contra a Palavra; e o processo de rejeição pelo público também já havia começado.

 

V. 10 - Quando Jesus ficou só, os que estavam junto dele com os doze,

            o interrogaram a respeito das parábolas.

V. 11 - Ele lhes respondeu: A vós outros vos é dado o mistério do reino de Deus,

             mas aos de fora tudo se ensina por meio de parábolas,

V. 12 -  para que vendo, vejam , e não percebam; e ouvindo, ouçam,

            e não entendam, para que não venham a converter-se,

            e haja perdão para eles.

V. 13 - Então lhes perguntou: Não entendeis esta parábola,

            e como compreendereis todas as parábolas?

 

Neste momento a multidão já se havia separado. Estava portanto de fora. Os que estavam junto dele com os apóstolos, depois de ouvirem as parábolas, interrogaram-no a respeito do seu método de ensino. Jesus então explica: Para os que estão junto dele é dado conhecer o mistério, isto é, o significado das cousas encobertas e profundas do reino de Deus. A primeira prova disto é que ele interpreta em  seguida a parábola que acabou de pronunciar. Mas o que acontece para os que estão de fora? A estes ele tentou atrair com o recurso das parábolas, o que deixa patente a sua paciência e o seu amor para com os indiferentes, pois elas não agridem, não ferem, nem repelem os ouvintes. Antes,  tornam o ensino atrativo e estimulam cada um a procurar por si só o seu significado. Elas também não forçam ninguém a concluir alguma cousa por meio de raciocínios preordenados ou impostos, e assim, não constrangem o ouvinte. Apesar de tudo isso, muitos rejeitaram a sua boa vontade de ensinar-lhes, e não permaneceram junto dele. Ficando de fora não podem conhecer o mistério do reino de Deus, e isto redunda na sua própria perdição porque vêem, mas não querem perceber; ouvem, mas não querem entender. Nessas condições não podem converter-se e receber perdão dos seus pecados.

 

A pergunta de Jesus aos discípulos no verso 13 mostra a necessidade de crescer em discernimento para compreender os seus ensinos por meio de parábolas, pois este é o método que ele adotou para aplicar em todo o seu ministério, até o final. É a sua linguagem espiritual que eles precisam absorver. Além disso é fundamental que eles compreendam bem o mistério do reino de Deus, no qual estão sendo instruídos e treinados na obediência para, no futuro, repassarem o que aprenderam.

 

V. 14 - O semeador semeia a palavra.

V. 15 - São estes os da beira do caminho, onde a palavra é semeada;

            e, enquanto a ouvem, logo vem Satanás e tira a palavra semeada neles.

V. 16 - Semelhantemente são estes os semeados em solo rochoso, os quais,                            

            ouvindo a palavra, logo a recebem com alegria.

V. 17 - Mas eles não têm raiz em si mesmos, sendo antes de pouca duração;

            em lhes chegando a angústia ou a perseguição

            por causa da palavra, logo se escandalizam.

V. 18 - Os outros, os semeados entre os espinhos, são os que ouvem a palavra,

V. 19 - mas os cuidados do mundo, a fascinação da riqueza e as demais ambições,

           concorrendo, sufocam a palavra, ficando ela infrutífera.

V. 20 -Os que foram semeados em boa terra são aqueles que ouvem a  palavra

           e a recebem,  frutificando a trinta,  a sessenta e a cem por um.

 

A interpretação da parábola do semeador é dada aqui por Jesus mesmo. Portanto é dispensável qualquer comentário, mas recomenda-se a leitura deste trecho com muita atenção.

 

 V. 21 - Também lhes disse: Vem, porventura, a candeia para ser posta

            debaixo do alqueire, ou da cama?

            Não vem antes para ser colocada no velador?

V. 22 - Pois nada está oculto, senão para ser manifesto; e nada se faz

            escondido, senão para ser revelado.

V. 23 - Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça.

V. 24 - Então lhes disse: Atentai no que ouvis. Com a medida que tiverdes medido

            vos medirão também, e ainda se vos acrescentará.

V. 25 - Pois ao que tem se lhe dará; e ao que não tem, até o que tem lhe será tirado.

           

Mais uma ilustração é usada por Jesus, agora por meio da parábola da candeia. Esta é a lâmpada da sua época. Ele explica que ela não deve ser colocada em lugar escondido e sim, onde possa iluminar. Com isto ele declara que vem com os seus ensinos para trazer luz  aos homens, como a candeia que vem para clarear o ambiente. A sua missão é revelar a verdade e ensinar a vontade de Deus aos homens. E quando diz que “nada está oculto, senão para ser manifesto e nada se faz escondido, senão para ser revelado”, Jesus está confirmando o propósito de Deus de revelar e manifestar todo o mistério do seu reino por intermédio dele mesmo.

A divulgação do mistério do reino de Deus anunciada por Jesus representa uma oportunidade sem precedentes trazida agora à humanidade. Por isso ele conclui a parábola com um conselho: “Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça”, o que significa: “Prestem muita atenção”. Em seguida ele faz esta advertência: “Com a medida com que tiverdes medido vos medirão também, e ainda  se vos acrescentará”. Com isto ele quer dizer que as parábolas contêm o mistério do reino que será revelado àqueles que considerarem com atenção os seus ensinos. Ainda mais, os que estão aprendendo junto dele e andando em obediência receberão mais revelação pois, “... ao que tem se lhe dará...”. Quanto aos de fora, que não dão atenção mas rejeitam os ensinos das parábolas, e não se aproximam para aprender e andar em obediência, estes não receberão revelação, e até aquilo que ouviram perderão, pois “... ao que não tem, até o que tem lhe será tirado”.    

Em última análise, todos serão recompensados de acordo com a medida de importância que derem aos ensinos de Jesus.

 

V. 26 - Disse ainda: O reino de Deus é assim como

            se um homem lançasse a semente à terra,

V. 27 - depois dormisse e se levantasse, de noite e de dia,

            e a semente germinasse e crescesse, não sabendo ele como.

V. 28 - A terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga,

            e, por fim, o grão cheio na espiga.

V. 29 - E quando o fruto já está maduro, logo se lhe mete a foice,

            porque é chegada a ceifa. 

 

Com a figura do homem lançando a semente; da terra; da sua capacidade de produzir; do ciclo vegetativo e da colheita, Jesus ilustra como as cousas acontecem no reino de Deus. A Palavra começa a produzir efeito quando é lançada no coração que a recebe. E o que semeou observa diariamente o progresso espiritual daquele que a recebeu, mas não sabe explicar como isso acontece. Como a terra tem capacidade de fazer produzir por si mesma, assim também o reino de  Deus tem o poder que opera o crescimento espiritual de todo aquele que acolhe a Palavra. É como Jesus explicou a Nicodemos: “O vento sopra para onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (João 3:18).

Também como há fases no ciclo vegetativo das plantas caracterizadas pela erva seguida da espiga, depois o grão cheio e finalmente o amadurecimento, assim é o crescimento espiritual dentro do reino de Deus. Tudo acontece naturalmente por etapas, sem que ninguém possa interferir no processo. As pessoas nascem, crescem na graça e no conhecimento de Cristo, para então chegarem à maturidade, isto é, à fase em que a produção do fruto está garantida. É o fruto da obra do cristão de que Jesus fala em João 15:1-17; fruto do Espírito, referido em Gálatas 5:22-23; fruto para a santificação, produzido pela vida cristã mencionado em Romanos 6:22; enfim, este é o estágio que Deus espera para poder realizar a ceifa.

 

V. 30 - Disse mais: A que assemelharemos o reino de Deus?

            ou com que parábola o apresentaremos?

V. 31 - É como um grão de mostarda que, quando semeado,

            é a menor de todas as sementes sobre a terra;

V. 32 - mas, uma vez semeada cresce e se torna maior do que todas

            as hortaliças, e deita grandes ramos a ponto de as aves do céu

            poderem aninhar-se à sua sombra.

 

A mostarda é uma hortaliça muito comum na Palestina e a sua semente é conhecida pelo seu pequeno tamanho. Entre as diversas variedades dessa planta existem algumas que podem crescer e tornar-se grandes arbustos com o porte de uma árvore de mais de três metros de altura. Jesus toma um desses exemplares para ilustrar o que acontece no reino de Deus: A pregação da Palavra é como o plantio de uma semente comparativamente pequena, mas potencialmente poderosa, e surpreendente .

Considerando as proporções entre a semente e a árvore já desenvolvida,  podemos compreender nesta parábola que o reino de Deus cresce onde a Palavra é semeada, vindo a oferecer grandes benefícios, como uma árvore frondosa que dá sombra e proteção às aves do céu. Em Ezequiel 17:23 encontramos a figura de um reino sólido e acolhedor estabelecido por Deus mesmo, ilustrado em forma de parábola, por uma árvore.

 

V. 33 - E com muitas parábolas semelhantes lhes expunha a palavra,

            conforme o permitia a capacidade dos ouvintes.

V. 34 - E sem parábolas não lhes falava; tudo, porém,  explicava

            em particular aos seus próprios discípulos.

 

O método de ensino de Jesus por meio de parábolas é enfatizado aqui por Marcos. É importante notar a sua psicologia e a sua didática: Ele levava em conta a capacidade dos ouvintes, e explicava tudo aos seus discípulos em particular.

Os seus ensinos são espirituais e profundos, bem diferentes dos ensinos tradicionais dos rabinos da sua época. Tendo em vista que as multidões e os seus próprios discípulos não tinham condição de receber diretamente conceitos elevados, ele os dosava por meio de parábolas. Com isso ele cumpria as Escrituras, como  esclarece Mateus: “Abrirei em parábolas a minha boca; publicarei cousas ocultas desde a criação [do mundo]” (Mateus 13: 35a).

 

V. 35 - Naquele dia, sendo já tarde, disse-lhes Jesus:

            Passemos para a outra margem.

V. 36 - E eles, despedindo a multidão, o levaram assim como estava,

            no barco; e outros barcos o seguiram.

V. 37 - Ora, levantou-se grande temporal de vento,

            e as ondas se arremessavam contra o barco, de modo que

            o mesmo já estava a encher-se de água.

V. 38 - E Jesus estava na popa, dormindo sobre o travesseiro;

            e eles o despertam e lhe dizem:

            Mestre, não te importas que pereçamos!

V. 39 - E ele, despertando, repreendeu o vento, e disse ao mar:

            Acalma-te, emudece! O vento se aquietou e fez-se grande bonança.

V. 40 - Então lhes disse: Por que sois assim tímidos?

            como é que não tendes fé?

V. 41 - E eles, possuídos de grande temor, diziam uns aos outros:

            Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?

 

Naquele mesmo dia, depois de ensinar as multidões e os seus discípulos em particular dentro do barco, Jesus resolveu atravessar o mar da Galiléia e ir para a outra margem. Era o entardecer e o dia tinha sido de muito trabalho. Ele permanecia dentro do barco com os discípulos que não se haviam preparado para a travessia. Assim mesmo eles o levaram dali de onde estavam, tendo-se apenas desvinculado da multidão, enquanto outros barcos o seguiam. E logo se formou um grande temporal.

 A julgar pela descrição do verso 37, deve ter-se produzido um fenômeno muito comum naquela região. Fortes correntes de ar frio descem repentinamente das montanhas geladas que ficam ao norte do mar da Galiléia e batem violentamente contra as águas do lago, produzindo enormes vagalhões e rajadas de vento que põem em risco qualquer barco que esteja navegando por ali.

Em meio a tão grande tormenta estava o Filho de Deus dormindo na perfeição da sua natureza humana, cansado, sentindo o início da rejeição do seu ministério por parte das multidões, e a oposição ferrenha dos seus adversários, que aumentava. Nada disso o perturbava. Ele dormia em paz. Mas os discípulos não o viam assim. Eles viam a morte aproximar-se de todos enquanto Jesus dormia. Alguns deles, pescadores profissionais tarimbados no ofício, viam o perigo de um naufrágio iminente e fatal, o fim de suas esperanças. Eles não acordaram o Mestre para acalmar a tempestade, mas simplesmente porque ele “não se incomodava com o que estava acontecendo”. Foi por isso que o censuraram com palavras como estas: “ O senhor não se importa que todos vamos morrer?” Ele não acordou por causa do barulho das águas ou do vento, e nem por causa do balanço das ondas do mar, todavia acordou por causa do clamor dos seus discípulos. E com uma simples repreensão ao vento e uma ordem ao mar tudo voltou à paz.

A repreensão aos discípulos foi pelo medo que sentiram e pela falta de fé que demonstraram. Eles ainda não tinham olhos espirituais para ver o Mestre como convinha. Caso contrário, não o teriam acordado. Antes, tendo olhos, viam e não percebiam; tendo ouvidos, ouviam e não entendiam. Enfim, o medo que sentiram era por falta de fé naquele que podia dormir no meio da tempestade.

Porém, depois do acontecido, passaram  a temer ao Senhor, por causa de tudo o que viram, e da repreensão que receberam. É evidente o assombro que sentiram diante de um personagem ainda tão estranho para eles, pois diziam entre si: “Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?”. E como se isto fosse uma parábola, a partir daquele dia os discípulos passaram a ter uma compreensão muito mais real daquele a quem seguiam. E, passo a passo, Jesus levou-os à convicção de que ele realmente é o Messias até que, mais tarde o confessaram como tal em Cesaréia de Felipe.

O trabalho de Cristo em seus discípulos, em grande medida, consiste de acalmar a tempestade que neles  existe por falta de fé. É como ele promete: “A minha paz vos dou”.